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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino. O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas.
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2024, o ano da recuperação da indústria?, por Feijo, Feil e Teixeira

A intenção do programa Nova Indústria Brasil é impulsionar a indústria nacional até 2033, e os objetivos a serem alcançados são missões

Agência Brasil

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

2024, o ano da recuperação da indústria?

por Carmem Feijo, Fernanda Feil e Fernando Amorim Teixeira

O anúncio da nova política industrial em 22 de janeiro último alinha o país com outras economias desenvolvidas que frente aos desafios das mudanças climáticas e busca por segurança no abastecimento de insumos estratégicos estão implementando políticas industriais e projetos de investimento com participação do Estado. O exemplo mais importante vem do atual governo dos Estados Unidos, que em 2022 anunciou três programas de peso: Lei de Investimentos e Empregos em Infraestrutura (Infraestrutura), da Lei sobre Chips e Ciência (Chips) e Lei de Redução da Inflação (IRA). As três leis se articulam para reconstruir e remodelar a capacidade da economia americana e voltar a ocupar a vanguarda da inovação mundial. Registre-se que a defesa de políticas intervencionistas atualmente representa uma mudança nas recomendações de organismos internacionais antes avessos à políticas industriais discricionárias. Cherif e Hasanov (2019), por exemplo, em estudo para o FMI, fazem uma avaliação positiva das políticas industriais nos países asiáticos, e sugerem políticas em apoio aos produtores domésticos em indústrias sofisticadas, além do apoio inicial aos setores com vantagens comparativas; orientação para exportação e a incentivo à concorrência.

No caso brasileiro, o objetivo do programa Nova Indústria Brasil é impulsionar a indústria nacional até 2033, e os objetivos a serem alcançados são descritos como missões (ao todo seis: segurança alimentar e nutricional, saúde, bem-estar urbano, modernização industrial, bioeconomia, descarbonização, e defesa, estabelecendo metas e prioridades específicas para cada área) interligando setores e atividades conexas. O programa elenca instrumentos tradicionais de incentivo a setores produtivos e inova ao associar o incentivo público ao atingimento de resultados. O programa é bastante ambicioso porque além de buscar reverter o processo de desindustrialização da economia brasileira, busca modernizar o parque industrial e promover a transição climática. Se bem-sucedido, deverá recuperar a capacidade da economia voltar a crescer de forma sustentável. 

Em breve retrospecto, a desindustrialização brasileira se acentua nos anos 2000 e a economia se especializa na produção de bens intensivos em recursos naturais. A título de ilustração, de 2000 a 2009, dentro da indústria brasileira, as maiores taxas de crescimento acumuladas foram nos setores de ´outros equipamentos de transporte´ (8,9% a a), ´álcool´ (7,7% a a) e ´automóveis camionetas, caminhões e ônibus´ (6,0% a a), sendo o primeiro e o terceiro setores enquadrados na categoria de média alta tecnologia e média tecnologia, respectivamente. No período 2010-2019 esses setores de maior conteúdo tecnológico se retraíram, ou seja, apresentaram crescimento negativo. Assim, os setores de maior dinamismo desde os anos 2000 foram os de agropecuária e as indústrias extrativas.

As políticas industriais implementadas a partir de 2003 não surtiram o efeito esperado de reverter o processo de desindustrialização, porém as políticas direcionadas (principalmente de crédito e subsídios) para setores agrário-exportador foram bem sucedidas. Por isso, não se pode afirmar que não houve política setorial nas últimas décadas, senão que escolhas explícitas foram (e seguem sendo) feitas para privilegiar atividades produtivas com menor valor agregado. Se, do ponto de vista do crescimento econômico, a matriz produtiva especializada em bens de baixa elasticidade renda e baixa complexidade reduz o potencial de crescimento do produto e da produtividade a longo prazo, o contexto da transição climática coloca desafios ainda maiores ao desempenho desses setores, pois desastres induzidos por mudanças climáticas têm significativos impactos sobre a produção de bens intensivos em recursos naturais.

Por isso, a meta de reindustrializar a economia brasileira na década de 2020 deve, além de propor modernizar o parque industrial brasileiro com processos produtivos mais sofisticados e avançar na incorporação de setores e atividades de maior complexidade tecnológica, também garantir um processo de transição verde sustentável que permita a mudança estrutural da economia. Esse tipo de reindustrialização, com ênfase no enfrentamento da crise climática – ou neoindustrialização –, deve ser encarada como uma oportunidade de recuperação da produtividade e competitividade, a partir de investimentos em ativos fixos e em P&D, promovendo a transformação produtiva. As vantagens em investir em processos industriais sustentáveis e em tecnologias avançadas tem potencial de redução do impacto ambiental da produção industrial, de criação de empregos qualificados e aumento da competitividade, contribuindo para a redução da restrição externa ao crescimento.

Porém, decisões de investimento com horizonte longo de tempo demandam um ambiente macroeconômico estável e com espaço de política para decisões públicas discricionárias. Do ponto de vista de política econômica, o desafio de promover uma mudança estrutural com sustentabilidade ambiental e maior competitividade externa é grande, pois trata-se de implementar políticas industriais bem direcionadas em que a política macroeconômica esteja calibrada no sentido de permitir a retomada do investimento produtivo público e privado. Isto implica dizer que o modelo do tripé macroeconômico, com foco na estabilidade de preços, que vigora na economia brasileira desde 1999 deve ser flexibilizado e incorporar novos instrumentos de intervenção. Esse deve ser o grande debate em 2024, como criar espaço de política para implementar a política industrial.

Em suma, o foco excessivo na estabilidade monetária não leva em consideração os benefícios a longo prazo que a industrialização verde pode trazer para a economia. Será 2024 o ano de retomada do crescimento liderado pela indústria?

Referência

Cherif, R; Hasanov, F. (2019). The return of the policy that shall not be named: principles of industrial policy, IMF Working Paper WP/19/74.

Carmem Feijo- Professora titular na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora CNPQ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF

Fernanda Feil – Professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em economia do Programa de Pós-graduação (PPGE) da UFF e pesquisadora do Finde/UFF

Fernando Amorim Teixeira – Pesquisador de pós-doutorado no PPGE/UFF e do Finde/UFF

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

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