Conflagração social anunciada e esperada, por Ciro D’Araujo

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Conflagração social anunciada e esperada.

por Ciro D’Araujo

comentário ao post Xadrez de quem é valente apenas contra os fracos

Nassau William Sr foi um economista que viveu no século XIX.  É famoso por criar a Teoria da abstinência que define os juros como compensação intertemporal (teoria que ainda é ensinada nos manuais de introdução a economia hoje em dia pela ortodoxia quando se diz que o juros são a recompensa que um agente recebe por “adiar” o seu consumo permitindo que outro agente realize tal consumo no presente). 

Também é infame por uma citação com relação a Grande Fome Irlandesa de 1845-1849.  A citação é que a fome, causada por catastrófica perda de lavoura da batata, é que esta “não matará mais do que um milhão de pessoas, e isso não será o suficiente para resolver.” (livre tradução minha, a citação original é: “”would not kill more than one million people, and that would scarcely be enough to do any good”).

Parece que o projeto da reforma da previdência foi idealizado por um sucessor espiritual de Nassau William. 

Hoje abro meu twitter e vem “patrocinado” pelo governo federal através do @PortalBrasil um vídeo sobre o impacto da reforma da previdência em quem já está aposentado.  Diz obviamente que nao há impacto, mas que é necessário para que se mantenha pagando o benefício atual.  Ou seja, está se contando para a avó e para o avô que, para garantir o benefício a eles, os netos não poderão mais se aposentar tal é a dureza da proposta enviada que surpreendeu muitos – admito que me supreendeu.  Trata-se de uma idéia bastante criativa, reformar a previdência acabando com ela.

A estratégia de venda da reforma então é partir para um “conflito generacional”.  Não vejo como isso possa dar certo uma vez que a narrativa vendida pela coalizão do impeachment é era que “o governo roubou” e que “basta tirar o PT que vai tudo melhorar”.  Não consigo imaginar a senhora pensonista comprando a versão de que seu sua pensão depende de seu neto ter de trabalhar 49 anos, especialmente dado o atual nível de desconfiança institucional (nós avisamos…). Imagino que o governo esperava passar a reforma num período já de recuperação econômica, recuperação essa que não veio e não virá.

Isso vindo de um governo cujos expoentes todos se aposentaram jovens e com salários elevados soa como: “Seu neto vai pagar a MINHA aposentadoria”.

A viabilização política dessa reforma depende de que o aparato de segurança do estado não seja afetado por ela – pelo menos não no primeiro momento.  O governo está apostando suas fichas na convulsão social – já conta com isso.  Mesmo sendo o aparato de segurança o responsável por boa parte do deficit (especialmente nos estados que contarão com regras AINDA mais duras do que as lançadas uma vez que o déficit na previdência militar é ainda maior), já se discute no nível estadual de forma séria a redução de benefício para os servidores já aposentados.  Como o STF agora decide o que o mercado quer (isso ficou evidente ontem), não imagino que a inconstitucionalidade de tal proposta seja um problema.  Não tem sido para tanta coisa…

Não estou aqui fazendo um julgamento de mérito sobre a aposentadoria especial do militar, especialmente a do policial. Estou simplesmente apontando que o impacto contábil da retirada dos militares é ainda mais alto nos sistemas de previdência estaduais que no sistema federal.  Isso significa que os demais servidores terão de compensar tal impacto com regras ainda mais draconianas.  Também aponto que isso significa que o governo (tanto nas esferas federais quanto estaduais) está se preparando para a guerra.

Acompanho as redes sociais dos movimentos de servidores aqui no RJ.  É assustador para quem tem alguma preocupação com a manutenção da institucionaldidade o nível de conflagração, especialmente dos servidores da segurança pública.  Não sei se apenas retira-los da reforma será o bastante para baixar a exaltação de ânimos. Deve-se lembrar que policiais muitas vezes são casados com professoras, e tem filhos que estudam nas escolas públicas.

O desenho então é, bala de borracha, spray de pimenta, bomba de gas lacrimogêneo por toda parte.  Até inevitavelmente morrer alguém.  E as balas que seguirão não serão de borracha – e ninguém pode prever o que acontecerá.

O total colapso institucional está próximo, e só não vê quem não quer.  Talvez seja agora, talvez seja quando apresentada a futura “reforma trabalhista” que o mercado quer acelerar a qualquer custo.  A tentativa de “ajuste gradual” está rejeitada pelo mercado que redobrou a aposta num “ajuste rápido, intenso e curto”.  O problema é que tal ajuste poderá ser rápido e intenso, mas nada nos garante que será CURTO, muito pelo contrário.

Revoluções são uma coisa muito bonita – nos livros de história.  Eu não gostaria de viver uma, até porque em geral muita gente acaba morrendo.  E não existe botão de “reset” da institucionalidade.

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

14 Comentários

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  1. Dividir para governar

    Jogar os mais velhos contra os mais novos, ao dizer aos aposentados que, para que eles continuem a receber suas aposentadorias, a reforma tem que passar;

    Jogar os militares (os policiais e os propriamente ditos) contra os civis, ao dizer-lhes que somente os seus direitos são legítimos (e intocáveis);

    Jogar a classe média contra os desfavorecidos, ao demonizar (por meio da mídia) os programas sociais.

    A estratégia da divisão social é clara.

    A nossa contra-estratégia tem que passar por algum discurso de unificação, que busque transcender, em alguma medida, o velho binômio direita-esquerda.

    Manter o discurso “clássico” da esquerda só vai contribuir para acelerar a conflagração.

    Precisamos de um novo discurso que, sem perder a perspectiva maior da universalização da cidadania, consiga falar aos corações e às mentes dos segmentos de classe média que se encontram cooptados pelo discurso reacionário.

    Precisamos de alguma nova utopia, que, se não puder ser de esquerda no conteúdo, que seja de esquerda na forma. Precisamos de alguma nova forma de participação democrática, universalizante, que consiga abrigar posições ideológicas (conteúdos) diversificadas – auto-excluído (obviamente) o fascismo devido à sua própria natureza negadora do outro. Uma forma que seja unificadora na afirmação e no avanço da cidadania em oposição à continuidade da dominação histórica. Ou seja, precisamos de engenhosidade para repaginar o velho binômio direita-esquerda (que não unifica) num binômio dominação-cidadania (que pode sim unificar, na medida em que as classes médias se deem conta que também são dominadas, e desprovidas de verdadeira cidadania).

  2. será um caos

    Não consigo enxergar luz no fim do túnel que não seja a de um trem vindo em direção contrária.

    Os 3 Poderes parecem ter combinado um roteiro para esta impressionante baderna que tomou conta de Brasília, afinal, come explicar uma “reunião telefônica” de MTemer, RCalheiros e CLúcia para arrumar um jeitinho, mais um deles, para reconduzir Renan à presidência do Senado ?

    Sem ele naquele trono, a aprovação desta imunda PEC-55 poderia correr risco, e assim foi criado o artifício maroto para que se pudesse atender o “mercado”.

    Maroto, aliás, é um termo que cai como uma luva para os que compõem esta gangue de corruptos e pilantras que se dizia combatente da corrupção, e por tal motivo tomou de assalto o Poder. 

    Pelo que eu estou percebendo, as pessoas permanecem sempre, embarcando no trololó da Globo, que, de repente, passou a se preocupar com a situação atual e futura de pensionistas e aposentados frente às dificuldades do brasilsil, e o trololó é de lascar, de uma perversidade ímpar. Se a tal situação é tão preocupante como anuncia, por qual motivo os Marinho não gritaram há uns cinco ou dez anos atrás ? A resposta é bem simples, do conhecimento de todos.

    E o montante para pagamento de juros referentes à remuneração da Selic continuará livre, leve e solto ? Não é possível que a sociedade brasileira possa ficar completamente indiferente. Será um caos.   

    1. A capacidade de resignação

      A capacidade de resignação dos Brasileiros é infinita !!!

      Lembre-se que esse povo aceitou bovinamente o arrocho promovido pela ditadura !!!

       

  3. será um caos

    Não consigo enxergar luz no fim do túnel que não seja a de um trem vindo em direção contrária.

    Os 3 Poderes parecem ter combinado um roteiro para esta impressionante baderna que tomou conta de Brasília, afinal, come explicar uma “reunião telefônica” de MTemer, RCalheiros e CLúcia para arrumar um jeitinho, mais um deles, para reconduzir Renan à presidência do Senado ?

    Sem ele naquele trono, a aprovação desta imunda PEC-55 poderia correr risco, e assim foi criado o artifício maroto para que se pudesse atender o “mercado”.

    Maroto, aliás, é um termo que cai como uma luva para os que compõem esta gangue de corruptos e pilantras que se dizia combatente da corrupção, e por tal motivo tomou de assalto o Poder. 

