Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
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A nova vida de Soledad Barrett foi pra Cuba, por Urariano Mota

Do meu canto pernambucano, desejo longa vida ao espetáculo, para que ressurja no teatro de outras terras a brava Soledad Barrett

A nova vida de Soledad Barrett foi pra Cuba

por Urariano Mota

Mais de uma vez, lemos na imprensa a notícia do maravilhoso espetáculo “Soledad – a terra é fogo sob nossos pés”, interpretado por Hilda Torres, melhor atriz do teatro pernambucano em 2016 por essa  atuação. Lemos a notícia, mas não com o devido destaque pela arte e política que a todos comove e encanta. O que a mídia não fala, o público tem falado em aplausos e entusiasmo. Esse é um espetáculo tão bom quanto o mais arrebatador filme.

Tenho a felicidade de com o livro “Soledad no Recife” ter despertado o interesse de Hilda Torres pela vida de Soledad Barrett. E a partir do livro, movida a indignação ela caiu em campo para, junto a Malú Bazán, pesquisar  e fazer um trabalho autônomo. A elas se uniu a poeta e compositora Ñasaindy Barrett, única filha de Soledad, que se integrou ao espetáculo com músicas de sua autoria e informações sobre a mãe guerrilheira.

Agora, o espetáculo acaba de voltar de Cuba. E Márcio Santos, jornalista, produtor geral do espetáculo e companheiro da atriz Hilda Torres, nos envia este relato:

“Em meio à polarização que tomou conta do país nos últimos anos, o mantra ‘vai pra Cuba’ é um dos que têm dominado as paradas de sucesso. Pois é, o grupo de teatro pernambucano Cria do Palco foi mesmo e apresentou, nos últimos dias 29 e 30 de abril, em Havana, o espetáculo Soledad – a terra é fogo sob nossos pés.

A apresentação marcou o encerramento da primeira fase da circulação internacional do monólogo encenado por Hilda Torres, que recria no teatro a história de Soledad Barrett Viedma, militante paraguaia que combateu diversos regimes ditatoriais na América Latina e foi morta em 1973 na Região Metropolitana do Recife.

Antes de desembarcar em Cuba, o projeto passou pelo Paraguai, onde a personagem nasceu, e pelo Uruguai, onde passou a maior parte de sua juventude e desenvolveu sua atuação política de forma autônoma. Na ilha de Fidel, Soledad casou e teve uma filha, Ñasaindy Barrett de Araújo, com o ex-marinheiro José Maria Ferreira de Araújo. Foi lá que ela treinou guerrilha e se preparou antes de chegar ao Brasil.

José Maria chegou um ano antes às terras brasileiras, mas logo em seguida se transforma em mais uma vítima do regime. Hoje é desaparecido político. Foi entre esse período e sua chegada ao Brasil que Soledad conheceu o também ex-marinheiro chamado Daniel, que na verdade era o Cabo Anselmo – infiltrado do regime mais famoso da ditadura. Há versões que garantem que só ele, com a sua infiltração, entregou metade dos mortos e desaparecidos políticos do país. Foi ele também o responsável por entregar Soledad,  grávida dele, junto a outros cinco militantes, para a concretização de um dos casos mais violentos da era de chumbo brasileira: o massacre da granja São Bento, em Abreu e Lima, Pernambuco.

A dramaturgia do espetáculo surgiu a partir da cronologia da personagem, alcançada através de pesquisas de campo, músicas da época, poesias (muitas de ex-presos políticos), cartas, entrevistas sistemáticas, acesso a documentos e contato com familiares – especialmente as parceiras do projeto, Ñasaindy e Ivich Barrett (filha e neta de Soledad, respectivamente). Entretanto, a encenação não se restringe apenas a uma perspectiva memorialista, mas também se apresenta como um espaço poético que traça um paralelo entre o passado e o presente, apontando que as coisas não mudaram tanto assim.

O perfil ativista do grupo, a contundência poética do texto e a colaboração de muitos militantes da época abriram portas e tornaram possíveis diversas experiências incríveis para a equipe. No Paraguai o contato com familiares de Soledad e a visita a seis presos políticos de Tacumbu, detidos há cerca de 13 anos sem prova alguma, foi um desses momentos marcantes. No Uruguai, o grupo foi recebidos pela Vice-presidente Lucia Topolansky, na casa que divide com seu marido, Pepe Mujica. Já em Cuba, Hilda Torres e Ñasaindy Barrett (filha de Soledad), que viajou com a equipe para a realização de debates após os espetáculos, foram entrevistadas na mesma rádio onde Soledad Barrett trabalhou, fazendo transmissões em espanhol e guarani. Ainda hoje, ela é reverenciada por suas contribuições à Rádio Havana Cuba.  

A segunda fase da circulação internacional já está sendo preparada e deve incluir países como Argentina, Chile e Espanha. Segundo a atriz e idealizadora do projeto, Hilda Torres, os destinos escolhidos são lugares onde a obra e a história de Soledad têm a oportunidade de se misturarem. ‘Temos dito que esse projeto é um verdadeiro e sincero pedido de desculpas em nome do nosso povo e do Estado. Com o apoio do Funcultura e através da arte estamos devolvendo aos familiares, amigos e interessados pelo tema, uma Soledad viva. Aqui, ela foi tirada do papel de mulher assassinada e reassume a grandeza internacionalista e humana de sua trajetória’, conclui”. 

Do meu canto pernambucano, desejo longa vida ao espetáculo, para que ressurja no teatro de outras terras a brava Soledad Barrett.

*Vermelho http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=9976&id_coluna=93

Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

2 Comentários

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  1. Nooossa, um texto do Uraniano Mota sobre a Soledad Barret…
    Que novidade..! Deve ser o 17o. só nesse ano…
    Ou falta assunto ou alguém anda obcecado

  2. Moço bom, esse cabo anselmo.
    Entrega a mulher grávida para ser torturada, presa e morta.
    O amor é lindo!
    Mas, cá pra nós, gente como esse cabo anselmo tem amor a que?

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