Finde/GEEP - Democracia e Economia
O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.
[email protected]

Lula e a Reconstrução Econômica, por Adriano Sampaio

Em dezembro foi aprovada a LDO para 2024 e nela consta a meta de déficit zero, objeto de discórdias dentro do próprio governo

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Lula e a Reconstrução Econômica: Um Olhar sobre os Novos Rumos da Política Fiscal

por Adriano Sampaio

O ano vai chegando ao fim e com ele as avaliações do primeiro ano do 3º mandato do presidente Lula. Em primeiro lugar, é preciso celebrar o fato de termos um governo que respeita as normas democráticas, promove a boa convivência com o resto do mundo, incentiva a vacinação e que, com as limitações conhecidas, buscou restabelecer os mecanismos de combate ao desmatamento na agenda ambiental. O desempenho da economia não deixa de ser uma grata surpresa. No primeiro relatório Focus do ano (06/01), as expectativas de crescimento e inflação (IPCA) para 2023 eram de, respectivamente, 0,8% e 5,4%. No mais recente (15/12), a expectativa era de um crescimento de 2,9% e inflação de 4,5%, acima do centro (3,25%), mas abaixo do teto (4,75%) da meta. Isso levou o Banco Central do Brasil (BCB) a dar início a um novo ciclo de corte da taxa Selic, que começou o ano em 13,75% e se encerrará em 11,75%. No front externo, a rápida desaceleração da inflação nas economias avançadas, principalmente nos EUA, nos permite vislumbrar a continuidade e a até um processo mais forte de queda no ano que vem. O índice Ibovespa em níveis recordes (ultrapassou os 133 mil pontos em 26/12), o dólar abaixo de R$4,90 (chegou a ultrapassar R$5,40 em janeiro) e a melhora da nota de rating pelas agências de risco Fitch (julho) e Standard & Poor’s (dezembro) reforçam o sentimento de bom momento da economia brasileira. O objetivo aqui, no entanto, não é olhar detidamente para os fatores que explicam o desempenho acima do esperado, tampouco fazer previsões para o próximo ano, mas discutir alguns aspectos de política fiscal, especialmente a meta de déficit zero.

A primeira mudança relevante da política fiscal foi a substituição do Novo Regime Fiscal (mais conhecido como teto de gastos, implementado no governo golpista de Michel Temer) pelo Novo Arcabouço Fiscal (NAF). O NAF torna o gasto público um pouco mais flexível e menos cíclico. No entanto, mesmo nos cenários mais otimistas de arrecadação (um dos fatores que condicionam os gastos), ainda é um fator de forte engessamento de gastos e será insuficiente para um aumento substancial do investimento público e da reconstrução de um Estado eficiente. A grande notícia do ano na área fiscal (quiçá do governo como um todo) foi a aprovação da reforma tributária. Seus efeitos diretos ainda vão demorar muitos anos, mas a esperada simplificação e racionalização do sistema ajudam a melhorar as expectativas para o crescimento de médio e longo prazo. Sem negar o caráter histórico de sua aprovação, ainda falta a igualmente necessária mudança em direção a um sistema tributário mais progressivo que permita reduzir a vexaminosa concentração de renda e riqueza do país.

Em dezembro foi aprovada a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2024 e nela consta a meta de déficit zero, objeto de discórdias dentro do próprio governo e até mesmo do Partido dos Trabalhadores. Nessa questão, o ministro Fernando Haddad parece comprar uma briga desnecessária e equivocada. Primeiro, porque se compromete com algo que poucos consideram crível, já que depende de fonte de receitas de viabilidade incerta (condicionadas à aprovação do Congresso Nacional e do próprio desempenho da economia). Uma meta com um pequeno déficit poderia gerar um cenário de maior previsibilidade e menor probabilidade de desgaste político (por ser mais fácil de cumprir). Segundo, porque neste momento o próprio objetivo de zerar o déficit não deveria ser uma meta. O corte de gastos necessário para esse reequilíbrio inevitavelmente vai afetar investimentos e a manutenção da máquina pública, sem falar na sua modernização e ampliação de capacidade de atuação. Ou seja, é incompatível com a ideia de um Estado promotor do desenvolvimento. Além disso, ao comprometer a dinâmica econômica no curto prazo, pode comprometer a arrecadação e dificultar o ajuste buscado (como ocorreu no início do 2º governo Dilma). Finalmente, a obstinação do ministro pelo déficit zero contribui para reforçar o discurso de que ele é condição necessária para o crescimento e para a própria estabilidade da economia. Não surpreende que jornais e portais de mídia em geral usem cada vez mais a palavra “rombo” para se referir a déficits. Ao invés de enfrentar o debate e defender um caminho mais gradual, o ministro reforça e se torna refém do terrorismo fiscal e da falaciosa analogia entre orçamento público e doméstico. 

Nas últimas décadas, a ação direta e indireta do Estado na economia (investimentos públicos, política fiscal e industrial, etc.) foi substituída pela ideia de que seu papel deve se restringir à provisão de um ambiente macroeconômico estável. Isso envolve, entre outros fatores, inflação baixa e estável, trajetória não explosiva da dívida pública, e sustentabilidade das contas externas. Sem negar a importância de tais condições para um projeto de desenvolvimento, não se pode perder de vista que o objetivo do Estado deve ser a promoção do bem-estar geral da população, pela provisão de ocupações dignas e bem remuneradas, serviços públicos de qualidade, melhoria da distribuição de renda combate à pobreza e ao aquecimento global. Um ambiente macroeconômico estável pode ser condição necessária para o desenvolvimento, mas está longe de ser suficiente, tampouco será sua força motriz. É preciso abandonar ideia de que a “responsabilidade fiscal” seja a promotora da confiança (ou do “espírito animal” do qual falava Keynes) que fará deslanchar o consumo e o investimento privados. Estamos saindo de anos de severos cortes de gastos na administração pública e o processo de reconstrução do Estado está longe de terminar. Se o ministro e sua equipe terão condições de promover o ajuste pelo lado das receitas sem comprometer a capacidade de atuação do Estado, só o tempo dirá, mas é uma perspectiva que requer certo otimismo. Por enquanto, o que nos resta é esperar que, como em 2023, a realidade continue desmentindo as previsões pessimistas.

Adriano Sampaio – coordenador do Finde/UFF e professor de economia na UFF

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Finde/GEEP - Democracia e Economia

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador