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Desafios e Perspectivas do Nova Indústria Brasil para a Reindustrialização Sustentável

NIB é articulado em torno de seis missões orientadas por objetivos claros que abordam desafios sociais, ambientais e tecnológicos

Anamul Rezwan – Pexels

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Desafios e Perspectivas do Nova Indústria Brasil para a Reindustrialização Sustentável

por Carmem Feijo, Fernanda Feil e Fernando Amorim Teixeira

Em um contexto de crise climática global e da necessidade de modelos de desenvolvimento sustentáveis, o Brasil se depara com o desafio de repensar sua estrutura produtiva e inserção comercial global. Nesse cenário, o Nova Indústria Brasil (NIB) surge como uma estratégia governamental ambiciosa que busca reverter o processo de desindustrialização precoce e acelerado, propondo uma reinvenção da produção nacional alinhada com as demandas contemporâneas de sustentabilidade e competitividade.

O NIB, lançado pelo governo federal em janeiro de 2024, aborda de maneira abrangente as estratégias destacadas para a reindustrialização do país. Este plano de ação reconhece o reforço da indústria nacional como um pilar essencial para o desenvolvimento sustentável do Brasil, sob perspectivas sociais, econômicas e ambientais. Posicionando a tripla crise mundial – ambiental, social e climática – no centro de sua agenda, o NIB responde diretamente aos desafios apresentados pela desindustrialização precoce e intensificada que o Brasil enfrentou.

Para tanto, o NIB propõe um conjunto de medidas de apoio ao setor produtivo com o objetivo de fomentar o avanço técnico, aumentar a produtividade e a competitividade nacional, e reposicionar o Brasil no comércio internacional. Essas medidas incluem o fortalecimento dos setores tecnologicamente avançados e a diversificação da produção intensiva em recursos naturais, promovendo uma transição ecológica e a exploração de novos minérios, como parte da estratégia de adensamento das cadeias produtivas.

Adicionalmente, o NIB é articulado em torno de seis missões industriais, orientadas por objetivos claros e desafiadores que abordam grandes desafios sociais, ambientais e tecnológicos:

1.   Cadeias Agroindustriais Sustentáveis: Visando a sustentabilidade e a digitalização no setor agroindustrial.

2.   Complexo Econômico-Industrial da Saúde Resiliente: Para fortalecer a autonomia e a capacidade de resposta do sistema de saúde brasileiro.

3.   Infraestrutura Sustentável: Focando em saneamento, habitação e mobilidade urbana.

4.   Transformação Digital da Indústria: Para aumentar a produtividade e inovação tecnológica nas empresas brasileiras.

5.   Bioeconomia e Descarbonização: Promovendo a transição energética e o uso sustentável da biodiversidade.

6.   Tecnologias de Defesa e Soberania: Desenvolvendo tecnologias críticas para a segurança nacional.

Para alcançar os objetivos delineados nas suas missões, o NIB adota três pilares estratégicos fundamentais. O primeiro pilar é o Financiamento Sustentável, que enfatiza o apoio financeiro à transformação ecológica e inovações em diversas áreas, como infraestrutura e exportações, por meio de uma combinação de linhas de crédito, apoios financeiros diretos e incentivos fiscais voltados para a sustentabilidade. O segundo pilar central é a Melhoria do Ambiente de Negócios, que visa potencializar a competitividade da indústria nacional por meio do desenvolvimento do capital humano, da abertura de novos mercados internacionais para produtos brasileiros e da simplificação dos trâmites regulatórios que atualmente impõem barreiras à inovação e ao crescimento econômico. O terceiro e último pilar é o Poder de Compra do Estado, uma estratégia que se vale das contratações governamentais em áreas-chave como infraestrutura, energia renovável e saúde para promover e estimular o desenvolvimento industrial, guiando o setor produtivo em direção aos objetivos estratégicos de longo prazo estabelecidos pela NIB.

