Covid-19 – Correndo para continuar parado: Culpa do vírus ou dos adoradores do bezerro de ouro?, por Felipe Costa

Sítios e aplicativos do Ministério da Saúde saíram do ar na primeira quinzena de dezembro e o monitoramento da pandemia ficou ainda mais comprometido.

Covid-19 – Correndo para continuar parado: Culpa do vírus ou dos adoradores do bezerro de ouro?

Por Felipe A. P. L. Costa [*].

RESUMO. – Este artigo atualiza os valores das taxas de crescimento (casos e mortes) publicados em artigo anterior (aqui). Entre 10 e 16/1, essas taxas ficaram em 0,2997% (casos) e 0,0245% (mortes). Novos casos estão a explodir mundo afora. Em escala planetária, já são 332 milhões de casos e 5,6 milhões de mortes (18/1; para detalhes e referências, ver aqui). No caso específico do Brasil, a taxa de crescimento no número de casos aumentou 18 vezes ao longo de quatro semanas. Em um cenário otimista, o país irá contabilizar 23.984.644 casos e 623.178 mortes até 30/1. Em um cenário pessimista, o país irá contabilizar 26.080.706 casos e 623.863 mortes.

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1. O RITMO DA PANDEMIA NO PAÍS.

Anteontem (16/1), de acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, foram registrados em todo o país mais 24.934 casos e 74 mortes. Teríamos chegado assim a um total de 23.000.657 casos e 621.045 mortes.

Na semana encerrada no domingo (10-16/1), foram registrados 476.750 novos casos – 10 vezes mais que na segunda semana de dezembro (6-12/12: 46.776) e o maior valor desde a última semana de junho (21-27/6: 492.670).

Entre 10 e 16/1, infelizmente, foram registradas 1.064 mortes – o maior valor desde a segunda semana de dezembro (6-12/12: 1.194).

2. TAXAS DE CRESCIMENTO.

Os percentuais e os números absolutos referidos acima ajudam a descrever a situação. Todavia, para monitorar o ritmo e o rumo da pandemia [1], sigo a usar as taxas de crescimento no número de casos e de mortes. Ambas subiram em relação aos valores da semana anterior, com destaque para a taxa de crescimento no número de casos.

Vejamos os resultados mais recentes.

A taxa de crescimento no número de casos saltou de 0,1472% (3-9/1) para 0,2997% (10-16/1) – o maior valor desde a última semana de junho (21-27/6: 0,39%) [2, 3].

A taxa de crescimento no número de mortes, por sua vez, subiu de 0,0196% (3-9/1) para 0,0245% (10-16/1) – o maior valor em cinco semanas (6-12/12: 0,0277%).

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FIGURA. A figura que acompanha este artigo ilustra o comportamento das médias semanais das taxas de crescimento no número de casos (pontos em azul escuro) e no número de óbitos (pontos em vermelho escuro) em todo o país (valores expressos em porcentagem), entre 21/2/2021 e 16/1/2022. (Para resultados anteriores, ver aqui.) Note que alguns pares de pontos são coincidentes ou quase isso.

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3. ESTATÍSTICAS PRECÁRIAS.

Sítios e aplicativos do Ministério da Saúde saíram do ar na primeira quinzena de dezembro. (O sítio está congelado desde 9/12.) Razão pela qual o monitoramento da pandemia ficou ainda mais comprometido.

O apagão não podia se dar em pior hora. Afinal, o número de novos casos está a explodir em todo o mundo.

No caso do Brasil, especificamente, as estatísticas disponíveis mostram que a taxa de crescimento no número de casos aumentou 18 vezes ao longo das últimas quatro semanas. Eis o houve: de 0,0165% (20-26/12), a taxa saltou para 0,0345% (27/12-2/1), daí quadruplicou para 0,1472% (3-9/1) e, por fim, duplicou de novo, chegando a 0,2997% (10-16/1).

Na hipótese de que a proliferação do vírus entre nós continue a ser não só tolerada, mas também incentivada (e.g., por meio da realização de eventos que resultam em grandes aglomerações, seja ao ar livre, seja em espaços internos controlados), a própria taxa de crescimento seguirá aumentando. (Há um teto para isso, claro, mas ainda há margem para mais duplicações.)

4. CENÁRIOS E PROJEÇÕES.

Com base nos resultados acima, descrevo a seguir dois cenários para as próximas semanas, um otimista e outro pessimista.

No cenário otimista, as taxas de crescimento (casos e mortes) seguirão inalteradas. Neste caso, o país irá contabilizar 23.984.644 casos e 623.178 mortes até o último domingo de janeiro (30/1).

No cenário pessimista, as taxas seguirão aumentando. Neste contexto, uma simulação razoável seria a seguinte. A taxa de novos casos duplicaria mais duas vezes, saltando de 0,2997% (10-16/1) para 0,6002% (17-23/1) e daí para 1,2041% (24-30/1). A taxa de mortes, porém, aumentaria bem mais devagar (graças à cobertura vacinal [4]) – 20% por semana (média das últimas três semanas). Neste caso, portanto, o país irá contabilizar 26.080.706 casos e 623.863 mortes.

