Até aliados abandonam o MBL e futuro do movimento é incerto

Victor Farinelli
Victor Farinelli é jornalista residente no Chile, corinthiano e pai de um adolescente, já escreveu para meios como Opera Mundi, Carta Capital, Brasil de Fato e Revista Fórum, além do Jornal GGN
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Tanto Sergio Moro quanto o Podemos (partido de Kim Kataguiri e Arthur do Val) deram as costas ao grupo, que tampouco é apoiado por outros partidos de direita

Foto: Divulgação/ Vitor Liasch/ MBL

O MBL (Movimento Brasil Livre) está em crise. A repercussão do áudio em que o deputado estadual Arthur do Val (Podemos-SP) afirma que as mulheres ucranianas “são fáceis porque são pobres” agravou uma situação que já era muito desfavorável desde a polêmica anterior, no início de fevereiro, quando o deputado federal Kim Kataguiri (Podemos-SP) afirmou que a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo.

O acúmulo de grandes problemas em tão pouco tempo gera uma dúvida a respeito do futuro (ou não) do próprio movimento, justamente em um ano em que o MBL tinha muitas esperanças na candidatura do próprio Arthur do Val (também conhecido como Mamãe Falei, nome do seu canal no YouTube) ao governo do estado de São Paulo e em uma participação destacada na campanha de Sergio Moro.

O cenário era muito diferente há cerca de 40 dias, antes da primeira da série de gafes dos integrantes do movimento, pois era o presidenciável do Podemos que se encontrava questionado devido ao conflito de interesses pelo salário milionário que recebeu para trabalhar na consultora Álvarez & Marsal, que também ganhou muito dinheiro (cerca de 42 milhões de reais), atuando na recuperação judicial de empresas que foram afetadas pela Operação Lava Jato.

O pilar da estratégia de Moro para se defender daquelas acusações era justamente o MBL: o ex-juiz e ex-ministro fez uma live com Kataguiri para dar sua versão dos fatos e aproveitou a experiência do grupo nas redes sociais para difundir seus argumentos.

Dias depois, quando surgiu a polêmica da apologia ao nazismo no programa Flow Podcast, Moro foi um dos primeiros a virar as costas para Kataguiri. “Eu acho que ele cometeu uma gafe brutal, e já pediu as devidas desculpas sobre isso, mas meu nome é Sérgio Moro, eu respondo somente pelas minhas palavras e pelos meus atos”, disse o pré-candidato, em uma entrevista ao canal Meio Norte Mais.

Além da debandada de aliados como Moro, o deputado do MBL se viu completamente isolado dentro da direita, e não contou com nenhum tipo de apoio quando a Procuradoria Geral da República iniciou uma investigação sobre suas declarações no Flow Podcast, ou quando o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) protocolou um ofício à mesa diretora da Câmara dos Deputados, solicitando a abertura de processo de cassação do mandato do colega.

O mesmo cenário se vê agora, no caso de Arthur do Val, pois as iniciativas buscando a cassação do seu mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo contam com apoio transversal, tanto da oposição de esquerda como de muitos partidos de direita, e mesmo os aliados do Podemos parecem se mostrar constrangidos ao defendê-lo – além disso, o partido abriu um procedimento disciplinar interno contra o deputado.

O também deputado estadual do Podemos, Ataíde Teruel, afirmou, em matéria de Robson Donizete ao jornal Correio Paulista, que “essa atitude sexista em relação às mulheres ucranianas, de total desamor e falta de respeito com um povo que está passando pelo maior pesadelo que existe é de uma desumanidade sem precedentes (…) caro Deputado Arthur do Val: o senhor desonra o parlamento do qual faz parte e todos os votos que o elegeram. Nota zero para o senhor!”.

O prefeito de Itapevi, Igor Soares, foi mais longe e relatou que “quando foi decidido pela filiação do Arthur do Val ao Podemos, imediatamente sai da presidência estadual do partido, por não concordar com a postura deste parlamentar. Agora, tenho convicção que fiz a melhor escolha”.

Tal situação já levou o próprio Arthur do Val a desistir da sua pré-candidatura a governador pelo Podemos, mas o processo de cassação pode piorar ainda mais sua situação, pois ele perderia o cargo e o direito de concorrer a qualquer outro cargo nas eleições deste ano.

Será o fim do MBL? Segundo o analista político Gunther Aleksander, “o que estamos vendo é um isolamento político do movimento, porque os partidos que poderiam ser aliados estão se afastando, porque não é conveniente, e também porque eles colecionaram desafetos até na direita. Mas não há qualquer indício de que o movimento vai acabar. Inclusive, creio que a quantidade de seguidores que eles perderam com as duas crises recentes é bem menor que a que eles tiveram quando romperam com o bolsonarismo”.

O educador e também cientista político Daniel Cara, um dos principais alvos do MBL nos últimos dias – por defender em suas redes sociais uma visão do conflito russo-ucraniano diferente da narrativa pró-Ucrânia assumida pelo movimento de direita –, acredita que “o MBL gosta dessas crises, a estratégia deles é a de ser manter visível o tempo todo, mesmo que negativamente, como naquela máxima do Jânio Quadros, o ‘falem mal mas falem de mim’. O problema é que, nesses dois casos, eles superaram todos os limites. Já vinham superando limites há muito tempo, mas ao cometer um ato desses em meio a uma guerra, isso chegou a um extremo de irresponsabilidade. Então, creio que o movimento corre algum risco, se não souber lidar com essas consequências”.

Sobre o processo de cassação, Cara acredita que “ele (Arthur do Val) tem poucos aliados na Alesp, mas o MBL vai usar todas as suas forças para mantê-lo, pois eles precisam ter alguém na esfera estadual, na municipal e na federal. O Kim Kataguiri também vai enfrentar problemas para defender seu mandato da cassação, mas acho que o caso dele pode ter perdido força, porque o tempo passou e a opinião pública pode considerar que já houve uma punição ao Monark, pelo mesmo episódio”.

Um termômetro da situação pela qual atravessa o MBL atualmente é a participação do coordenador nacional do movimento, Renan Santos, durante uma live realizada nesta segunda-feira (7/3) nas redes sociais, na qual ele utiliza diversos palavrões, eleva o tom de voz e se mostra visivelmente furioso ao comentar a possibilidade de cassação de Arthur do Val e outros políticos ligados ao grupo. Ele inclusive chega bater na mesa e a atirar uma caneca contra a câmera.

Para lembrar, Renan acompanhou Do Val na viagem a Ucrânia e foi mencionado no famigerado aúdio, como o responsável por realizar o chamado “tour de blonde”, que seriam viagens a países europeus – especialmente da Escandinávia e do Leste Europeu – em busca de sexo com mulheres loiras que vivem em cidades pequenas.

Victor Farinelli

Victor Farinelli é jornalista residente no Chile, corinthiano e pai de um adolescente, já escreveu para meios como Opera Mundi, Carta Capital, Brasil de Fato e Revista Fórum, além do Jornal GGN

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