    Pelo que eu estou percebendo, as pessoas permanecem sempre, embarcando no trololó da Globo, que, de repente, passou a se preocupar com a situação atual e futura de pensionistas e aposentados frente às dificuldades do brasilsil, e o trololó é de lascar, de uma perversidade ímpar. Se a tal situação é tão preocupante como anuncia, por qual motivo os Marinho não gritaram há uns cinco ou dez anos atrás ? A resposta é bem simples, do conhecimento de todos.

    E o montante para pagamento de juros referentes à remuneração da Selic continuará livre, leve e solto ? Não é possível que a sociedade brasileira possa ficar completamente indiferente. Será um caos.   

  4. Em 10 anos terá um superávit de 700 bi na previdência

    Com base nas considerações abaixo, pergunto: O que a elite fará com essa fortuna? Quem será o beneficiário desses recursos?

    “É verdade que apareceu certa controvérsia no campo da Economia Política. Alguns economistas (Lauderdale, Malthus, etc) advogam o luxo e condenam a poupança, enquanto outros (Ricardo, Say, etc.), advogam a poupança e condenam o luxo. Mas, os primeiros admitem que desejam luxo a fim de criar trabalho, isto é, poupança absoluta, ao passo que os últimos admitem que advogam a poupança a fim de criar a riqueza, isto é, luxo. Os primeiros têm a idéia romântica de que a avareza não deve determinar por si só o consumo dos ricos, e contradizem suas próprias leis ao representar a prodigalidade como sendo um meio direto de enriquecer; seus opositores, então, demonstram com grande minúcia e convicção, que a prodigalidade diminui ao invés de aumentar minhas posses. O segundo grupo é hipócrita, ao não admitir que são o capricho e a fantasia que determinam a produção. Esquecem-se das “necessidades requintadas”, e que sem consumo não haveria produção. Esquecem-se de que, através da competição, a produção tem de tornar-se sempre mais universal e luxuosa, que é o uso que determina o valor das coisas e que o uso é função da moda. Eles querem que a produção seja limitada a “coisas úteis”, mas esquecem que a produção de um número excessivo de coisas úteis resulta em muitas pessoas inúteis. Ambos os lados esquecem que prodigalidade e parcimônia, luxo e abstinência, riqueza e pobreza, são equivalentes”. Karl Marx

    Se a finalidade da poupança é o luxo, quem luxará com o superávit de 700 bilhões que será gerado dez anos após a reforma da previdência?

  5. post mais lucido

    sobre o que virá e, concordo com o autor, revoluções são bonitas só nos livros de história e  é por isso que já comprei uma arma.

  6. Lembrando que o Modest

    Lembrando que o Modest Proposal, de Jonathan Swift, do qual esse economista parece ser, a posteriori, uma espécie de piada pronta  involuntária, é de 1729.

    Quer dizer, mais de 100 anos depois, ainda havia gente disposta a tratar esse assunto de forma “séria” e “objetiva”, apesar de esse comportamento abjeto dos poderosos em relação aos pobres, ter sido exposto ao ridículo por Swift, de forma arrasadora.

    E o que é pior, ainda hoje a banca privada ainda considera estar fazendo um favor ao desgraçado do assalariado que, por pura falta de instrução e informação, não tem a menor idéia do que seja demanda agregada.

    Ou seja, a prestação cabe no salário? Vou levar!

    Compra um, leva um, e paga dois.

  7. e você acha que ver as

    e você acha que ver as pessoas definhando de fome e/ou de doenças na rua é bonito?

     

    Melhor morrer lutando e levar o maior número de facistas pra cova do que morrer de fome aos poucos 

  8. O fascismo tem como parte de

    O fascismo tem como parte de sua natureza a negação do outro, mas, além disto, o fascismo se fundamenta na necessidade emocional de se sentir superior ao outro.

     

    O contrário disto é a empatia; ao não sentir empatia pelo o outro, trata-se o outro como objeto, como algo a ser manipulado, subjugado e explorado. Isto é visto coletivamente e categorizado como fascismo, mas também ocorre nas relações interpessoais, sendo categorizado como narcisismo. 

     

    O novo binômio é empatia versus narcisismo – esse é o discurso capaz de unificar direita e esquerda, mas, em seu início, vai atrair a fúria de certos tipos de seres humanos dos dois lados do jogo. Isto não duraria muito porque eles são uma minoria e vão esconder suas naturezas humanas assim que perceber isto (são valentões contra os fracos e as minorias, e covardes contra quem é mais forte). 

    Todos os sistemas de dominação até hoje já criados usaram como suporte psicológico a necessidade emocional dos seus dominados de se sentirem superiores ao outro, sendo o outro o negro, a mulher, o gay, o judeu…  qualquer categoria culturalmente determinada que possa ser reconhecida pela massa de manobra como o oposto da imagem que essa massa tem de si. Criar uma imagem de si e se tornar um viciado em admira-la é o processo que funciona tanto no nível coletivo, gerando o fascismo, como no nível individual, gerando o narcisismo e seu entorpecimento intrínseco. 

    As questões são: 

    Se você não consegue se lembrar dos seus erros, como você pode aprender?

    Se você tem a necessidade emocional de se admirar o tempo todo ou de se achar perfeito, como você pode perceber os seus erros?

    Se você não tem capacidade emocional para conceber a possibilidade de estar sendo manipulado, como você vai perceber que está sendo manipulado? 

    Se as pessoas começarem a fazer essas perguntas a si mesmas, pode ser que elas comecem a perceber que o narcisismo cria um estado de semiconsciência que faz com que elas vejam apenas o que querem ver – o narcisismo leva ao domínio das necessidades emocionais sobre a percepção fria e racional da realidade – tornando-as vítimas ideais do Divide et Impera, o que culmina nas situações em que essas pessoas agem contra os próprios interesses apenas pra saciar a necessidade emocional imediata de se sentir superior ao outro. O binômio empatia X narcisismo poderia desarmar esse estado mental semiconsciente através do combate a necessidade emocional de sentir superior ao outro. 

     

     

  9. bom, muito bom!

    Por muito menos os franceses foram para a rua quando da proposta da reforma trabalhista proposta pelo governo Holland – Valls ( do pseudo partido socialista!!!!).

    Por aqui, o pessoal, cria memes, tira sarro, faz piada!

    Se o povo não levantar da cadeira e ir para as ruas ai pagar muito caro!!!!

    O que estão esperando! 

    O que os sindicatos e associações de aposentados estão esperando!!!!

  10. Planejamento

        O grupo atualmente no Poder pode ter varios defeitos, até de carater, mas não são burros a ponto de mexer na previdência das forças de segurança, incluindo as de origem e função civis, no caso especifico as “Forças Federais”. serão sempre preservadas ao maximo possivel.

         Mas no caso de possiveis conflagrações urbanas – que no momento não creio que serão graves – , forças federais não atuariam em um 1o momento, mas as PMs estaduais, que no caso RJ, MG e RS + outros que virão, terão problemas quanto ao recebimento de seus salarios, e gente armada nervosa, sem comida em casa, devendo consignado, pendurada em agiota, tem grande motivação para não acatar ordens, até mesmo rebelar-se, e preservar a futura aposentadoria/pensões das PMs não soluciona o problema atual, afinal eles querem comer hoje.

          Não são poucos, os efetivos das PMs, apenas destes 3 estados, mesmo retirando da conta os oficiais e graduados, ultrapassa em muito,  os efetivos federais (militares ) baseados nestes locais, um bom exemplo é o RJ , que mesmo sendo sede de varias GUs ( grandes unidades ) das FFAA , operacionalmente, estes efetivos não chegam a 10.000 homens, já quanto a famosa “Força Nacional” ela trata-se de uma piada, os efetivos a ela disponiveis são das varias PMs. espalhadas pelo País. 

           No frigir dos ovos, na realidade, as FFAA possuem poucas unidades com possibilidade de operar em conflagrações internas urbanas, a maior parte delas extendidas no eixo Campinas – Litoral de São Paulo – Vale do Paraiba – Sul de Minas Gerais e Rio de Janeiro, outros nucleos em Goiania, Campo Grande, Manaus e entre Salvador e Recife., no Sul um parco efetivo em Santa Maria ( RS ) e sudeste do Paraná.

  11. Excelente Comentário

    Excelente comentário. E é interessante que o autor compartilhe suas observações dentro do que acho que vai ser o epicentro do terremoto: a cidade do Rio de Janeiro.

    O último parágrafo é memorável. Minha mãe viveu toda a sua juventude na Guerra Civil Espanhola e os seus relatos não são nada doces para quem lá viveu.

    Outro li por aí que o Brasil será o novo Egito. Talvez seja ainda pior.

    Abraços a todos.

     

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