5. CODA.

Dois anos após a chegada da pandemia ao país [5], e às vésperas do Carnaval de 2022 [6], eis que o país segue “correndo para continuar parado”.

Ainda que o apagão de dezembro tenha comprometido em muito o monitoramento da pandemia, parece seguro afirmar que a taxa de novos casos está a subir. E subir vertiginosamente (ver a figura que acompanha este artigo).

É preocupante. Pois indica que o número de casos deverá explodir nos próximos dias. (Para ter uma ideia, basta ver o seguinte: com a taxa de crescimento dobrando a cada semana, toda a população brasileira estaria infectada antes do dia 27/2!)

É assustador. Mas é também revoltante, visto que boa parte de todo o pesadelo que estamos a viver poderia ter sido evitada.

Refaço então uma pergunta que muita gente já deve ter feito: De quem é culpa por esse estado de coisas que assombra o país desde fevereiro de 2020?

Do Palácio do Planalto? Daqueles médicos que receitam ‘bolinhas de pão com fezes’? Daqueles militares que se empanturram com picanha e leite condensado? Daqueles congressistas de bom caráter e suas prostitutas de luxo? Dos donos de templos? Dos juízes que amam a Disneylândia? Da mídia corporativa, que vive a brincar de ‘morde e assopra’? Dos marqueteiros de plantão? Dos capitães de indústria? Dos ruralistas? Dos banqueiros?

Afinal, de quem é a culpa: Do vírus ou dos adoradores do bezerro de ouro?

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NOTAS.

[*] Há uma campanha de comercialização em curso envolvendo os livros do autor – ver o artigo Ciência e poesia em quatro volumes. Para mais informações ou para adquirir (por via postal) os quatro volumes (ou algum volume específico), faça contato pelo endereço [email protected]. Para conhecer outros artigos e livros, ver aqui.

[1] Ouso dizer que a pandemia chegará ao fim sem que a imprensa brasileira se dê conta de que está a monitorar a pandemia de um jeito, digamos, desfocado – além de burocrático e superficial. Para capturar e antever a dinâmica de processos populacionais, como é o caso da disseminação de uma doença contagiosa, devemos recorrer a um parâmetro que tenha algum poder preditivo. Não é o caso da média móvel. Mas é o caso da taxa de crescimento – seja do número de casos, seja do número de mortes. Para detalhes e discussões a respeito do comportamento da pandemia desde março de 2020, tanto em escala mundial como nacional, ver qualquer um dos três primeiros volumes da coletânea A pandemia e a lenta agonia de um país desgovernado, vols. 1-5 (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

[2] Entre 19/10/2020 e 16/1/2022, as médias semanais exibiram os seguintes valores: (1) casos: 0,43% (19-25/10), 0,40% (26/10-1/11), 0,30% (2-8/11), 0,49% (9-15/11), 0,50% (16-22/11), 0,56% (23-29/11), 0,64% (30-6/12), 0,63% (7-13/12), 0,68% (14-20/12), 0,48% (21-27/12), 0,47% (28/12-3/1), 0,67% (4-10/1), 0,66% (11-17/1), 0,59% (18-24/1), 0,57% (25-31/1), 0,49%(1-7/2), 0,46% (8-14/2), 0,48% (15-21/2), 0,53% (22-28/2), 0,62% (1-7/3), 0,59% (8-14/3), 0,63% (15-21/3), 0,63% (22-28/3), 0,50% (29/3-4/4), 0,54% (5-11/4), 0,48% (12-18/4), 0,4026% (19-25/4), 0,4075% (26/4-2/5), 0,4111% (3-9/5), 0,4114% (10-16/5), 0,4115% (17-23/5), 0,38% (24-30/5), 0,37% (31/5-6/6), 0,39% (7-13/6), 0,4174% (14-20/6), 0,39% (21-27/6), 0,27% (28/6-4/7), 0,2419% (5-11/7), 0,21% (12-18/7), 0,23% (19-25/7), 0,1802% (26/7-1/8), 0,1621% (2-8/8), 0,14% (9-15/8), 0,1444% (16-22/8), 0,1183% (23-29/8), 0,1023% (30/8-5/9), 0,0744% (6-12/9), 0,1625% (13-19/9), 0,0753% (20-26/9), 0,0775% (27/9-3/10), 0,0715% (4-10/10), 0,0454% (11-17/10), 0,0562% (18-24/10), 0,0532% (25-31/10), 0,0455% (1-7/11), 0,0505% (8-14/11), 0,0385% (15-21/11), 0,0412% (22-28/11), 0,0402% (29/11-5/12), 0,0302% (6-12/12), 0,0154% (13-19/12), 0,0165% (20-26/12), 0,0345% (27/12-2/1), 0,1472% (3-9/1) e 0,2997% (10-16/1); e (2) mortes: 0,3% (19-25/10), 0,26% (26/10-1/11), 0,21% (2-8/11), 0,3% (9-15/11), 0,29% (16-22/11), 0,3% (23-29/11), 0,34% (30-6/12), 0,36% (7-13/12), 0,42% (14-20/12), 0,33% (21-27/12), 0,36% (28/12-3/1), 0,51% (4-10/1), 0,47% (11-17/1), 0,48% (18-24/1), 0,48% (25-31/1), 0,44%(1-7/2), 0,47% (8-14/2), 0,43% (15-21/2), 0,48% (22-28/2), 0,58% (1-7/3), 0,68% (8-14/3), 0,79% (15-21/3), 0,86% (22-28/3), 0,86% (29/3-4/4), 0,91% (5-11/4), 0,80% (12-18/4), 0,66% (19-25/4), 0,60% (26/4-2/5), 0,51% (3-9/5), 0,45% (10-16/5), 0,43% (17-23/5), 0,40% (24-30/5), 0,35% (31/5-6/6), 0,4171% (7-13/6), 0,4175% (14-20/6), 0,33% (21-27/6), 0,30% (28/6-4/7), 0,23% (5-11/7), 0,23% (12-18/7), 0,20% (19-25/7), 0,1785% (26/7-1/8), 0,1613% (2-8/8), 0,1492% (9-15/8), 0,1367% (16-22/8), 0,1185% (23-29/8), 0,1062% (30/8-5/9), 0,07870% (6-12/9), 0,0947% (13-19/9), 0,0890% (20-26/9), 0,0840% (27/9-3/10), 0,0730% (4-10/10), 0,0539% (11-17/10), 0,0558% (18-24/10), 0,0513% (25-31/10), 0,0381% (1-7/11), 0,0430% (8-14/11), 0,0321% (15-21/11), 0,0377% (22-28/11), 0,0316% (29/11-5/12), 0,0277% (6-12/12), 0,0225% (13-19/12), 0,0156% (20-26/12), 0,0151% (27/12-2/1), 0,0196% (3-9/1) e 0,0245% (10-16/1).

Não custa lembrar: Os valores acima são as médias semanais de uma taxa que, por razões metodológicas, oscila ao longo da semana. Para fins de monitoramento, é importante ficar de olho nas taxas de crescimento (casos e mortes), não em valores absolutos. Considere uma taxa de crescimento de 0,5%. Se o total de casos no dia 1 está em 100.000, no dia 2 estará em 100.500 (= 100.000 x 1,005) e no dia 8 (sete dias depois), em 103.553 (= 100.000 x 1,0057; um acréscimo de 3.553 casos em relação ao dia 1); se o total no dia 1 está em 4.000.000, no dia 2 estará em 4.020.000 e no dia 8, em 4.142.118 (acréscimo de 142.118); se o no dia 1 o total está em 10.000.000, no dia 2 estará em 10.050.000 e no dia 8, em 10.355.294 (acréscimo de 355.294). Como se vê, embora os valores absolutos dos acréscimos referidos acima sejam muito desiguais (3.553, 142.118 e 355.294), todos equivalem ao mesmo percentual de aumento (~3,55%) em relação aos respectivos valores iniciais.

[3] Sobre o cálculo das taxas de crescimento, ver referências citadas na nota 1.

[4] O ritmo da campanha de vacinação caiu muitíssimo. Levamos 34 dias (24/8-27/9) para ir de 60% a 70% da população com ao menos uma dose da vacina. (E hoje, 18/1, seguimos empacados em torno dos 78%!) Antes disso, porém, levamos 25 dias (9/7-3/8) para ir de 40% a 50% e apenas 21 dias (3-24/8) para ir de 50% a 60%. Sobre os percentuais, ver ‘Coronavirus (COVID-19) Vaccinations’ (Our World in Data, Oxford, Inglaterra).

Como escrevi em ocasiões anteriores, uma saída rápida para a crise (minimizando o número de novos casos e, sobretudo, o de mortes) dependeria de dois fatores: (i) a adoção de medidas efetivas de proteção e confinamento; e (ii) uma massiva e acelerada campanha de vacinação.

[5] De acordo com o Ministério da Saúde, a pandemia chegou ao país no início de fevereiro de 2020, ao menos duas semanas antes do Carnaval (21-25/2). O primeiro caso da doença, no entanto, só foi identificado na Quarta-feira de Cinzas (26/2); e a primeira morte, três semanas depois, em 17/3. Para detalhes, ver referências citadas na nota 1.

[6] Muitos prefeitos fizeram a coisa certa e cancelaram antecipadamente tanto os eventos de fim de ano como o Carnaval. Mas nem todos. Os casos das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo talvez sejam os mais emblemáticos e os mais vergonhosos de todos (ver aqui). Pois os prefeitos daquelas cidades ainda não foram capazes de reunir forças o suficiente para enfrentar a turma (e.g., mídia e patrocinadores) que pressiona pela realização de ‘eventos controlados’, como o tal desfile das escolas de samba.

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Redação

2 Comentários

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  1. Na verdade já “explodiu”. O nível de contaminação está muito alto e crescendo demais. Junto com ela, a ansiedade daqueles que fazem os procedimentos corretos.

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