Militares e o desgoverno Temer, por Jorge Folena

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Militares e o desgoverno Temer

por Jorge Rubem Folena de Oliveira

No dia 21 de novembro de 2016, o professor Lincoln Penna (aposentado do departamento de história da UFRJ e atual presidente do Modecon) lançou, na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro, o seu belíssimo livro “República e insurgências: lutas de classes na cidade e no campo”, pela editora Autografia.

Logo na introdução do livro o professor Lincoln fala da importância do conceito de “lutas de classes” (“lutas” no plural, como no Manifesto de Marx e Engels) para demonstrar os constantes embates e insurgências “que se processam no cotidiano de nossas vidas”, em suas múltiplas manifestações, como expressa o filósofo italiano Domenico Losurdo, referencial teórico inicial da obra.

Como exemplo de movimento de lutas de classes, e, portanto, de insurgência social, Lincoln Penna apresenta a proclamação da República no Brasil, frente ao que representava diante da monarquia, “até porque o movimento republicano foi plural, ou seja, abarcou diferentes concepções políticas e doutrinárias.”

Nesse processo plural, a República brasileira foi fundada com forte influência das “camadas médias urbanas”, incorporadas por forças militares, particularmente do Exército brasileiro.

Sendo assim, ao tratar da proclamação do regime republicano no Brasil, o livro aponta para a importância do estamento militar na defesa dos interesses da soberania nacional e do povo brasileiro (com exceção do golpe de 1964), como assim registra o autor:

“Os vários exemplos de participação das Forças Armadas na República alteraram posições que nem sempre estiveram ajustadas aos interesses dominantes, seja pelo recrutamento junto a camadas sociais intermediárias e até subalternas, ou pela convicção de uma inserção autonomista em defesa das riquezas de solo e subsolo nacionais.

Coladas aos movimentos cívicos e patrióticos, só deles se descolou quando a correlação de forças  apontou para formas dominantemente antipopulares, como no golpe de 1964.

Todavia, os militares cujo passado combinou com sabedoria o ímpeto insurgente com a força da tradição ordeira em nome do regime republicano, que abraçou com convicção, desempenham hoje um papel importante na defesa da soberania nacional e popular. Suas principais lideranças são reverenciadas não apenas pelos exemplos de bravura, mas muito especialmente pelo fato de terem assumido a tarefa que mais os satisfaz: de serem os bastiões da independência nacional e a garantia das liberdades e do progresso social.” (páginas 37-38)

Ocorre, porém, que existe um claro descompasso entre a tradição militar brasileira acima apontada no livro do professor Lincoln  e o desgoverno Temer. 

Isto porque no último dia 23 de novembro de 2016, durante o seminário “Defesa: política de estado, soberania, desenvolvimento e inovação tecnológica”, realizado na Câmara dos Deputados, o ministro da defesa defendeu perante diversos militares das três forças que a base de lançamento de mísseis de Alcântara, no Maranhão, deveria ser disponibilizada comercialmente para utilização por outros países, particularmente os Estados Unidos da América do Norte.

Em 29/11/2016 (terça-feira), o vice, que se encontra no exercício da presidência, utilizou as instalações do Palácio do Planalto para festejar a sanção da lei que entrega o Pré-sal para a exploração estrangeira, em total afronto à soberania nacional; como se não bastasse, o vice-presidente ainda debochou do povo brasileiro, ao afirmar que tal “flexibilização” (privatização do petróleo) gerará muitos empregos para os brasileiros, o mesmo que foi dito à época de FHC, quando da aprovação da lei do petróleo (9.478/97).

Na noite do mesmo dia 29, o Senado Federal aprovou, em primeiro turno de votação, a proposta de emenda constitucional apresentada pelo desgoverno, que tem por objetivo congelar os investimentos públicos por 20 anos; o que poderá representar o fim do estado brasileiro e atinge diretamente o desenvolvimento em ciência e tecnologia, tão necessários à defesa do país contra possíveis ameaças estrangeiras.

Qualquer pessoa de razoável inteligência sabe que este desgoverno, que trabalha nitidamente contra o Brasil e sua gente, mediante a imposição de um dos mais duros ataques aos direitos sociais da História do Brasil, por meio das PEC(s) 241/55 e outros ajustes fiscais, conta com a sustentação das forças militares, contrariando a sua própria tradição histórica e pondo em risco a manutenção dos seus projetos de renovação, que tinham o desenvolvimento tecnológico como garantia da soberania e independência do país.