Apesar se ser um plano abrangente e muito bem vindo por ser a primeira política industrial do Brasil nesse século que engloba o planejamento de longo prazo com ações estatais importantes para repensar estrategicamente o país, o NIB enfrenta desafios consideráveis ao comparar os recursos financeiros e estratégias previstas com o histórico do BNDES e com as necessidades atuais de uma transição sustentável e inclusiva.

O plano da NIB destaca a alocação de R$ 300 bilhões para os quatro eixos principais até 2026, o que, à primeira vista, representa um comprometimento significativo com a indústria nacional. No entanto, ao se considerar a atuação passada do BNDES, que desembolsou R$ 168 bilhões em um único ano no enfrentamento da crise financeira global de 2010, em condições financeiras estáveis e com taxas de juros favoráveis ao processo de reindustrialização, percebe-se que o montante atual pode não ser suficiente frente aos desafios da reindustrialização e da urgência climática.

O NIB propõe instrumentos como fundos de investimento voltados para a transformação ecológica e linhas de crédito para expansão da capacidade produtiva, refletindo uma abordagem que mantém certos princípios neoliberais, onde o Estado atua focado na correção de falhas de mercado. No entanto, a reindustrialização efetiva demanda um Estado planejador, que possa assegurar investimentos sustentáveis e de longo prazo, especialmente em um contexto em que as políticas macroeconômicas desempenham um papel vital.

Além disso, aspectos críticos como o fortalecimento do SUS, a transformação digital e o desenvolvimento de cidades sustentáveis requerem uma visão mais ampla, que não se limite ao foco em transporte ou em soluções disruptivas sem a devida atenção à capacitação da mão de obra necessária para tais tecnologias. As missões do NIB, enquanto interconectadas, necessitam de uma articulação clara para garantir que a política industrial seja capaz de promover um projeto coletivo de transformação que considere reformas econômicas e políticas mais abrangentes, visando a neutralidade de carbono e a minimização dos impactos sociais, econômicos e financeiros.

O NIB representa um passo importante na construção de uma convenção para o desenvolvimento sustentável, com a indústria servindo como âncora para essa convenção. No entanto, a nova política industrial ainda requer instrumentos específicos mais robustos e adequados para enfrentar de forma eficaz os desafios matizados da reindustrialização sustentável. Sem mencionar a falta de financiamento estável com condições favoráveis para empréstimos, além dos instrumentos já propostos, há uma necessidade de ferramentas de política mais fortes que estejam diretamente alinhadas com os objetivos de sustentabilidade e que possam incentivar as indústrias a adotarem tecnologias e processos sustentáveis. Além disso, o sucesso do plano depende de uma coordenação mais eficaz. Embora o comitê interministerial seja uma iniciativa louvável, é necessário um órgão de inteligência dedicado para coordenar esse processo de maneira abrangente.

Durante o período de industrialização brasileira, o Ministério do Planejamento desempenhou um papel crucial na coordenação da Convenção para o Crescimento, orientando a transformação econômica com supervisão estratégica. Hoje, o foco do Ministério do Planejamento é principalmente no orçamento público, que, embora importante, não abrange o planejamento estratégico mais amplo necessário para impulsionar os objetivos de desenvolvimento industrial e sustentável do país.

Portanto, para que o NIB sirva verdadeiramente como um pilar indutor de uma convenção de desenvolvimento sustentável, ele deve ser apoiado por uma poderosa autoridade de planejamento centralizada capaz de coordenação intersetorial e direção estratégica de longo prazo. Isso garantiria que todos os aspectos da reindustrialização sustentável sejam abordados de forma coesa, fomentando um futuro econômico robusto, verde e inclusivo para o Brasil.

Carmem Feijo- Professora titular na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora CNPQ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF

Fernanda Feil – Professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em economia do Programa de Pós-graduação (PPGE) da UFF e pesquisadora do Finde/UFF

Fernando Amorim Teixeira – Pesquisador de pós-doutorado no PPGE/UFF e do Finde/UFF

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

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