Finde/GEEP - Democracia e Economia
O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.
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A volta da indústria, por Carmem Feijo, Fernanda Feil e Fernando Amorim Teixeira

A manufatura é onde se concentram as economias estáticas e dinâmicas de escala, e onde o progresso técnico mais se desenvolve.

Agência Brasil

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

A volta da indústria

por Carmem Feijo, Fernanda Feil e Fernando Amorim Teixeira

O desenvolvimento do ciclo da industrialização brasileiro é suis generis. É marcado por uma fase de rápida industrialização via substituição de importações– do pós-guerra até os anos 1980- seguida de uma rápida (precoce) desindustrialização- após a abertura econômica nos anos 1990. Na fase de ascensão da indústria, o PIB per capita cresceu em média 4,6% aa; em 1980 a participação da manufatura no valor adicionado total era de 21,6%. A partir dos anos 1980 até 2022, a taxa de crescimento do PIB per capita foi de 0,7% aa, e o peso da manufatura caiu para 11,1%. Assim, a indústria manufatureira responde por grande parte do dinamismo da economia brasileira e reindustrializar, como propõe a nova política industrial para os anos 2020, implica recuperar a capacidade de crescer do Brasil considerando os desafios impostos pela tripla crise que assola o mundo – ambiental, climática e social.

A questão que se coloca é: qual o espaço de política para reindustrializar? A implementação da política industrial dos anos 2020 é ambiciosa, pois vai além de modernizar o parque industrial existente, e deve promover uma mudança estrutural no sentido de, tanto ampliar o peso de atividades mais sofisticadas tecnologicamente, como também garantir a sustentabilidade ambiental.

As vantagens de um setor manufatureiro sofisticado tecnologicamente, do ponto de vista do incremento da produtividade e da competitividade da economia, estão bem mapeadas na literatura. A manufatura é onde se concentram as economias estáticas e dinâmicas de escala, e onde o progresso técnico mais se desenvolve. Pela posição da manufatura na matriz produtiva, os ganhos de eficiência se disseminam para todos os demais setores da economia. Uma indústria tecnologicamente avançada gera empregos de qualidade e contribui para elevar o padrão de vida da população. Como os bens manufaturados e os serviços a ele associados são os de maior valor adicionado, uma indústria competitiva é condição necessária para relaxar a restrição de balanço de pagamentos.

Crucialmente, estes avanços e benefícios precisam ser enquadrados dentro de um contexto de sustentabilidade. A indústria deve não apenas avançar tecnologicamente, mas também fazer isso de uma maneira que respeite e preserve o meio ambiente. Isso implica a adoção de práticas de produção sustentáveis, o uso eficiente de recursos, e a minimização do impacto ambiental. Nesse sentido, a sustentabilidade torna-se um pilar central para o desenvolvimento industrial, assegurando que o crescimento econômico seja alcançado sem comprometer a saúde ambiental e a qualidade de vida das gerações futuras.

Porém, se a história recente registra uma tendência à desindustrialização, principalmente em economias da América Latina, casos de reindustrialização ainda são novidade. Isso porque, no período de substituição de importações, quando o processo de industrialização foi exitoso, o planejamento como ferramenta de política econômica tinha se tornado uma prática nas economias desde a crise mundial dos anos 1930.  Atualmente, a convenção de política econômica é o neoliberalismo, cuja orientação é pela atuação de um Estado pequeno, pouco intervencionista. Ademais, as orientações de políticas neoliberais são mais restritivas em economias periféricas integradas comercial e financeiramente na economia global. Nesse caso, o ciclo econômico é subordinado ao ciclo de liquidez internacional, e a política macroeconômica tende a ser pró-cíclica: quando a situação externa é favorável e a demanda agregada tende a se expandir, quedas na taxa doméstica de juros e expansão fiscal são registradas. O inverso se observa quando a liquidez internacional diminui e a economia entra em recessão. Uma consequência desse padrão de política econômica é que o investimento produtivo, que depende de expectativas positivas quanto ao desempenho da economia a médio e longo prazo, é inibido pois o ciclo econômico de economias periféricas é curto e volátil, o que contribui para a perda de dinamismo da economia.