A cada dia torna-se mais nítida a possibilidade de os militares estarem atuando como em 1964, pois nas gravações das conversas entre Sérgio Machado e o senador Romero Jucá (ex-ministro e atual líder do desgoverno no Senado), trazidas a público pela Folha de São Paulo em maio de 2016, foi revelado por Jucá  que ele estava “conversando com os generais, comandantes militares”. Na referida gravação Jucá afirmou: “Está tudo tranquilo.”

Ao contrário do afirmado por Jucá, a situação do país não está tranquila sob nenhum aspecto, pois temos assistido ao desmonte das principais empresas brasileiras, tanto públicas quanto privadas, em um processo de destruição da economia do país, que se depara a cada dia com mais desemprego e empobrecimento da população e diante da possibilidade de apropriação de nossas riquezas por empresas e países estrangeiros.

Nos últimos seis meses o país retrocedeu 14 anos e foram jogadas no lixo todas as conquistas políticas, institucionais e sociais alcançadas no período.
Em consequência, neste curto período descemos da sexta para a nona posição na economia mundial, deixamos de ser uma nação respeitada pela comunidade internacional e retornamos ao posto de mero peão no cenário geopolítico atual.

Na origem desse processo de desconstrução, nos deparamos, tanto agora quanto no passado, com os interesses de  oligarquias regionais, habituadas a utilizar o patrimônio público em benefício de seus interesses privados. Como exemplo mais recente temos o episódio que culminou na renúncia do ministro da cultura e que teve a participação direta do atual ocupante da chefia do desgoverno, que interferiu em favor de interesses particulares, sob a alegação de mediação de conflito entre órgãos, mas cuja única finalidade era aprovar a construção de empreendimento imobiliário privado.

Diante de tudo isto, acreditamos que é chegada a hora de se recordar o exemplo do Marechal Floriano Peixoto (destacado na obra do Prof. Lincoln Penna), que defendeu a soberania do Brasil e lutou contra as oligarquias entreguistas (como as atuais) para estabelecer a república no Brasil, na esperança de que “ela pudesse dar vazão às expectativas de uma sociedade cansada das velhas práticas políticas exclusivistas e, portanto, excludentes.”

Qualquer semelhança não é mera coincidência, e, por isto, é necessária uma ação imediata para o restabelecimento da democracia no Brasil, violada com o golpe perpetrado contra o governo legítimo de Dilma Rousseff, que nenhum delito cometeu que justificasse seu impedimento político; ao contrário do que se verifica todos os dias pela  divulgação das condutas do chefe do desgoverno, seus assessores diretos e aliados no parlamento.

Jorge Rubem Folena de Oliveira – Advogado e cientista político

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

20 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    1. O golpe

      Respondendo a pergunta proposta por Carlos Henrique se for para impedir as doações na área do petróleo, a PEC 55, medidas provisórias no setor da educação, eliminação da CLT, colocar os juros da SELIC em patamares saudáveis para a retomada do crescimento, trazer a constituição de volta, sei lá, um déspota esclarecido, valeria a pena.

      Não existe tal pessoa, a realidade é feita por estruturas de poder e a classe trabalhadora permanece alheia e frágil a essa disputa. Ainda serão necessários alguns anos para o retorno às condições anteriores à eleição de 2014. Aprendizado que vai se esvair como ocorreu com aquele de 1964. As forças armadas sempre defenderam determinada classe social, não vai ser agora que mudarão. O nacionalismo é subordinado a uma defesa de classe. A Pátria pode se submeter a interesses diversos, mas o “comunismo” não prosperará.

  1. Os militares

    Há muita coisa a se falar, se pensar ,defender e atacar porém há uma que não dá para ficar quieto e calado: Como pode uma corporação  como as Forças Armadas  se submeter a uma quadrilha que comanda nesse momento o Brasil? Sem dizer um pio, sem tomar uma posição até  para tranquilizar o país? 

  2. Forças Armadas

    Forças Armadas como depositário da República é coisa que NÃO existe.

    O que de fato há é uma cadeia de comando fortemente estabelecida, como deve ser.

    Então as tais F.A. farão o que o seu comando maior determinar. 

    Temo que o PLIMPIG tenha conquistado as cabeças e corações destas pessoas.

    Mesmo vendo a soberania nacional (Présal, Petrobrás, Empresas de Engenharia, Conquistas Sociais, etc.) esvaindo para o ralo, “periga!” esses Oficiais adotarem o discurso do plimplim…………….- Mais vinte anos de atraso!

  3. A República e os militares

    Alguns militares, os do golpe republicano e seus equivalentes futuros, certamente fariam Caxias corar de vergonha.

    O regime monárquico foi golpeado por um grupo de fanáticos positivistas e de militares, que não honraram o juramento feito de defender o Império do Brazil. A adoção da primeira bandeira republicana foi um “cartão de visitas” do que estava por vir: uma imitação ridícula da bandeira estadunidense, com suas cores trocadas pelo verde e amarelo.

