Finde/GEEP - Democracia e Economia
O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.

O que a Nova Indústria Brasil traz de novo? O que a ameaça?, por Teixeira & Feijo

A Nova Indústria Brasil (ou NIB) tem como grande trunfo o pressuposto que a indústria é um meio para o desenvolvimento do país e não um fim.

José Paulo Lacerda – CNI

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O que a Nova Indústria Brasil traz de novo? O que a ameaça?

por Fernando Amorim Teixeira e Carmem Feijo

O crescimento de 2,9% do PIB em 2023, contrariando as estimativas pessimistas dos analistas do sistema financeiro em dezembro de 2022, é motivo de justa comemoração pelas autoridades econômicas do governo. Contudo, além do resultado agregado, as contas nacionais revelam aspecto preocupante sobre a capacidade da economia sustentar um crescimento robusto para os anos vindouros. A composição do resultado do PIB de 2023 foi largamente explicado pelo crescimento de setores de atividade ligados à exploração de recursos naturais – agropecuária (15,1%) e indústrias extrativas (8,7%). A indústria de transformação, o setor que por sua natureza alavanca um maior número de atividades e contribui para o crescimento da produtividade agregada, decresceu 1,3%, após ter encolhido 0,5% em 2022. Ou seja, o resultado da indústria de transformação confirma a tendência de desindustrialização da economia brasileira e a reprimarização de nossa estrutura produtiva. Vale registrar que não há como uma economia se desenvolver, ou seja, aumentar sua produtividade e competitividade ao longo do tempo, especializada na produção de commodities agrícolas e minerais. Ademais, os setores intensivos em recursos naturais absorvem relativamente pouca mão de obra, e, no caso do Brasil, são altamente protegidos por políticas públicas e contribuem relativamente menos para o orçamento público.

Assim, os dados do PIB de 2023 evidenciam a importância de uma política industrial que permita à economia brasileira recuperar seu dinamismo e voltar a crescer de forma sustentada. Considerando a agenda de transição climática, o desenvolvimento do setor manufatureiro é da maior relevância, tendo em vista que é o que mais desenvolve e dissemina avanços tecnológicos, e, portanto, é o setor com maior potencial para contribuir para o processo de descarbonização e de uso mais eficiente de recursos naturais. Apenas um processo bem sucedido de reindustrialização possibilitará à economia brasileira entrar em um círculo virtuoso de crescimento com sustentabilidade ambiental. Nesse sentido, a Nova Indústria Brasil (ou simplesmente NIB) tem como grande trunfo o pressuposto que a indústria é um meio para o desenvolvimento do país e não um fim.

O desenho da NIB é diferente das políticas industriais implementadas no passado. É formulada em seis grandes missões de desenvolvimento, com princípios comuns e objetivos que devem ser orientadores das ações dos ministérios envolvidos na sua implementação. Esse desenho é inovador, pois o projeto visa coordenar ações dos vários atores para um mesmo objetivo.

A proposta estabelece metas aspiracionais, ou seja, metas construídas a partir de diagnósticos de gargalos e de identificação de oportunidades e visam incentivar o senso de co-responsabilidade com a política. Esse tipo de subterfúgio – alvo de críticas contundentes no lançamento da política, se constitui, assim, numa inovação de política pública que, ao gerar responsabilidades conjuntas, visa potencializar o alcance das metas. Por isso, é a partir dessas metas que devem ser construídos indicadores socioeconômicos e em torno destes indicadores que as ações (e os envolvidos nelas) devem se organizar. O acompanhamento sistemático desses indicadores, por sua vez, evidenciará a necessidade (ou não) de correções de rotas nas ações.

A NIB parte da noção de transversalidade da utilização das capacidades do Estado com vistas a reduzir brechas e gargalos estruturais. Incluem-se no rol instrumentos aqueles de fomento (principalmente através de bancos públicos e fundos garantidores), os de compras públicas (seja da administração direta, seja de empresas estatais) e os de melhoria do ambiente de negócios. Além disso, existem ações mais pontuais ou setoriais, mas que também se associam à lógica de política industrial orientada por missões. Vale ressaltar que a transversalidade é uma novidade em termos de política industrial no Brasil, que tem um histórico de políticas pontuais, verticais e setorizadas.

Outro desafio a ser enfrentado se relaciona a importação excessiva de bens de maior valor e, portanto, ao visar o adensamento de cadeias produtivas, a NIB busca na agregação de valor, no sentido de não apenas reduzir o coeficiente de importação, como galgar espaços no comércio internacional. Nesse sentido, a integração regional se faz um imperativo para o Brasil retomar sua posição como principal parceiro de diversos países do continente, posição essa que lhe foi tomada pela China no período recente.

Vale pontuar que o mundo vem se transformando rapidamente no contexto pós-covid e de diversos conflitos armados. Organizar cadeias produtivas específicas em parceria com países vizinhos, além de trazer previsibilidade quanto ao suprimento de insumos estratégicos, se coloca como uma oportunidade de desenvolvimento do parque industrial brasileiro. Reforça ainda essa narrativa o atual contexto de crise climática, no qual a disputa sobre o que é “verde” é também uma disputa geopolítica, sendo que diversos países tem utilizado mecanismos não-tarifários para barrar a entrada de produtos de outros países (como é o caso do Carbon Board Adjustment Mechanism (CBAN).

Em maio, o governo deve anunciar alguns avanços na NIB com o estabelecimento de metas e indicadores para 2026, cumprindo mais uma etapa de consolidação da nova política industrial. Entretanto, para que a política gere frutos, é imprescindível o comprometimento dos diversos atores da sociedade em torno das metas e objetivos estabelecidos. Através do acompanhamento sistemático das metas e o diálogo constante entre governo, iniciativa privada e sociedade civil, será possível  encontrar a trilha correta rumo ao atingimento do objetivo maior, a superação da nossa condição primário-exportadora e o retorno para uma trajetória de desenvolvimento econômico, social e ambiental..

Uma palavra de alerta final. O processo de reindustrialização implica a retomada dos investimentos produtivos. Em 2023, a formação bruta de capital fixo recuou 3,0% em relação a 2022. A falta de coordenação entre as políticas econômicas de curto e de prazo mais longo pode comprometer o sucesso da NIB, como comprometeu resultados de tentativas anteriores de apoio ao setor industrial. Assim, além do desenho inovador, a NIB precisará contar com a flexibilização da política macroeconômica de curto prazo para a taxa de investimento da economia voltar a crescer, criando as condições para um novo círculo virtuoso de crescimento e desenvolvimento, liderado pelo setor de transformação industrial.

Fernando Amorim Teixeira – Pesquisador de pós-doutorado Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF

Carmem Feijo- Professora titular na UFF, pesquisadora CNPQ e coordenadora do Finde/UFF

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador