13 de maio sangrento, por Homero Fonseca

Antes da data simbólica da abolição do cativeiro, houve um 13 de maio sangrento, envolvendo uma violenta revolta de escravos.

13 de maio sangrento

por Homero Fonseca

Aconteceu em 1833, ou seja, 55 anos antes da abolição oficial.

Àquela altura (anos 1830), crescia a pressão internacional pelo fim da escravidão, o movimento abolicionista dava os primeiros passos entre nós e começavam a pipocar, aqui e ali, revoltas pontuais dos escravizados que alarmavam os senhores. Foi o que ocorreu em Carrancas, no sul de Minas Gerais.

A região era dominada pela família Junqueira, dona de muitas fazendas e vasta escravaria, com forte influência política na região. O Brasil vivia o período conturbado das regências, dividido entre duas grandes correntes: liberais e conversadores. Os Junqueira afiliavam-se aos liberais moderados e a província era governada por seus partidários.

Em 22 de março de 1833 ocorreu uma sedição na então capital mineira — Ouro Preto — , quando os restauradores, apelidados caramurus, defensores do retorno ao trono de D. Pedro I, depuseram o governador e assumiram o poder na província. Era mais um dos inúmeros episódios de conflitos entre as elites da época.

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No sul de Minas, os escravos tomaram conhecimento das notícias pelas narrativas orais dos tropeiros, misturando fatos e boatos. Um boato, em especial, mobilizou os cativos: o de que o novo governo mineiro estaria libertando os escravos. Imaginem o impacto disso nos corações e mentes da multidão de seres cuja maior aspiração na vida era a liberdade. É difícil, nessas condições, ter paciência e esperar os (supostos) trâmites legais.

Em Carrancas, um grupo deles resolveu não esperar pelas supostas ordens de cima e agir. O ódio acumulado contra os senhores aflorou num jorro sangrento.

Na tarde de 13 de maio de 1833, Gabriel Junqueira, filho do deputado do mesmo nome, que administrava a Fazenda Campo Alegre, foi inspecionar os serviços na roça, montado num cavalo. Liderados pelo preto chamado Ventura Mina, os escravos atacaram e mataram o “Senhor Moço” com facões, foices e paus. Seguiram para a sede da fazenda, onde constataram que a notícia do assassinato já chegara lá e os ocupantes da casa-grande estavam armados e prontos para rechaçar o ataque. Dirigiram-se então à fazenda Bela Cruz, vizinha e pertencente à mesma família. Aí ocorreu o chamado Massacre de Carrancas: nove membros da família Junqueira foram chacinados, incluindo mulheres e crianças. De lá, seguiram para a fazenda Bom Jardim, matando um agregado que encontraram pelo caminho. Foram recebidos a bala pelo proprietário João Cândido Junqueira, capangas e alguns escravos fiéis (avisado do massacre em Bela Cruz, o fazendeiro trancou a maioria dos escravos na senzala e se postou à espera dos revoltosos). Travou-se uma batalha em que morreram Ventura Mina e outros líderes da rebelião, dispersando-se os demais pelo mato. Seguiu-se violenta repressão e 17 insurgentes foram presos e condenados à morte. Só um deles escapou da sentença, porque fez uma espécie de “delação premiada” e foi incumbido de enforcar os 16 companheiros. Os escravos que não tiveram participação nas mortes foram condenados a penas de açoites e prisão.

O episódio alarmou os latifundiários. Agora, os fazendeiros eram quem tinha pressa, sede sangue. Queriam vingar seus mortos e aplicar uma pena exemplar. A bancada rural no Congresso fez aprovar uma lei, em 10 de junho de 1835, estabelecendo rito sumário para condenação à morte de escravos autores de assassinatos dos seus senhores. Já havia pena de morte àquela época, mas o processo era longo e cheio de formalidades.

Este foi o 13 de maio sangrento. O 13 de maio de 1888 — data em que a princesa regente Isabel de Bragança sancionou a lei aprovada no parlamento, sob a liderança do 1º ministro João Alfredo Correa de Oliveira — foi decorrência de um processo histórico em que a escravidão, já nos seus estertores, foi abolida oficialmente. Mas isso é outra História.

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Texto baseado em artigo do historiador Marcos Ferreira de Andrade, professor de História na Universidade Federal de São João Del-Rei, em artigo na versão eletrônica da revista Tempo, nº 23, de maio-agosto de 2017:

https://www.scielo.br/j/tem/a/x9hZ6bdRFyNxwVQTXHf3hHc/?format=pdf&msclkid=9d963971d07a11ecb06c900b82fb69de

O contexto do 13 de maio de 1888 em que a escravidão caiu de podre é detalhado na rigorosa pesquisa da historiadora Emília Viotti da Costa, in: Da senzala à colônia. Editora Unesp, 2010 (5ª edição).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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