    Parece que, a partir daí e até os dias de hoje, o estamento militar se apossou do Poder Moderador, constitucionalmente exercido pelo Imperador, para transformá-lo em um fantasma que está sempre a assombrar a legalidade no Brasil. 

    Descartado o enfermo Marechal Deodoro, um “inocente útil”, Floriano assumiu e golpeou a jovem constituição, não realizando a  eleição nela prevista, tomando e exercendo o poder ditatorialmente. A repressão e as execuções sumárias de seu governo foram tais que não seria exagero rotulá-las de crimes contra a humanidade. 

    Estava inaugurada a nefasta República Velha, que deixou a Nação-Continente sob o comando de oligofrênicas oligarquías estaduais, lideradas pela pior de todas (até hoje!) a de São Paulo. O primeiro presidente civil determinou a execução da chacina       de Canudos.

    Foi necessário um personagem como Getúlio Vargas para desalojar a República das eleições fraudadas a “bico de pena”. Voltando posteriormente, dessa vez ungido pelas urnas, o ditador que havia entronizado o país na modernidade foi levado à morte, pela República do Galeão e pelo Corvo.

    Em um raro uso feliz do “Poder Moderador” o digno Marechal Lott restaura a Constituição para garantir a posse de JK.

    Defenestrado o fracassado JQ, setores reacionários e ffaa, já possuídas pelo espírito da guerra fria, impõem o parlamentarismo a João Goulart. Ouvido, o povo sabiamente repele o sistema de governo imposto e restaura os poderes de Jango. Tímidas iniciatívas de reduzir a desiqualdade social provocam a formação do conglomerado militares/empresários/mídia que dá início a era da “Revolução Gloriosa” (não é golpe, diziam, inclusive o STF e a OAB).

    A manipulação da dita “ameaça vermelha” traz um estranho efeito, que perdura até hoje. Ao se comprometerem com a defesa da soberania nacional, nossos militares passaram a introduzir, por conta própria, uma ressalva: “exceto quanto aos EUA”.

    E, assim, chegamos aos dias de hoje…

     

  4. Alguma vez no passado desse

    Alguma vez no passado desse desafortunado povo, as “forças armadas” se posicionaram em favor desse mesmo povo?

    Para mim, as “forças armadas” nao passam de uma Empresa de Segurança dessa “elite” lavadora de latrina em Miami.

  5. Não tenho nenhum respeito e

    Não tenho nenhum respeito e admiração palas FFAA atualmente

    Alto comando das FFAA que se reportam ao Raul Jungmam e bate continência para o Temer não merece o meu respeito.

    Aliás, não merece o respeito do povo brasileiros.

    Que se dane prá lá, que virem força auxilar do exercito americano.

    Tomara  que um gal. gringo venha prá cá para comandar essa tropa subserviente.

    As instituições estão funcionando é o cacete !!

  6. É preciso lembrar que

    É preciso lembrar que Floriano Peixoto evitou o retrocesso, o retorno ao sistema monárquico e fez isso a bala. Coisa que a covarde da Dilma Roussef, votei nela duas vezes, não teve coragem de fazer.

    1. coragem

      “Coisa que a covarde da Dilma Roussef”

      Então, sr/a. coragem,

      pegue o seu estilingue vá à Brasília e resolva a coisa na pedrada!

      Contamos com o seu pátriótico heroismo!

      1. Dilma como Floriano tinha os

        Dilma como Floriano tinha os poderes inerentes ao cargo de presidente da República, pra fazer o que ele fez, quanto a mim: 1 – Em 1982 comecei colando cartazes a noite contra o regime e corria da polícia, sendo que alguns que colacavam comigo chegaram a ser presos e fichados, vacilaram na hora de dar no pé.

        2 – De camburão por fazer campanhas pra Lula quando ele começou e detenção por causa disso umas duas vezes.

        3 – Tivesse no lugar de Dilma pode ter certeza que teria feito o que fez Floriano no Brasil e Erdogan na Turquia, cadeia pra alguns e cemitério pra outros.

        Satisfeito Dr?

        1. covarde

          A “covarde” da Dilma foi presa, e enfrentou os generais. Não vejo covardia nessa pessoa.

          Diferente disso é enfrentar uma traição do vice que coabitava sua casa. Traição pensada no exterior, comprada com dinheiro, vendida por gente que estava na bica para ser presa, ladrões de plantão e apoiada por legião de midiotas tangidos pelo PLIMPIG. Qual é a direção que será seguida pelo comando das Forças Armadas, dado a situação atual, conheceremos logo.

