
Enel, Multinacionais e Faria Lima, por Elcemir Paço Cunha
Por Elcemir Paço Cunha (@PacoCunha) (@pacocunha.bsky.social)
Já ventilamos a necessidade bastante real de haver uma espécie de rede capaz de funcionar como um observatório da grande empresa. Nessa semana, três notícias confirmam e agravam o diagnóstico. Dão sólida base ao argumento de que a gestão privada das grandes corporações é assunto público.
Não faz um ano daquele caso da Enel em São Paulo e milhares de paulistanos ficaram novamente em condições precárias com a falta de fornecimento de energia. Repete-se a conclusão de então. De fato, a mesmíssima conclusão: a empresa persegue o baixo custo, enxugando quadros e fragilizando as tarefas de manutenção. As adversidades climáticas mostram que o modelo é obviamente impraticável. Impraticável talvez mesmo em condições normais, menos ainda para o tipo de serviço em questão.
Há casos de menor audiência. Na última semana, foi divulgado que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE investigava inúmeras multinacionais que teriam formado cartel. Segundo matéria da Revista Veja, o CADE revelou que:
“Existem fortes indícios, até o momento, da prática de conduta anticompetitiva consistentes em troca de informações comerciais sensíveis sobre o mercado de trabalho. O compartilhamento de informações comercial e concorrencialmente sensíveis inclui, mas não se limitou, a informações sobre salários atuais, veículos, plano de saúde, transporte, alimentação, funcionários demitidos, de férias, em licença e aposentados, além de educação, saúde em geral, pais, e benefícios diversos” sensíveis sobre o mercado de trabalho. (…). A conduta tem o efeito de limitar e dificultar a livre concorrência entre empregadores na disputa para contratação e manutenção da força de trabalho disponibilizada no mercado de trabalho brasileiro, com potenciais impactos que recaem especialmente sobre a força de trabalho sujeita a um grupo de empresas, com alcance nacional”
Entre as 33 empresas listadas pelo CADE, encontram-se muitas que frequentam os prêmios concedidos àquelas consideradas melhores para se trabalhar:
1 – Alcoa Alumínio S.A. 2 – Avon Cosméticos Ltda. 3 – C&A Modas S.A. 4 – Cargill Agrícola S.A. 5 – Claro S.A. 6 – Coca Cola Indústrias Ltda. 7 – Companhia Siderúrgica Nacional 8 – Dow Brasil Sudeste Industrial Ltda. 9 – Danisco Brasil Ltda. (sucessora de Dupont Nutrition Brasil Ingredientes) 10 – General Motors do Brasil Ltda 11 – Goodyear do Brasil Produtos de Borracha Ltda. 12 – IBM Brasil – Indústria Máquinas e Serviços Ltda. 13 – Kimberly -Clark Brasil Industria e Comercio de Produtos de Higiene Ltda. 14 – Klabin S.A. 15 – Arcos Dourados Comercio de Alimentos Ltda. 16 – Monsanto do Brasil Ltda. 17 – Natura Cosméticos S.A. 18 – Nestle Brasil Ltda. 19 – Pepsico do Brasil Ltda. 20 – Philips do Brasil Ltda. 21 – Pirelli Comercial de Pneus Brasil Ltda. 22 – Sanofi Aventis Comercial e Logística Ltda. 23 – Sanofi Aventis Farmacêutica Ltda. 24 – Serasa S.A. 25 – Siemens Energy Brasil Ltda. 26 – BAT Brasil/Souza Cruz Ltda. 27 – IPLF Holding S.A. 28 – Syngenta Proteção de Cultivos Ltda. 29 – Vale S.A. 30 – Volkswagen do Brasil Industria de Veículos Automotores Ltda. 31 – Votorantim Cimentos S.A. 32 – Votorantim Industrial S/A. 33 – White Martins Gases Industriais Ltda.
Enganam-se os que julgam se tratar de “caso isolado”. São 33 “casos isolados”. E muitas pistas aqui e ali sugerem que são bem maiores os casos desse tipo de combinação entre empresas para finalidades diversas.
Nesse último sentido, as combinações podem assumir muitas formas. A articulação entre empresas gestoras de fundos que povoam a “Faria Lima” é uma delas. Nessa semana que passou elas também ganharam holofotes. Circulou o informe de que há uma organização de expoentes do “mercado financeiro” com a finalidade de “ajustar” o Relatório Focus e influenciar as decisões do Banco Central. Bem, quem mesmo poderia imaginar que isso pudesse ocorrer entre tais isentos gestores ouvidos para a preparação do relatório?
Apesar das diferenças entre os casos, incluindo o grau de exposição que alcançam, salta aos olhos como a realidade das coisas contradiz as mais belas liturgias que se presta tradicionalmente às corporações. Em muitos episódios, resta óbvia complacência de governos de todos os níveis. A imposição das coisas sobre as volições é tal que o reconhecimento do problema não é privilégio de qualquer ponto no espectro político ou material exclusivo de doutrinas particulares. Galbraith, por exemplo, escreveu que:
A corporação moderna também exerce poder no e por meio do governo. (…). Entre a corporação moderna e o estado moderno existe uma relação profundamente simbiótica baseada no poder e na recompensa compartilhados. O mito que sustenta que a grande corporação é o fantoche do mercado, o servo impotente do consumidor, é, na verdade, um dos dispositivos pelos quais seu poder é perpetuado. (Galbraith, 1977, p. 258-259)
Há clara defasagem de controle público (em largo sentido) sobre a gestão das grandes empresas. No Brasil não parece ser positivamente diferente. Um observatório dessas corporações não resolveria de fato o problema, mas poderia funcionar colaborativamente ao debate público e à regulação desses interesses econômicos concentrados.
Referências
Galbraith, J. K. (1977). The age of uncertainty. Boston: Houghton Mifflin.
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O que acontece com relação à ENEL é simplesmente o reflexo de tudo o que orientou as privatizações no País. Não se deu qualquer importância ao porvir do Brasil. Quem paga o pato são todos os que dependem do serviço. Nesse outro assunto, o baixo crescimento realizado pelo País ao longo do tempo acarreta também que a renda geral pouco expanda. Isso dá espaço para que as grandes corporações que geralmente, como foi citado, oferecem os melhores empregos e eventuais benefícios, pratiquem esses tipos de relações. Em sentido contrário à livre concorrência. Limitam a ascensão de empresas concorrentes e a absorção livre dos funcionários dispensados. Sem um crescimento que eleve a dinâmica da economia brasileira, os órgãos de controle tem pouca efetividade no combate a essas posturas antiéticas.