Esta característica representa uma barreira à reindustrialização, pois reindustrializar implica aumentar a taxa de investimento pública e privada, o que pressupõe expectativas positivas de expansão da demanda agregada por um lado, e elevada confiança nessas expectativas, por outro. Assim, podemos identificar duas condições necessárias para o projeto de reindustrialização: uma política macroeconômica comprometida com sustentar o crescimento da demanda com estabilidade de preços, contribuindo para a formação de expectativas positivas quanto ao retorno esperado no futuro, e uma política industrial que contribua para reduzir o grau de incerteza envolvido no processo de investimento em novas tecnologias comprometidas com a transição climática. A forma de viabilizar o investimento produtivo transformador da estrutura produtiva é via o provimento de condições de financiamento em volume e condições adequadas aos riscos envolvidos.

Assim, o projeto de reindustrializar implica na construção de um meio ambiente institucional onde as várias instâncias da esfera pública (responsáveis pelas políticas de curto prazo e pelas políticas estruturantes de longo prazo, e poderíamos incluir também políticas sociais de acesso a bens públicos) possam atuar de forma coordenada na direção de um projeto de mudança estrutural.

A política industrial organizada na forma de missões a serem perseguidas num horizonte largo de tempo é como se define a atuação do Estado empreendedor, na terminologia de Mariana Mazzucato. Desta forma, uma primeira conclusão é que reindustrializar implica mudar a convenção liberal de Estado mínimo, para uma convenção de Estado intervencionista, com a função de guiar expectativas em direção a uma trajetória de desenvolvimento onde a indústria manufatureira e os serviços a ela associados sejam os setores a determinarem a dinâmica da trajetória de crescimento – ou seja, uma convenção para o desenvolvimento sustentável. À medida que o processo de industrialização avance, é de se esperar que o compromisso com a justiça social e a sustentabilidade ambiental também evoluam positivamente, tendo em vista o domínio dos preceitos Ambientais, Sociais e de Governança (ASG) na estrutura das governanças corporativas atualmente.

Voltando à questão inicial, o espaço de política para a retomada do investimento produtivo para reinidustrializar depende, de um lado, do acesso a recursos financeiros em condições competitivas para investir e, de outro, a criação de novas oportunidades de investimento. Quanto ao financiamento, o papel dos bancos de desenvolvimento deve ser recuperado para sua função de financiar a transformação produtiva, ou seja, a oferta de recursos em condições competitivas para o investimento produtivo, atuando como braços de políticas públicas. Quanto à criação de novas oportunidades de investimento pode-se identificar: a) investimento no adensamento das cadeias produtivas do setor agroexportador e mineral para relaxar a restrição externa ao crescimento, com especial atenção à exploração de novos minérios com alta demanda como insumos para a transição energética; b) fortalecer a cadeia produtiva de insumos para o setor de saúde, com vistas a ampliar a oferta de serviços de saúde pública com qualidade; c) priorizar projetos de financiamento a setores produtivos com elevados retornos de escala, como indústrias de média e média alta tecnologia, substituindo importação nestes segmentos; d) incentivar investimento em transição energética e mobilidade urbana.

O sucesso do projeto de reindustrialização da economia brasileira depende, em grande medida, da economia voltar a crescer de forma sustentada. E para isso, recuperar o crescimento do setor manufatureiro é condição fundamental. Uma observação final é sobre a necessidade de aparelhamento das instituições públicas para terem condição de conduzir o processo de reindustrialização, bem como o refinamento dos instrumentos de política econômica com vistas ao cumprimento das missões de desenvolvimento sustentável.

Carmem Feijo- Professora titular na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora CNPQ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF

Fernanda Feil – Professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em economia do Programa de Pós-graduação (PPGE) da UFF e pesquisadora do Finde/UFF

Fernando Amorim Teixeira – Pesquisador de pós-doutorado no PPGE/UFF e do Finde/UFF

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

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