Conversas com minha mãe – Casamento, por Daniel Gorte-Dalmoro

Eles se conheceram no próprio banco, em 1975, e por quase um ano meu pai tentou de todas as formas (desastradas, devo admitir) conquistar minha mãe

Conversas com minha mãe – Casamento

por Daniel Gorte-Dalmoro

Mãe conta que se arrepende da forma como contou aos meus avós de seu casamento com meu pai. Antes de ir até Gramado e Canela, na lua-de-mel, passaram por Ponta Grossa:

“Chegamos lá, eu mostrei a aliança no dedo e falei: ‘mãe, pai, casamos’. Eles ficaram me olhando um tempo, perplexos”. Ela acha que poderia ter feito isso de modo mais suave, aos poucos, mas tinha receio de qualquer contratempo e tinha pressa para firmar logo o casamento.

Isso me lembra da dúvida que por anos me perseguia e só tive coragem de esclarecê-la quando tinha uns 24 anos de idade e dois de análise. Numa visita a Pato Branco – provavelmente em março -, à menor abertura, perguntei sem rodeios a ela:

“Vocês casaram só porque você estava grávida de mim?”

Mãe respondeu que a gravidez foi uma forma de acelerar o processo, mas que eles já estavam juntos há tempos e falavam em casar e ter filhos, mas pai parecia confortável em seguir morando com os pais, enquanto ela queria se ajeitar logo.

Essa história foi corroborada pelo Max, quando perguntei a ele qual o apelido que o Pedro dera ao pai: nenhum. Recordou que a primeira vez que viu os dois, pouco depois de entrar no banco, em 1980, estava chegando para seu turno de trabalho (ele ficava na compensação e trabalhava à noite) e meus pais saíam pela porta lateral. O Pedro apontou:

“Lá vai o casalzinho, a Rosinha e o Deja. Faz tempo que ele está enrolando ela”.

Rosinha era o apelido de minha mãe, por ficar vermelha com facilidade, e meu pai a enrolaria por outros dois anos.

Eles se conheceram no próprio banco, em 1975, e por quase um ano meu pai tentou de todas as formas (desastradas, devo admitir) conquistar minha mãe, que resistia às investidas daquele piá quase impúbere de 21 anos, sendo que ela já tinha 24! (E depois de contar isso ela sempre ria da ingenuidade de se achar velha com tal idade). Foi em 20 de junho de 1976 que saíram e começaram a namorar.

Não esqueço a data pois, depois que pai faleceu, mãe contava todo 19 de junho (aniversário de meu pai):

“Hoje faz 45 anos que teu pai me chamou para sair. Ele chegou de sopetão: ‘Quer ir na boate amanhã’, e eu fiquei dura de susto, nem falei nada, só fiz que sim com a cabeça”.

Quando pai era vivo e a história vinha à tona, ele complementava: “era minha última tentativa, já estava desistindo, que ela nunca aceitava nada” (era depois disso que minha mãe explicava o motivo: a abissal diferença de idade).

O 26 de março era lembrado todo ano, desde quando eu ainda morava com eles, era sempre a explicação de minha mãe, de como fizera para não se chatear sempre, por meu pai esquecer a data (pai que era, no fundo, “contra essa coisa de datas, todo dia é importante”, ele dizia):

“Eu já estava cansada de me aborrecer com seu pai, e das duas uma: ou eu parava de importar com a data, ou passava a lembrá-lo uns dias antes”.

A estratégia de lembrá-lo dois, três dias antes deu resultado e pai não esqueceu mais – algumas vezes se lembrou por conta própria, e já tinha o presente comprado, antes do lembrete de mãe.

O que nenhum dos dois nunca tinha me contado – quem contou Salete, uma ex-colega deles, infelizmente já sem possibilidade de tirar a limpo com mãe – foi que houve, sim, festa de casamento! Foi em junho, na quermesse da AABB: botaram os dois (provavelmente contra a vontade de ambos e não só do noivo) para serem os noivos no casamento caipira!

Daniel Gorte-Dalmoro é escritor e funcionário público. Filósofo e Sociólogo formado pela Unicamp, Mestre em Filosofia pela PUC-SP (se debruçou sobre A Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord), Psicanalista em formação. Autor, dentre outros, de Trezenhum. Humor sem graça. (Ibiporã 1011) e Linha de Produção/Linha de Descartes (Editora Urutau).

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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