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O modelo maricaense como solução à exclusão financeira, por Jéssica Maldonado

O Banco Mumbuca e a moeda social mumbuca foram criados com o objetivo de estimular o desenvolvimento da cidade de Maricá.

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Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O modelo maricaense como solução à exclusão financeira

por Jéssica Maldonado

Quem são os financeiramente excluídos no Brasil?

Em 2021, mais de 90% dos brasileiros afirmaram ter uma conta bancária, conforme os resultados da pesquisa Global Findex do Banco Mundial. No entanto, o estudo apontou disparidades, que estão atreladas à renda, ao gênero, ao nível educacional e ao status profissional. No Brasil, a exclusão financeira impacta principalmente os 40% mais pobres, mulheres, pessoas fora do mercado de trabalho e com menor grau de instrução, por essa razão, qualquer iniciativa que vise transformar o cenário apresentado deve ser fundamentada nessas informações e direcionada aos grupos excluídos.

O tema demanda atenção, uma vez que a exclusão do sistema financeiro pode impor restrições consideráveis na vida das pessoas, fortalecendo sua exclusão social. Além disso, o acesso a serviços financeiros não apenas diminui os custos associados a pagamentos, poupanças e empréstimos, mas também abre portas para investimentos em setores essenciais, como educação e saúde.

Dado que 77% dos beneficiários de transferências governamentais recebem esses recursos por meio de contas bancárias, a ampliação das políticas de transferência de renda e a vinculação do recebimento desses benefícios à posse de uma conta desse tipo poderiam servir como estímulo para que mais pessoas se tornassem titulares, uma vez que essas políticas . têm como foco principal grupos financeiramente excluídos, cuja razão para não possuir uma conta era a carência de recursos financeiros. Nesse contexto, a transferência de renda governamental poderia mitigar a exclusão financeira.

O refúgio dos financeiramente excluídos: o caso do Banco Mumbuca

O Banco Mumbuca e a moeda social mumbuca foram criados com o objetivo de estimular o desenvolvimento da cidade de Maricá. O Banco Mumbuca é uma instituição sem fins lucrativos, cuja função central é a gestão da moeda social emitida no pagamento de benefícios sociais. A principal política da cidade é a Renda Básica de Cidadania (RBC), que consiste em uma transferência de renda mensal no valor de 230 mumbucas (R$230) para cerca de 93 mil cidadãos maricaenses.

Com o advento da pandemia, a Prefeitura implementou outros benefícios sociais também pagos em mumbuca. Entre eles, o Programa de Amparo ao Trabalhador (PAT), uma transferência mensal no valor de um salário mínimo (R$1.045 no início do programa), destinada a trabalhadores informais. Este benefício vigorou de abril de 2020 até abril de 2023, amparando cerca de 20 mil pessoas.

Para receber os benefícios de transferência de renda em Maricá, tanto para os beneficiários da RBC quanto para os beneficiários do PAT, é necessário ter uma conta corrente no Banco Mumbuca. Isso permite ao titular acesso a outros serviços oferecidos pelo banco, como linhas de microcrédito e atividades sociais organizadas pela instituição.

O Banco Mumbuca destaca-se por acolher aqueles considerados financeiramente excluídos pela Global Findex[1]. No Brasil, 91,6% dos homens têm conta bancária em comparação com 88,6% das mulheres. Conforme pode ser observado no Gráfico 1, esse cenário se inverte no Banco Mumbuca, dos clientes, 72,1% são mulheres, enquanto os homens representam 27,9%. Isso está relacionado à prioridade dada às mulheres na inscrição no Bolsa Família, realizada através do Cadastro Único. Como a RBC se baseia nas informações do Cadastro Único, era esperado que a maioria das titulares do Banco Mumbuca também fossem mulheres.

Fonte: Gama (2023) e Global Findex (2021). Elaboração própria.

Apenas 83,7% das pessoas sem emprego remunerado possuem conta corrente, em contraste com os 91,6% daqueles com emprego remunerado. Para abordar esse desafio, o Banco Mumbuca deve concentrar seus esforços na atração de pessoas fora do mercado de trabalho. O Gráfico 2 evidencia essa iniciativa, especialmente para beneficiários da RBC, 64%[2] dos quais estavam desempregados em 2020. Contudo, essa inclusão não é tão acentuada para os beneficiários do PAT, pois a maioria estava empregada. Mesmo assim, o banco conseguiu incluir 43,6% dos beneficiários do PAT desempregados.

Fonte: Gama (2023) e Global Findex (2021). Elaboração própria.

Entre os financeiramente excluídos, sobressaem-se aqueles com níveis mais baixos de escolaridade. No contexto brasileiro, indivíduos com ensino superior completo exibiam uma taxa notável de 98% de titularidade de conta bancária. Em contrapartida, essa taxa diminui para 80% entre aqueles que possuíam apenas o ensino fundamental completo ou menos. Diante desse cenário, uma estratégia eficaz para enfrentar os desafios da exclusão financeira seria o Banco Mumbuca priorizar a inclusão de pessoas com níveis educacionais mais baixos. No entanto, ao examinarmos o Gráfico 3, observamos que, embora não haja clientes com ensino superior, a maioria possui ensino médio completo, não representando o principal grupo financeiramente excluído em termos de escolaridade. O gráfico exclui pessoas que nunca frequentaram a escola ou que não possuíam informações sobre escolaridade.

Fonte: Gama (2023) e Global Findex (2021). Elaboração própria.

Em suma, o perfil dos financeiramente excluídos, conforme identificado pela pesquisa Global Findex, coincide com o perfil dos clientes do Banco Mumbuca identificado por Gama (2023). Assim, utilizando a RBC e o PAT, o banco efetivamente atende a população excluída do sistema financeiro. Além disso, ao proporcionar uma fonte de renda vinculada a uma conta bancária, a transferência de renda desempenha um papel eficaz na superação da principal barreira à entrada dessa população no setor financeiro.

GAMA, A. A economia da mumbuca: a circulação da moeda social mumbuca em Maricá entre fevereiro de 2018 e agosto de 2020. Dissertação Mestrado – Faculdade de Economia, Universidade Federal Fluminense. Niterói, p. 121, 2023.

Jéssica Maldonado – Doutoranda em Economia no Programa de Pós-Graduação em Economia na UFF e pesquisadora do Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento (CEDE)


[1] Os dados sobre o Banco Mumbuca foram retirados de Gama (2023). A autora utilizou dados da Secretaria de Economia Solidária do município de Maricá, dados do Cadastro Único do Governo Federal e dados do Instituto E-dinheiro para o período de fevereiro de 2018 até agosto de 2020.

[2] Não foi possível obter informação sobre gênero, emprego e escolaridade para todos os titulares do Banco Mumbuca no cruzamento de dados com o Cadastro Único. Portanto, os dados apresentados representam apenas a parcela dos titulares encontrada no Cadastro Único.

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

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