
Blog: Democracia e Economia – Desenvolvimento, Finanças e Política
Precisamos falar sobre a qualidade dos empregos no Brasil
por Vinicius Brandão
Os dados divulgados pelo IBGE sobre mercado de trabalho mostram uma queda significativa da taxa de desemprego no pós-pandemia e que perdura até o trimestre terminado em dezembro de 2023, no qual o Brasil alcançou a taxa de desemprego de 7,4% a menor para o trimestre terminado em dezembro desde 2014.
Todavia, apesar da redução do desemprego ser um ponto positivo, é importante tomar nota para as condições dos empregos que estão sendo criados no Brasil. Além da questão da informalidade per se, é importante compreender também outros dois pontos, o aumento dos trabalhadores por conta própria e também qualificar os empregos criados com carteira assinada, visto que após a Reforma Trabalhista de 2017 além de legalizar a contratação de trabalhadores via Pessoa Jurídica, a reforma também possibilitou o trabalho intermitente, o que em outras palavras significa um trabalhador contratado sem carga horária fixa de trabalho e, consequentemente, sem renda fixa.
A Reforma Trabalhista de 2017
A Reforma Trabalhista foi aprovada em 2017 sob a justificativa de aumentar o número de postos de trabalho a partir da geração de uma maior facilidade para as empresas contratarem e demitirem empregados. Na prática, essas facilidades visavam permitir entre outros pontos que as empresas pudessem contratar funcionários sem carteira de trabalho assinada sem incorrer em ilegalidade, nesses casos os trabalhadores poderiam ser contratados como prestadores de serviços a partir da abertura de um CNPJ ou ainda como autônomos.
Além disso, entre os principais pontos da Reforma Trabalhista estão a regularização do trabalho intermitente e do regime de trabalho parcial, os quais podem permitir em última instância e a depender do contrato de trabalho firmado que no caso de em determinado mês o empregador não possuir demanda para o trabalho de um funcionário, esse funcionário pode ficar sem renda alguma.
Dessa forma, a partir de 2017 o que se verifica é uma alta ano após ano da quantidade de pessoas inseridas no mercado de trabalho sob as condições supracitadas. Acerca desse tema é importante observar que o impacto negativo dessas modalidades de emprego impactam não apenas a renda do trabalhador como também os direitos trabalhistas aos quais ele possui acesso, especialmente no caso da contratação de trabalhadores por intermédio da criação de um CNPJ para receber pelos serviços prestados.
No caso dos trabalhadores que recebem seus salários via Pessoa Jurídica, alguns pontos merecem ser ressaltados: o primeiro é que a principal modalidade de empresa utilizada para esse fim é o Microempreendedor Individual (MEI), esse tipo de empresa cobra um imposto fixo de 5% do salário mínimo e que é contabilizado como contribuição ao INSS. Apesar desse tipo de empresa ao menos garantir a contribuição previdenciária do trabalhador, ele não inclui outros direitos trabalhistas como 13º salário, férias remuneradas, contribuição para o FGTS e multa por rescisão contratual, por exemplo.
Esse tipo de modalidade de contratação de trabalhadores além de impactar diretamente o acesso a direitos trabalhistas também possuem impacto direto nas contas públicas, especialmente nas contas relacionadas à previdência pública. Além da contribuição do trabalhador para o INSS ser menor no caso do trabalhador via MEI, não há obrigatoriedade do empregador em recolher impostos relacionados a esse empregado, o que na prática significa uma arrecadação previdenciária menor do que no caso de contratação de trabalhadores por intermédio da CLT. Essa arrecadação menor pode gerar déficits na previdência pública no futuro.
Já acerca dos contratos de trabalho intermitente, vale mencionar que esses também implicam em dificuldades de acesso a direitos trabalhistas. O mais importante deles é referente à contribuição ao INSS, visto que no caso de um trabalhador receber em determinado mês valor menor do que um salário mínimo, essa contribuição não irá ser levada em conta para os cálculos de aposentadoria (regra criada a partir da Reforma da Previdência de 2019), sendo necessário que o trabalhador realize o recolhimento de um valor complementar para que essa contribuição possa ser incorporada ao cálculo de aposentadoria.
Arrocho salarial no funcionalismo público e conflito distributivo
Um ponto menos abordado nos debates sobre mercado de trabalho mas que possui interligação inclusive com a Reforma Trabalhista de 2017 é o arrocho salarial do funcionalismo público nos últimos anos. No caso do serviço público federal, esses trabalhadores ficaram sem qualquer tipo de reajuste entre os anos de 2017 e 2022, tendo um reajuste de 9% em meados de 2023. Aqui é importante salientar que o congelamento de salários foi nominal, ou seja, não houve reajuste nem mesmo relacionado à inflação, o que na prática significa uma queda do poder de compra durante esse período.
Mas por que é importante discutir esse assunto de forma interligada ao debate da Reforma Trabalhista? A Reforma Trabalhista no ponto em que piora as condições de trabalho, aumenta a quantidade de empregos sem acesso a direitos trabalhistas e também contribuição para uma queda nos rendimentos dos trabalhadores, tornaria os empregos no serviço público mais atrativos. Nesse sentido, para facilitar o acesso do setor privado à força de trabalho com custos reduzidos é importante também fazer com que o serviço público seja menos atrativo aos trabalhadores e parte desse processo pode ser constatado a partir do arrocho salarial mencionado acima.
Sem dúvidas, o congelamento salarial ocorrido entre 2017 e 2022 no serviço público federal faz parte de um contexto mais amplo de redução do Estado, o qual inclui queda de investimentos públicos, dificuldade para reposição de servidores públicos aposentados ou exonerados em diversos órgãos, entre outras medidas. Todavia, é importante ressaltar que o arrocho salarial, especificamente, afeta diretamente a renda oriunda do trabalho e impacta também em certa medida o nível de salários no setor privado. Na prática há uma queda da participação da massa salarial na economia brasileira e, por consequência, um impacto negativo para os trabalhadores no conflito distributivo.
Reforma Trabalhista e sindicalização
A redução da sindicalização dos trabalhadores é outro impacto direto da Reforma Trabalhista. A questão dessa queda acontece de forma direta pela redução do acesso do trabalhadores aos empregos formais via CLT e aumento dos empregados via Pessoa Jurídica. Segundo o módulo Características Adicionais do Mercado de Trabalho 2022, da PNAD-Continua do IBGE o índice médio de sindicalização no Brasil ficou em 9,2%, a menor taxa desde 2012 quando a pesquisa começou a ser realizada, em outras palavras menos de 1 a cada 10 pessoas ocupadas no Brasil é sindicalizada.
A queda na sindicalização dos trabalhadores brasileiros impacta diretamente a atuação dos sindicatos que acabam tendo uma representatividade menor para encampar mobilizações por melhores salários e condições de trabalho. Além do fato de que menos filiados representa também menos capacidade de financiar suas atividades como campanhas salariais, mobilizações, fiscalizações, entre outras.
A redução do poder de mobilização dos sindicatos representa uma queda do poder de mobilização dos trabalhadores e, portanto, contribui para que esses tenham maior dificuldade em negociações coletivas com os empregadores, contribuindo também para a queda nos rendimentos dos trabalhadores.
Necessidade de uma contrarreforma trabalhista
Feito os apontamentos acima, é necessário debater acerca de uma contrarreforma trabalhista ou revogação da reforma trabalhista aprovada em 2017. As condições do mercado de trabalho sob a legislação atual tendem a ser prejudiciais aos trabalhadores, visto que mesmo em um cenário de queda do desemprego, é verificado um incremento dos postos de trabalho informais e via pessoa jurídica.
Além disso, vale ressaltar que mesmo que haja uma recuperação robusta da economia brasileira e um aumento dos rendimentos devido ao ritmo de crescimento, em um momento de inflexão da economia, sob a legislação atual, os efeitos recairiam de forma imediata nos trabalhadores que não possuem acesso a direitos trabalhistas ou que possuem contratos de trabalho intermitente. Dessa forma, é imprescindível apresentar esse debate e pautar uma contrarreforma trabalhista no Brasil.
Vinicius Brandão – Doutor em Economia pelo PPGE-UFF e pesquisador do FINDE-UFF
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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF
O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp
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