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A proposta da Nova Indústria Brasil e o desmatamento, por Carmem Feijo

De 2003 até 2014, várias políticas industriais foram implementadas, porém não tiveram sucesso em reverter o processo de desindustrialização.

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Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

A proposta da Nova Indústria Brasil e o desmatamento

por Carmem Feijo

A Nova Indústria Brasil (NIB) é uma proposta de reindustrialização da economia brasileira, que se desindustrializou de forma acentuada desde a abertura econômica. De 2003 até 2014, várias políticas industriais foram implementadas, porém não tiveram sucesso em reverter o processo de desindustrialização. A perda de importância da indústria de transformação ao longo das últimas quatro décadas explica em parte a perda de dinamismo da economia brasileira. A título de ilustração, o PIB per capita cresceu em média 4,7% a.a. de 1961 a 1980, e apenas 0,7% a.a. de 1981-2019. Em 1980, a parcela da indústria manufatureira no PIB era de cerca de 30% e em 2020 este percentual caiu para 11%.

Interessante observar que o Brasil, diferente da realidade da maioria dos países, possui uma matriz de geração de energia a partir de fontes renováveis. Mesmo assim, o processo de desindustrialização brasileiro foi acompanhado pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE). De 2014 e 2022, fase de baixo crescimento do PIB, o volume de emissões totais de CO2, segundo informação do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases (SEEG), cresceu em média 2,3% aa. As emissões decorrentes do remanejamento no uso de terra e florestas foram as que mais cresceram (4,3% aa). Ou seja, o avanço do desmatamento e o recuo da indústria manufatureira na matriz produtiva caminharam juntas.

Por isso a NIB deve ser vista como uma política estratégica no processo de transição verde. A NIB visa fortalecer a indústria nacional até 2033, englobando as cadeias agroindustriais, da indústria da saúde, de infraestrutura, transformação digital, transição energética e soberania nacional. É uma proposta que avança em termos das políticas industriais anteriores, pois os objetivos a serem alcançados são descritos como missões (ao todo seis) interligando setores e atividades conexas. Em termos de recursos, estão previstos R$ 300 bilhões entre financiamentos, créditos não reembolsáveis e aportes diretos nas empresas no plano de ações até 2026. Pode-se considerar que o aporte de R$ 300 bilhões em quatro anos seja uma meta ambiciosa, porém, comparado com o montante de R$ 364,2 bilhões de reais de recursos anunciados para o plano Safra 2023/2024, a cifra prevista na NIB é bastante modesta.

O contraste em termos de aporte de recursos evidencia que há muito, os vários governos fizeram uma escolha em termos de política de desenvolvimento setorial em favor do setor agropecuário. Não por acaso, o Brasil é hoje um dos maiores produtores de vários tipos de grãos do mundo. Enquanto as políticas industriais implementadas a partir de 2003 não surtiram o efeito de reverter o processo de desindustrialização, as políticas direcionadas, principalmente de crédito e subsídios para setores agrário-exportador foram bem-sucedidas. Ou seja, as políticas setoriais em larga medida privilegiaram (e privilegiam) atividades produtivas onde o país dispõe de largas vantagens comparativas. Neste sentido, a NIB pode ser vista como um projeto de reindustrialização, que se propõe a desenvolver vantagens competitivas, possibilitando a modernização e avanços tecnológicos nos processos produtivos na indústria e serviços a ela ligados, a diversificação na oferta de produtos e serviços, com ênfase na eficiência no uso dos recursos ambientais e em redução de emissões de gases que aumentem o aquecimento global.

No contexto da transição climática, tal projeto é especialmente relevante porque a intensificação de desastres naturais representa uma ameaça à estabilidade econômica de países com matriz produtiva caracterizada pela produção de bens intensivos em recursos naturais. Isto porque os riscos físicos induzidos por mudanças climáticas têm significativos impactos sobre a produção e o comércio de nesse tipo de bens. Ou seja, crises climáticas podem acentuar as flutuações cíclicas e, ao aumentarem a percepção de risco por parte de investidores, em especial os internacionais, aumentam a vulnerabilidade externa da economia. Assim, a reindustrialização contemporânea, intrinsecamente vinculada à sustentabilidade, é uma estratégia necessária para impulsionar o desenvolvimento econômico e enfrentar os desafios sociais, ambientais e produtivos. Além disso, ao alinhar as políticas industriais com a sustentabilidade, é possível estimular a inovação, a competitividade global e a criação de empregos verdes.

Neste sentido, além de adensar cadeias produtivas e aumentar a sofisticação tecnológica de produtos e processos, a reindustrialização nos anos 2020 é também orientada para a busca da sustentabilidade ambiental, ou seja, deve estar associado à transformação produtiva para instalar um parque industrial que contribua para o crescimento sustentável

Em resumo, no contexto da transição climática, a modernização do parque industrial implica também tornar os processos de produção mais eficientes do ponto de vista do consumo de energia e de recursos ambientais. A NIB, é, portanto, uma política necessária não só para a retomada do dinamismo em termos de crescimento econômico, como para aumento da produtividade e o desenvolvimento e, principalmente, para a transição verde.

Carmem Feijo- Professora titular na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora CNPQ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

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