Finde/GEEP - Democracia e Economia
O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.

Platão e a crise climática: reflexões sobre o nosso tempo, por Elisangela Araujo

Embora a ciência apresente informações claras, a lacuna entre o conhecimento e a implementação de medidas concretas é enorme.

Platão e a crise climática: reflexões sobre o nosso tempo

por Elisangela Araujo

Sabemos que a Terra é nossa casa comum. Exceto, talvez, para algum bilionário excêntrico que acredita na possibilidade de colonizar outros planetas e estabelecer uma vida multiplanetária, essa jamais seria uma opção concreta para a maioria de nós. Torna-se imperativo, portanto, enfrentar a realidade que se impõe. Organismos internacionais, governos – especialmente dos países mais ricos – e a sociedade civil organizada precisam reconhecer a urgência da crise ambiental, comprometendo-se em esforços colaborativos e implementando políticas globais seu enfrentamento efetivo.

Até agora, no entanto, a ação contra a crise ambiental tem sido insuficiente. Podemos traçar aqui uma analogia com a “Alegoria da Caverna” de Platão: homens acorrentados acreditavam apenas nas sombras projetadas na parede, sem jamais enxergar a realidade externa. Mesmo quando informados sobre a verdadeira natureza do mundo fora da caverna, muitos preferiram ignorá-la, negando o conhecimento e permanecendo prisioneiros da escuridão.

O problema não é falta de informação, mas a falta de ação. Estudos amplamente reconhecidos, como The Great Acceleration (2015), The Planetary Boundaries (2023) e o famoso Ecological Footprint, evidenciam o aumento da concentração de gases de efeito estufa (GEE) e suas consequências devastadoras: aquecimento global, desertificação, perda de biodiversidade, acidificação dos oceanos, escassez de água doce potável e poluição em diversas formas. Eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes e intensos, têm um potencial destrutivo crescente.

Embora a ciência apresente informações claras, a lacuna entre o conhecimento e a implementação de medidas concretas é enorme. Nos Estados Unidos, o governo Biden lançou o Green New Deal para fomentar a produção de energia renovável, incluindo veículos elétricos. No entanto, empresas gigantes do setor de petróleo e gás continuam a receber subsídios governamentais bilionários. Na Europa, o Pacto Ecológico Europeu criou, em 2020, o Fundo de Transição Justa, com 100 bilhões de euros para apoiar setores afetados pela transição energética, com a meta de alcançar a neutralidade climática até 2050, em consonância com o Acordo de Paris. A China, responsável por cerca de um quarto das emissões globais, é a maior investidora em energias limpas, comprometendo-se a atingir o pico de emissões até 2030 e a neutralidade energética até 2060. Porém, há uma contradição evidente: enquanto se incentivam práticas de Economia Verde, a economia baseada em combustíveis fósseis permanece ativa, muitas vezes sob a justificativa de financiar a transição para um futuro sustentável.

No Brasil, a situação também é crítica. Segundo dados da CepalStat, as emissões de dióxido de carbono (CO2), o principal GEE, aumentaram de 1,5 toneladas por habitante em 1995 para 1,9 toneladas em 2020. As Contribuições Nacionais Determinadas (CND) – compromisso do país com a redução de emissões de GEE – foram revistas para cima. A principal causa é a “Mudança no uso da terra e florestas”, resultado da conversão de áreas florestais em terras agrícolas e da queima de biomassa. A agricultura é a segunda fonte de emissões dos GEE, com as práticas intensivas de manejo. Ademais, as dietas ricas em proteínas animais, especialmente bovinos e suínos, têm contribuído para estimular essa fonte de emissões.

Cabe esclarecer, que desde os anos 2000, o Brasil adotou um modelo de crescimento baseado na reprimarização da economia, também conhecido como neoextrativismo. O agronegócio brasileiro, hoje intensivo em tecnologias e interligado a diversos setores, tem gerado resultados significativos no comércio exterior. Contudo, esse modelo é criticado por propiciar alimentos ultraprocessados, prejudiciais à saúde, e também estar associado a ilegalidades como desmatamento, incêndios criminosos e extração de madeira ilegal. A degradação ambiental tem causado tragédias no país, como as inundações no Rio Grande do Sul e incêndios florestais que, só entre janeiro e agosto de 2024, devastaram 11,4 milhões de hectares, 85% a mais que no mesmo período de 2023. O Brasil, abrigo de seis importantes biomas terrestres, incluindo a Amazônia – a maior floresta tropical do mundo, enfrenta o desafio de preservar seus ecossistemas e proteger os povos originários, cujas vidas e culturas dependem da conservação dessas áreas.

Diante desse cenário, uma mudança global de atitude é imprescindível. Mesmo que as ações comecem agora, o processo de reversão dos danos levará décadas. É fundamental entender que, sem o capital natural – recursos como água, solo, vegetação e ar – não há capital econômico. O capital natural sustenta tanto a produção econômica quanto a vida humana. A Terra, sua atmosfera e seus ecossistemas formam um sistema maior do qual a economia faz parte, mas a superexploração dos recursos está levando esse sistema ao seu limite, e esse ponto crítico, se ultrapassado, comprometerá inexoravelmente a vida no planeta.

Por fim, vale uma ressalva, o uso de termos como “mitigação”, “resiliência” e “salvar o planeta” se tornaram clichês vazios e inadequados. O planeta Terra não precisa da humanidade; somos nós que precisamos dela para continuar existindo. Está na hora de deixarmos a caverna e encararmos a realidade, promovendo as mudanças necessárias para enfrentar a crise climática e salvarmos a nós mesmos.

Elisangela Araujo – Professora de Economia da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Pós-doutoranda na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesquisadora participante do Grupo de Estudos em Financeirização (FINDE) e do Grupo de Estudos em Macroeconomia Ecológica (GEMAECO).

Referências

CEPALSTAT. Bases de Datos y Publicaciones Estadísticas da CEPAL. Disponível em: https://statistics.cepal.org/portal/cepalstat/dashboard.html?lang=es. Acesso em set. 2024

MAPBIOMAS. Estatísticas do Monitor do Fogo. Disponível em: https://brasil.mapbiomas.org/. Acesso em set. 2024.

PLATÃO. A República. Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal. São Paulo: Editora Lafonte, 2001.

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

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