Vaza Jato: STF e MPF precisam investigar os fatos, não os jornalistas

O coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD) foi uma das primeiras organizações a se posicionar firmemente contra a transferência do COAF para o Ministério da Justiça, alertando para os riscos da instauração de um estado policial.

Foto Marcelo Camargo / Agência Brasil

Vaza Jato: STF e MPF precisam investigar os fatos, não os jornalistas

por Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)

Desde que o The Intercept Brasil começou a divulgar os bastidores da Operação Lava Jato, a sociedade brasileira acompanha a tudo como se estivesse diante de uma novela. Esperava-se que instituições como o Ministério Público Federal, Conselho Nacional do Ministério Público e STF cumprissem a sua função de determinar a apuração dos fatos noticiados, tendo em vista a sua gravidade. Tendo atuado com grande protagonismo até pouco tempo, as instituições agora quedam-se passivas. Agem da mesma maneira que os demais espectadores indefesos que não tem a quem recorrer, esperando simplesmente a divulgação dos próximos capítulos da novela.

Os agentes públicos citados na divulgação do dossiê Intercept culpam os jornalistas pela divulgação de fatos que indicam a prática de atos  ilícitos. Apelam a teorias conspiratórias para para desviar o foco do essencial. Tudo poderia ser esclarecido se os fatos denunciados fossem investigados conforme a lei. Ministério Público e as diversas esferas do poder judiciário, em especial o STF, detém as prerrogativas legais que lhes permite apurar a verdade dos fatos.  Por que essa repentina falta de iniciativa para órgãos antes tão operantes? Por que o aparente desinteresse na elucidação dos graves fatos trazidos à luz por vários veículos de imprensa? É importante que a sociedade civil reflita sobre a prática das instituições estatais, para cobrar coerência e exigir uma atuação rigorosamente republicana.

A sociedade não precisa de procuradores, juízes e ministros do STF que inventem novos iluminismos salvacionistas, que criem teorias de mutação constitucional ou que se movam pelo clamor momentâneo das ruas e da mídia empresarial. Essas autoridades não têm mandato para isso. São apenas agentes que precisam obedecer à lei e garantir que todos a obedeçam. Quem deve atender o clamor das ruas são os representantes eleitos pelo povo nas eleições. É isso que está escrito na nossa Constituição. Somente o respeito à Constituição Federal, sem invencionismos de ocasião, é que fará o país retomar o trilho da normalidade democrática.

A sociedade brasileira é suficientemente esclarecida para não aceitar que o escândalo revelado pelo Intercept seja varrido para debaixo do tapete com a utilização de subterfúgios. O cinismo não pode e não irá prevalecer.

O coletivo Auditores Fiscais pela Democracia (AFD) foi uma das primeiras organizações a se posicionar firmemente contra a transferência do COAF para o Ministério da Justiça, alertando para os riscos da instauração de um estado policial. No artigo “COAF deve permanecer no Ministério da Economia”, em 09 de maio de 2019, no site GGN, afirmamos:

“A real possibilidade das informações sigilosas serem usadas politicamente é uma das principais razões pelas quais os países democráticos localizam os órgãos assemelhados ao COAF na área econômica ou fazendária, enquanto que nos estados policialescos a tendência é serem colocados sob o controle do aparato policial onde o órgão é usado com funções punitivistas como a de vigiar e prender pessoas.”

As notícias de que o Ministério da Justiça e a Polícia Federal tenham acionado o COAF para investigar o jornalista Glen Greenwald, do Intercept, não desmentidas até agora pelos órgãos citados pela imprensa, são muito graves. Caso confirmadas as notícias, estaria configurada a instauração de um estado policial, onde os mandatários utilizam do aparato estatal para perseguir os críticos do governo. No estado democrático, órgãos como o Ministério Público, Polícia Federal, Receita Federal, COAF, devem investigar fatos, não pessoas. As investigações devem respeitar os princípios da impessoalidade e imparcialidade.

A liberdade de imprensa é um dos mais importantes pilares do regime democrático. As instituições estatais, em conformidade com o disposto na Constituição Federal, tem a obrigação de pautar a sua atuação de modo a garantir o pleno exercício das liberdades consagradas na carta magna, sendo inadmissível o desvio do foco do escândalo para perseguir jornalistas e adversários do governo. As instituições estatais não servem ao governo; elas servem ao Estado, representando a totalidade dos cidadãos.

Manifestamo-nos também em relação aos vazamentos da Receita Federal que atingiram o Ministro do STF Gilmar Mendes, na nota “Vazamentos afrontam a democracia”, site GGN de 09 de fevereiro de 2019, afirmando:

“As  pessoas que defendem a democracia não devem  ser condescendentes com essa prática. Vazamento de informações sigilosas é uma prática ilegal, porque vedada. A vedação existe porque agentes estatais não devem  agir movidos por preferências ou antipatias, seja por pessoas,  partidos, ideologias ou crenças. A vontade do agente estatal somente pode ser a de cumprir a lei. O agente que se coloca acima da lei, como detentor  de uma “justiça particular” que dispensaria a sua submissão aos ditames legais, age como um infrator.”

Coerente com os posicionamentos anteriores, é nosso entendimento que os fatos divulgados pelos diversos veículos da imprensa sobre a Vaza Jato estão protegidos pela princípio da liberdade da imprensa, o que não se confunde com os vazamentos de informações oficiais por agentes públicos, esses sim criminosos.

Espera-se que o Ministério Público Federal, o Conselho Nacional do Ministério Publico e o STF tomem as providências necessárias para que os fatos divulgados pela Vaza Jato sejam rigorosamente apurados,  que os agentes infratores sejam responsabilizados e punidos de acordo com a lei. E garanta a liberdade da imprensa e a não criminalização de jornalistas. A não adoção das medidas necessárias causará uma profunda descrença da sociedade brasileira nas instituições do estado democrático de direito. Os que detém as prerrogativas legais para agir e decidir não podem se omitir de cumprir e fazer cumprir a lei. Se não o fizerem, arcarão com o ônus de serem responsabilizados pelos retrocessos antidemocráticos em curso em nosso país.

Auditores Fiscais pela Democracia (AFD)

Redação

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