Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Varrendo o Sangue dos Outros, por Maíra Vasconcelos

Buenos Aires, 5 de abril, San Telmo.

Varrendo o Sangue dos Outros

Invariavelmente, caio na realidade, e isso é uma guerra cansativa. Porque trabalho é com a imaginação em forma de escrita, logo, quando soa o alarme do fim desse expediente, tendo a abrir a porta do realismo falseado do mundo comum, desse comum mundo vertiginoso. E abri então as páginas de um jornal. Tenho vertigens e tonteiras, caminhando entre um lado e outro, vendo o que apenas e nada mais consegue meu globo ocular alcançar, pois o que de fora entra vem como cisco no olho. Pisco, pisco, para correr com essa poeira, e nem assim vejo algo melhor. É apenas isso mesmo: a violência de cada dia empurrando um pouco de sujeira em cima de mim. Sinto-me empurrada, por isso, cambaleio, é que estou mesmo com parte do corpo ocupado pela imaginação escrevedora. E que empurra-empurra!

Imaginando passo o tempo voando, e voar significa ir para longe de, assim, imaginar é a ferramenta que tenho à mão para soltar os pés da realidade. Nem sei ao menos como ela se instala, e vou escrevendo desembestada, às vezes, parece até mágica. Mas que sorte que eu a detenho – talvez também porque goste de verdade da cor verde – porque a ferramenta-imaginativa é valiosa e boa, pesada e generosa, ela só quer sentir o alívio de ver arrumado o que estava desconcertado, como as desconcertantes coisas que vejo agora nos jornais. Uf! Suspira quem imagina. Assim, vive-se suspirando e derretendo-se num estado de pura satisfação com os contornos da vida; porque com a imaginação a vida é leve e magnânima, e o homem é um aprendiz entusiasmado dos modos de caminhar com o espírito. Por isso é que tudo é mais leve e aéreo, porque nada se carrega, e o que existe é o abandono como forma de dar e receber. É tudo mesmo muito bom. Ah! E aqui estava eu a imaginar, e a escrever com a boa imaginação, fugindo e indo…

Mas escrevia por despencar concisamente na dita realidade, e lido com isso ao ler agora um jornal, ou melhor, ao passar os olhos piscando e piscando sobre as notícias. E é quando vejo a foto de um corpo no asfalto, um pedaço de corpo sangrando e linchado. Saí correndo e vir-me a abrigar entre esses escritos, sentindo-me zonzeada, aturdida porque voava e de repente aterrissei, caí com a cara no corpo linchado, na cidade de Rosario, que é uma cidade argentina. E foi um jornalista também argentino que me colocou o focinho cheirando essa realidade de um corpo. E se sangue próprio já tem cheiro denso, sangue dos outros na gente é a violência falando e cuspindo em voz alta na nossa cara. E além de escandalosa, a violência é tão ligeira e recheada, só sendo mesmo bem gorda para poder espalhar-se e ocupar tanto. Folgada! Sinto-me travar, sinto-me invadida e sem imaginação, não está a fazer-me bem essa coisa de ler e ver a violência específica na forma de linchamentos. Vou ali passar a palma das mãos na minha planta de lavanda, e perfumar-me um pouco. Esse sangue fétido não é meu, e o menino argentino de 18 anos já morreu e já perdeu todo o sangue seu. Mas a minha imaginação, essa sim pode continuar viva e perfumada em minhas mãos. 

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

4 Comentários

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    1. Linchamentos e imprensa

      O texto é cansativo mas, você sabe do que ela está falando? Do assunto ao qual se refere?

      Tem lido sobre o que é noticia na Argentina nestes últimos dias?

      Uma pista: o efeito Sheherazade e os linchamentos atiçados pela imprensa chegou lá…

      Tudo para criar um clima de insegurança e sensação de ausência do Estado com interesses eleitorais no desgaste do Governo.

      http://www.youtube.com/watch?v=SGWmrcQwADs

      http://www.youtube.com/watch?v=WDDBuyKZx0k

  1. …muito cansativo. acho que

    …muito cansativo. acho que o autor deve enviar este texto à um analista.

    …andando em circulos meio espiral…me perdoe (ou não), achei meio desnecessário!

  2. Oi.

    Eu fico mesmo muito agradecida pelos comentários. Sao muito corretos. Já estou armando um novo texto, que aqui será publicado, para conversar-responder vocês três.

    Estarei aqui com crônicas todos os sábados.

    Um abraço. Maíra.

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