          Tenho para mim que ela tentou honestamente concluir o mandato conquistado nas urnas. Se imolar na fogueira açulada pela  “propaganda” seria heroismo inútil.

          -“Satisfeito Dr?” – Nem satisfeito e nem doutor.

  7. Vivandeiras? Vocês por aqui?

    “Intervenção militar constitucional”?

    Se, a cada crise política formos recorrer aos militares, nunca amadureceremos e sempre os teremos acima do bem e do mal; acima da lei; acima da constituição.

    Que fiquem pianinho onde estão. Não precisamos deles para nada. Talvez, infelizmente, nem mesmo para a defesa do país estejam preparados.

    Certa esquerda não se distingue muito de certa direita.

  8. Como confiar nas FFAAs vendo

    Como confiar nas FFAAs vendo um Tenente-Coronel do Exército que passa o dia no Facebook compartilhando coisas do “Antagosnista” e afins?

    Como confiar nas FFAAS vendo um Tenente do Corpo de Engenheiros da Aeronáutica que acredita no MBL?

    Como confiar nas FFAAs vendo um Tenente do Exército feliz da vida por tirar foto ao lado do filho do Bolsonaro?

    Como confiar nas FFAAs vendo um Tenente-Coronel da Polícia do Exército que compartilha vídeo vendendo que Cuba era uma potência mundial antes de Fidel Castro?

  9. Escolhas

    Há dois rumos para as FFAA: o intelectual, voltado para a modernização, desenvolvimento tecnológico e soberania. O outro, truculento, é restrito ao ideário tacanho do Clube Militar.

  10. Militares???

    O silêncio das autoridades militares, mais do que suspeitos, são também coniventes, a nossa democracia foi estuprada, a nossa constituição foi violentada, os direitos do cidadão foram e estão sendo terroristamente espezinhados, o estado democrático de direito foi para a lixeira e continua indo e, por onde andam esses senhores que dizem que a proposta da instituição que representam é exatamente  a de defender a soberania do país, o estado democrático de direito, a democracia, a constituição e  a  liberdade  do cidadão. Senhores militares, o vosso silêncio e falta de atitude tem cheiro  evidente de 64, a vossa  omissão é uma vergonha,e leva a sociedade  a pensar que mais uma vez os senhores se aliaram aos GOLPISTAS. 

  11. Há uma contínua destruição das instituições.

    Aventar a possibilidade de ação de militares é mais um passo no suicidio de nossas instituições. Toda vez que uma instituição descumpre com sua função, e se arvora a ditar as regras para um país, utilizando os intrumentos que lhes foram dados para outra missão, ela se destroi. O golpe de 64, não foi apenas militar, mas quando se tornou militar, teve consequências terriveis para Instituição e para o país . Até hoje as forças armadas pagam por esta violação de suas próprias funções. Hoje vemos um judiciário se encaminhando para isto. Liderados por procurador messiânico, ele quer transformar o judiciário num legislativo ou mesmo num executivo. Uma outra liderança deste judiciário, acredita que também é polícia, mas sobretudo acreditam que podem dirigir o país em função de seus próprios objetivos. Em nome do cargo no Judiciário , delatam, assassinam reputações, prendem e torturam, pois não há outra palavra para prisões preventivas perpétuas.

    Acabamos de ver a destruição do legislativo, que na ânsia de se tornar executivo, muda uma constituição para controlar o orçamento e a administração do país.  Em todos os momentos da história todos disseram que o faziam pelo bem do país.

    E com este discurso estes grupos não homogêneos, são tomados por um espírito de corpo e passam a se defender como se fossem um. E quando esta pretensa unidade é formada, colocam o país e toda uma instituição  em perigo. Quantos juízes concordam com as arbitrariedades de Moro, quantos procuradores, concordam com as manipulações de Janot e os desvarios de Dallagnol?  Será que vão assumir bandeiras que não são deles? Todos seguirão como carneirinhos os desvarios, arbítrios e loucuras?

     Pois aos juízes eu aviso, a briga em que, por omissão, foram jogados por aquele procurador messiânico, os levou a um conflito  terrível com aqueles que por omissão deixaram Cunha e seu centrão tomarem a liderança do legislativo. E aqueles que  por ambição deixaram Temer  e amigos tomar conta do executivo.

    1. Lucido

      O problema da Constituição é de JUNTA!

      Junta e joga no lixo pq acabou! Virou casa da mãe joana mesmo!

       

      O mundo mudou e como defender as Empresas nacionais SE não existe empresa nacional? O problema e conceitual…

      EStá tudo errado!

      Não é mais caso de remendo. Tem que fazer outra do ZERO e fazer com pessoas que abram mão de seus direitos políticos após sua promulgação APENAS para dificultar a ação dos corruptos!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador