Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Gato por lebre. Num país de excelências e excrescências, claro!, por Armando Coelho Neto

Gato por lebre. Num país de excelências e excrescências, claro!

por Armando Rodrigues Coelho Neto

Este texto é de responsabilidade da Associação Artigo 5º – Delegados e Delegadas da Polícia Federal pela Democracia, da qual faço parte.

Em tempos de Lava Jato,  é no mesmo plano do “coaching” que as atividades  de “compliance” surgem como o mais novo fetiche dos meios empresariais. Não basta ser, é preciso parecer limpinho, e fornecer essa imagem pública tem seu preço. Deve ser por isso que tem operador jurídico que sequer espera a aposentadoria ou exoneração para já anunciar publicamente seus futuros serviços na esfera privada. Sem contar o maravilhoso filão das delações premiadas.

No campo estatal, o mercado da moralidade também está aquecido. Muitos convites para palestras, premiações e “em-bi-eis”. Não só, têm-se ainda jantares de gala, diplomas honoris causae, badalações no exterior e até no Principado de Mônaco. Ah, somem-se campanhas publicitárias, “runnings” contra a corrupção, como o de Fortaleza, onde até os cones de rua foram roubados (furtados).

Esse perfil medíocre é enriquecido com abaixo-assinados, petições eletrônicas, vídeos de agentes públicos para canais do YouTube ou feitos para viralizarem no WhatsApp ou Facebook. Dez medidas contra a corrupção. Greves de fome (mesmo fakes). Anuncia-se que policiais federais estão montando, com seus candidatos a cargos eletivos, uma “bancada da lava-jato”, sob o slogan “o brasileiro tem sede se mudança”. Até o “japonês da federal” escreveu um livro de memórias. Timing é tudo!

Diante de tanta ênfase na defesa da ética, vendida como bem de consumo, cumpre indagar: estarão os fornecedores realmente entregando o produto ofertado? Um país melhor, mais desenvolvido, mais justo, menos desigual, mais honesto?

Não é de hoje que a deficiente organização da Sociedade Civil é usada como justificação para salvacionismos. Foi para derrotar a “ameaça subversiva” que os militares deram o golpe de Estado em 1964, acabando com as liberdades, eliminando oponentes e instituindo uma sangrenta ditadura. Para “caçar marajás”, Collor inaugurou uma sequência de governos neoliberais e privatizantes. Movimentos com um objeto, em tese, nobre – cuja concretização, contudo, serviu para garantir bons negócios e favorecer grupos minoritários em detrimento da maioria da população brasileira.

É, infelizmente, o que ocorre nessa cruzada contra a corrupção com ares sacrais. Mas a realidade é diferente. É a velha empulhação do povo brasileiro, manejada pelo conservadorismo para  manter o status quo, e não por acaso apoiado pela grande mídia, sócia habitual dessas “joint ventures”.

A primeira questão é que corrupção não é causa, mas consequência. Ninguém que leve a sério o combate à corrupção pode ignorar essa verdade. O desvio de recursos públicos se desenrola em um ambiente de clientelismo e falta de vigilância popular, que só a ignorância e as carências da coletividade permitem. Em nações desenvolvidas, as populações mais educadas, menos vulneráveis a escassez, adquirem uma consciência mais ampla de sua própria cidadania, e se portam com mais vigor na proteção daquilo que, sendo público, pertence a todos, e não a alguns.

Fato conexo, mas não menos importante, é que não existe procuração para o exercício popular da cidadania. Ou ela é exercida pelo povo, ou temos um povo tutelado. No último caso, nossos (pro)curadores, tomando a si a tarefa de vigilância popular, precisam estar em um plano inumano de ética e retidão. Infelizmente, não é o que se vê no que se convencionou denominar a “juristocracia” brasileira. Não se pode reconhecer, em nossos “juristocratas”, nenhuma autoridade em matéria moral, tantos são os exemplos de privilégios, compadrios com escritórios de advocacia, impunidade a colegas, tráfico de influência, auto concessão de benefícios, auxílios e mordomias, alguns deles instituídos a margem da lei.

