Governos gastaram com juros cinco vezes mais do que investiram em 2021, por Lauro Veiga Filho

O investimento nas três esferas de governo ficou R$ 30,903 bilhões abaixo do que seria necessário apenas para manter os ativos atualizados

Governos gastaram com juros cinco vezes mais do que investiram em 2021

por Lauro Veiga Filho

A despesa bruta de todo o setor público com juros aumentou nada menos do que 38,94% no ano passado, saltando de R$ 433,894 bilhões um ano antes para R$ 602,867 bilhões, segundo estimativas divulgadas nesta semana pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), confirmando a opção preferencial do ministro dos mercados e sua equipe pelos muito ricos. Comparado ao total de riquezas geradas pelo País naqueles dois anos, medido pelo Produto Interno Bruto (PIB), o gasto com juros avançou de 5,81% para 6,95% – um nível historicamente baixo para os padrões brasileiros, muito próximo dos quase 7,0% registrados em 2010, mas elevado o suficiente para causar distorções significativas na acumulação de renda e em sua distribuição, favorecendo a minoria rentista do País.

O teto de gastos, que congelou as despesas em termos reais por duas décadas, numa insanidade macroeconômica, e o consequente achatamento de despesas para gerar “sobras” de recursos única e exclusivamente para pagar juros geram irracionalidades em cascata sobre a gestão fiscal, quer dizer, sobre como o governo decide gastar os recursos que arrecada. Uma delas está justamente no arrocho aplicado aos investimentos do setor público e, mais especialmente, na área federal. Entre outras conclusões, os dados da STN mostram que o governo geral (União, Estados e municípios) gasta muito mais com juros do que em investimentos que poderiam injetar algum ânimo na atividade econômica, ajudando a economia a engrenar uma fase de crescimento mais sustentável e de maior fôlego.

O investimento bruto de todo o setor público, sem descontar a depreciação de máquinas, equipamentos, obras, instalações e edifícios, entre outros ativos fixos em poder do setor público, encolheu de 1,42% do PIB em 2020 para 1,28% no ano passado. O governo central reduziu os investimentos de 0,56% para 0,42% do PIB nos dois últimos anos, o nível mais baixo da série da STN, iniciada em 2008, e respondeu quase integralmente pela queda registrada para todo o setor público brasileiro. As estatísticas da STN informam uma retração de 21,35% em termos reais, ou seja, depois de descontada a inflação, com o investimento do governo central encolhendo de R$ 47,492 bilhões para R$ 37,352 bilhões.

Prioridade invertida

Em valores nominais, o investimento do governo geral chegou a apresentar variação em torno de 4,8% – o que não foi suficiente sequer para repor o efeito da inflação, que acumulou alta de 10,06% em 2021, sugerindo um retrocesso de 3,2% a valores atualizados até dezembro do ano passado. Em números não corrigidos, os números da STN indicam um investimento total muito próximo de R$ 111,1 bilhões no ano passado, frente a R$ 106,04 bilhões em 2020. Os governos gastaram com juros 5,4 vezes mais do que investiram no ano passado, reafirmando uma inversão total de prioridades na execução orçamentária. Em 2020, os juros consumiram 4,08 vezes mais recursos do que o investimento público. Essa relação atingiu níveis históricos em 2017, com a despesa com juros superando o investimento em 8,1 vezes. Para comparar, em 2010, os juros receberam 2,5 vezes mais recursos do que o investimento.

Diante de um encolhimento radical, o investimento público não tem conseguido sequer compensar o desgaste sofrido pelos ativos acumulados pelos governos ao longo do tempo. “Desde 2016, o investimento líquido do governo geral está em terreno negativo, indicando que o fluxo de novos investimentos realizados pela administração pública brasileira não está sendo suficiente para cobrir a depreciação do estoque pré-existente”, analisa o economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

O chamado “investimento líquido”, descontado o valor da depreciação daqueles ativos (que incluem prédios públicos, máquinas e equipamentos, computadores, instalações, rodovias, pontes, viadutos e outros), ficou negativo em algo como 0,4% do PIB no ano passado, diante de 0,2% em 2020 (também negativo). Em 2010, o investimento líquido havia sido positivo, alcançando 1,5% do PIB.

O investimento nas três esferas de governo ficou R$ 30,903 bilhões abaixo do que seria necessário apenas para manter os ativos atualizados, compensando seu desgaste ao longo dos anos. Esse dado foi nada menos do que 95,34% maior na comparação com 2020, quando o investimento realizado havia sido R$ 15,820 bilhões mais baixo do que o valor necessário para compensar a depreciação.

Desinvestimento

Em outros termos, os governos têm “desinvestido” nos últimos seis anos, ou seja, desde 2016, gerando problemas graves como a má qualidade de rodovias e obras de engenharia pesada, baixa qualidade ainda dos equipamentos públicos, como postos de saúde e escolas, por exemplo, o que penaliza precisamente o lado mais fragilizado da população, os mais pobres e miseráveis.

Apenas para retomar os níveis de 2010, o investimento líquido teria que ser R$ 161,1 bilhões mais elevado, atingindo R$ 130,2 bilhões no ano passado, depois de descontado o valor “desinvestido” (aqueles R$ 30,903 bilhões negativos). Em termos brutos, para replicar a mesma relação frente ao PIB registrada em 2010, o investimento bruto teria que ser pouco mais de duas vezes mais alto, aproximando-se de R$ 241,30 bilhões.

“Em particular”, retoma Borges, “é importante notar que a depreciação anual do estoque de capital referente ao governo central está correndo hoje em torno de R$ 45 bilhões anuais”. Na sua visão, “esse valor deveria ser acrescido às estimativas de vários analistas sobre qual seria o nível mínimo de despesas discricionárias necessário para evitar um shutdown (colapso) da administração pública federal”, considerando que aquelas estimativas têm oscilado entre R$ 70,0 bilhões e R$ 100,0 bilhões. Em consequência, para evitar uma paralisia geral do serviço público, as administrações federal, estaduais e municipais deveriam destinar no mínimo entre R$ 115,0 bilhões e R$ 145,0 bilhões, em valores aproximados.

Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

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