Mas a coisa vai além. Uma casta de homens probos, investidos de uma missão moralizante, jamais andaria de braços dados com grandes grupos de comunicação de massa do Brasil. Não apenas para não correr o risco de se parcializar, como também para evitar que as famílias que controlam esses meios se valessem da espetacularização do processo penal para perseguir os representantes políticos de ideias e projetos contrários aos objetivos dos grupos de interesse que financiam a própria mídia. 

Para que pudéssemos acreditar  nas boas intenções de nossos cavaleiros templários, teríamos que perceber um mínima atenção para com a manutenção da empregabilidade da população, pois os trabalhadores e as economias nacionais dos países em desenvolvimento não podem nem merecem ser, simplesmente, massacrados. Mas é só ver o que aconteceu aos direitos trabalhistas e à engenharia nacional para constatar que tal cuidado não houve.

Também seria necessário verificar se há reciprocidade no intercâmbio de informações penais sob a forma de cooperação jurídica internacional, pois não é justo que comportamentos de corruptores estrangeiros sejam tratados de uma forma menos drástica nos países desenvolvidos, enquanto nos países em desenvolvimento impliquem até mesmo desnacionalização da sede e dos ativos de nossas maiores empresas.

Sopesadas tais diretrizes, é forçoso reconhecer que o povo brasileiro está sendo ludibriado. Estão se valendo do combate à corrupção, como bandeira, para usurpar do povo brasileiro o poder de decidir o seu destino. Enquanto a maior liderança popular da América Latina se encontra na condição de preso político (por força de uma simulação de julgamento que já representa um fiasco aos olhos do mundo), nossos ativos estão sendo doados. O petróleo e o gás natural  contidos na camada de pré-sal foi repassado a petrolíferas estrangeiras. A Embraer foi incorporada pela Boeing. Projetos importantes para a defesa da soberania nacional, como o submarino nuclear, foram praticamente descontinuados. Os orçamentos da educação, pesquisa científica e saúde foram reduzidos, enquanto vultosos favores tributários foram concedidos a quem mais tem e mais sonega.

O processo político está interrompido e sequestrado, via mídia, pela judicialização da esfera pública. No lugar de milhões de cidadãos e eleitores debatendo e deliberando  sobre os problemas e desafios reais, o debate público foi restringido a julgamentos morais, seletivamente pinçados pela mídia ou falsamente polêmicas os nas redes sociais. 

Como decorrência da desesperança com nosso futuro, os brasileiros estão saindo aos milhares para viver em outros países. O melhor de nossa juventude, nossos pesquisadores, artistas, intelectuais e empreendedores migrando. Os indicadores de confiança na economia e na empregabilidade em vertiginosa queda. A capacidade de investimento público exaurida pelo rentismo. Como se vê, a vida do povo não parece tão promissora e bem sucedida, na comparação com o êxito pleno do mercado de “compliance” e derivativos da moralidade “juristocrática”. 

Os manifestoches desfilando na avenida no carnaval carioca, conquanto paródia bem humorada de nosso passado recente, omitem uma trágico vaticínio. No Brasil, país das excelências, excrescências e aparências, a farsa se repete como História. Mais uma vez, estão nos vendendo gato por lebre.

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

6 Comentários

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  1. 40 ANOS DE REDEMOCRACIA. 30 ANOS DE CONSTITUIÇÃO CIDADÃ

    Quase 1 Século de Legislação e Estado Fascista. Então estas são as Leis, Justiça, Poder Judiciário e Estado que serviam para NÓS. Mas não servem para VOCÊS. ABERRAÇÃO 2018. Repeteco de 1964. O Brasil de muito fácil explicação. 

  2. Fantástica a matéria, e mais

    Fantástica a matéria, e mais fico satisfeita por ver que parte de uma ala da PF. PF que a gente sempre presou e respeitou, hoje está submetida a uma justiça imoral, e por isso alguns agentes e delegados também estarem a ser visto com alguma desconfiança.

    O caso do Japonês da Federal foi, a meu ver, muito prejudicial à imagem da PF, sobretudo por esse homem ter se colcado, ao lado de Moro, como um probo, um defensor da moral, encarregado de prender, debaixo de holofotes, qualquer um que Moro mandasse. De repente, decobre-se ser ele um ajudante de bandido, irresponsavelmente abrindo a Fronteira do Brasil com o Pargauai para a entrada de armas, e sabe lá mais o que fez esse canalha. Apareceu em seguida no lançamento do livro de Moro, com uma tornozeleira nos pés, pra Inglês ver, e, por fim, se aposetnou com salário integral, está vivendo “de boa”, rindo da nossa cara, e até vai lançar um livro, sem contar, é claro, que ele é um bandido.

    Claro está que quem mais tem pago, e há de pagar a duras penas, toda essa desordem será o povão, ou aquele que não tem nem nunca teve voz. A falta de estudo, quase que imposta pelos polítios locais, em todo o Brasil, é um fato dos mais antigos, porque é deles que vivem as oligarquias brasileiras, incurustadas nos diversos municípios da Federação. Todos ainda contentes se recebrem um agrado dos malandros em tempos de eleição. Embora muitos jovens digam que terminaram o segundo grau nas escolas, a maioria pode ser comparada a quem estudou o segundo ano do Primário nos anos 50 ou 60, quando a escola pública servia a muitos que hoje são doutores. 

    Tudo que um dia algum político pretendeu fazer pela educação, por mais importante que fosse seu programa, já em prática, não se sustentou. Citaria aqui Djalma Maranhão, que em Natal fora preso e depois exilado no Uruguai, de onde saiu morto de desgosto. Jamais outro prefeito foi capaz de tirar meninos das ruas para lhes oferecer os meios de estudar. Foi preso por isso, como um comunista, denunciado por ninguém menos que Aloísio Alves, que, por sinal, depois também foi cassado. Outro político que investiu o que não podia na educação, foi Brizola no Rio de Janeiro. Pra que tanto sacrifício, se os CIEPs em pleno funcionamento foram desconstruídos por Moreira Franco. 

    Eu vejo a decadência do Brasil, e sei da quantidade de brasileiros que está topando qualquer coisa pra morarem noutros países. Isso deveria ser vergonha para as autoridades, como Gilmar, que há pouco foi escrachado em Porugal por um brasileiro, que disse-lhe exatamente porque saíra do Brasil, a título de humilhá-lo, enquanto ele corria adiante para se livrar das acusações.

    Por fim, nada mais nos resta? O que fazer?

  3. Nos tempos de ditadura e

    Nos tempos de ditadura e censura, a estratégia para entender o país era ler nas entrelinhas os jornais locais, ler  jornais de fora, os alternativos como Opinião, Coojornal e a literatura latino americana. Em tempo da idade mídia, com suas fake news e pós-verdades, mesmo tendo lido a literatura sociológica e econômica da globalização e seus efeitos, vejo as séries coreanas, que apesar de ser parte do processo global, conseguem dar alguma possibilidade de leitura e compreensão mais humana para nossa vida ordinária (de homens e mulheres comuns, sem poderes, terceirizados até nos seus valores), Não temos na AL a ,mesma possibilidade de analisar os efeitos em nossas vidas o que foi, por exemplo, a experiência do Chile. Sabendo que os tigres asiáticos cresceram em seus negócios após as Olimpiadas em Seul na década de 80 na Coréia, podemos perceber o que os ajustes e o império do Mercado  naquele pais fizeram dele um dos maiores laboratórios do neoliberalismo. Corrupção, delações, judiciário, corporações  com quedas e ascenções planejadas, terceirização e precarização em todos os níveis da vida humana estão ali. Até para ingês  ver e entender. Cada leitor com sua bagagem e possibilidades pode ter uma visão crítica e ampliada do que acontece agora com o resto do mundo.

  4. Um olhar de aspiração humana sobre um assunto tão complexo. …

    Muito se fala, pouco se diz, na maioria dos casos/matérias jornalísticas(os)… Parabéns pelo textos primorosos que sempre nos trouxe. Esse foi arrebatador. A prova de que civismo existe, proveniente de um olhar de quem veio de dentro da máquina pública e que pode nos dar um pouco de luz e sanidade mental. Algo que possamos entender esse lé com cré cheio de meandros.

  5. Gato por lebre

    Na época do julgamento do mensalão Gilmar Mendes, quem mais?, disse que os progressistas no Brasil cabem todos numa kombi. Não deixa de ter certo humor e dizer em alta voz o que pensa todo mundo, seu Gilmar. Com uma população docil e facilmente manipulavel, caros delegadas e delegados pela democracia, esta o Pais caindo nesse buraco que, por vez, parece não ter fim.

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