Manipulações divulgadas no Whatsapp levam a “hackeamento da democracia”

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Da Rede Brasil Atual

 A infiltração do Whatsapp na vida da maior parte da população e a possibilidade de se saber, por meio do comportamento de usuários de redes sociais, os sentimentos que podem influenciar suas decisões trazem inúmeras possibilidades de manipulação da escolha política de milhões de pessoas no Brasil. Para o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Miguel Wisnik, trata-se de um método mais eficiente de influenciar as pessoas do que era feito até então pela mídia tradicional.

“As novas tecnologias mudaram o cenário do jogo. A grande imprensa, se quisesse manipular a informação, faria isso às vistas de todo mundo, teatralizando coletivamente a sua posição e sofrendo as consequências da avaliação pública disso. O Whatsapp é absolutamente capilar e permite mensagens em segredo, que chegam quase personalizadamente sem essa avaliação pública, e muito rápido”, avalia o professor, em sua participação na coluna Espaço em Obra, na Rádio USP.

Para ilustrar tal poder, Wisniki cita o caso da empresa Cambridge Anatlytica, que teve participação decisiva na eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e na votação do Brexit, no Reino Unido. “Atuou de maneira a filtrar dados das pessoas por meio de seu comportamento em redes sociais, permitindo que esses dados gerassem grandes quantidades de mensagens por Whatsapp, que chegam a pessoas com a predisposição do tipo de sentimento que as afetará para tomar decisões”, explica.

“No caso agora do Brasil, com crise econômica, social e das instituições, é um contexto onde frutifica, nasce o fascismo. Através dessa realidade de manipulação insidiosa você consegue atingir de forma muito eficaz”, analisa Wisnik, mencionando casos de “viradas” de última hora no processo eleitoral brasileiro. “Nem vou citar o caso mais evidente, do próprio Bolsonaro, mas os candidatos a governador no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, no Senado em São Paulo com Major Olímpio (PSL), chegaram como um fenômeno meteórico, de uma hora pra outra. São situações que desafiam qualquer lógica de previsão, de boca de urna do Ibope ou Datafolha, pois se fazem do nada. Isso é produto desse tipo de campanha.”

Em entrevista concedida à Agência Pública nesta semana, o filósofo Vladimir Safatle também chamou a atenção para a situação. “O Brasil está na rota de uma lógica de extrema direita internacional na qual você não opera mais no espaço aberto, você opera no espaço obscuro, virtual, utilizando dados da Cambridge Analytica, como os caras fizeram, para direcionar mensagens de maneira muito específica, criando esses vídeos…”, diz. “Eu vi os vídeos em que eles misturavam imagens das manifestações com imagens de mulheres profanando símbolos religiosos, imagens feitas para chocar a classe média brasileira. É claro, a esquerda não estava preparada pra isso, ninguém está preparado pra isso. Foi uma lógica de outro tipo de campanha que a gente nunca tinha visto. E uma campanha feita em cima do desprezo do embate no espaço público.”

O professor doutor em Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Wagner Romão também alertou, na Rádio Brasil Atual, sobre o fato de as fake news explorarem o preconceito e falsas associações de imagens, tendo afetado a repercussão do movimento #Elenão. Em função da pouca cobertura da mídia tradicional, a narrativa das manifestações foi perdida para os grupos que produziram notícias falsas. “Infelizmente aí a gente tem aquela antiga conexão entre os interesses políticos, econômicos com os interesses da grande mídia. Eles agiram para reforçar o fascismo que nós estamos vendo às portas de se tornar governo no Brasil”, aponta Romão.

“Queria lembrar que hoje já existe também o ‘Photoshop de áudio’que permite você criar através do som falas falsas, usando o timbre de voz da pessoa”, ressalta ainda Wisnik. “Chegamos a um ponto de hackeamento da democracia muito avançado, o que coloca em perigo e em suspeita a própria democracia com todos os fundamentos que sempre a ampararam.”

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

9 Comentários

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  1. tecnologia x controle

    Obviamente a teconologia tem sido usada para influenciar w manipular opinião na web. Fato. Obviamente, isso não deve ser permitido. Obviamente, as autoridades não conseguem controlar isso, Fato, E, também, obviamente, não deveria ser permitido que o fizessem.

    E, então?

     

  2. Viradas de última hora
     

    A última vez que vi o Major Olímpio foi num discurso na Assembléia Legislativa de São Paulo, no canal Alesp, sei lá quando e por acaso.

    Dizer que tenha havido uma “virada de última hora”, no caso dele,  é quase  uma inverdade.

    Ninguém nem sabia que ele era candidado.

    Sua eleição, a  meu ver , foi um milagre.

    Deve ter sido, mesmo, uma eleição de whatsapp.

     

  3. Tudo Flui

    As mudanças passaram a ocorrer mais rapidamente do a nossa capacidade de compreendê-las. Pior, parece que a velocidade está aumentando. Como será o futuro?

  4. Chamamento à razão

    Aos leitores desta,

    Chegou a hora, ou melhor, já pasou da hora, de parar de culpar uma geringonça telemática pelo fracasso da esquerda neste eleição. O uso desse sistema de mensagens em mobilização de massas é conhecido há um bom tempo, por todos, inclusive por quadros da esquerda.

    Não me venham, agora, com essa desculpa esfarrapada, de pato manco, de que esta merda de uatzap vem favorecendo o fascismo.

    Balela!

    Ele estava / está aí para ser empregado pelos dois lados.

    O que se pretende, com esse subterfúgio, é eximir-se da responsabilidade pela omissão do trabalho de esclarecimento, conscientização, politização das massas que deveria ter sido implementado desde, pelo menos, o início deste ano eleitoral.

    Chega de enganação!

  5. Democracia
    Ganhamos democraticamente 4 eleições presidenciais seguidas. E quando podemos vir a perder apenas 1 através do voto, começamos a alertar que a democracia corre risco? Desculpem-me, mas aprendi a assumir os meus erros, e não achar um culpado para eles.

  6. Se não me engano foi há pouco

    Se não me engano foi há pouco tempo, durante as campanhas que o WhatsApp passou a ter comunicação em grupo. Acho que foi lgo depois daquelas informações de fakes news no Face. Aí, como dizem os entendidos, como no Face é mais fácil detectar as mentiras, ganhou o outro programa, que também tem uma ferramenta poderosa para os analfabetos: a mensagem de áudio. 

    É uma faca de dois gumes. Serve muito e desserve muito também.

    Eu sumi do Face, e mal e porcamente me relaciono com pessoas no Zap. Comento algumas coisa num site da minha confiança, assim mesmo sei que podemos estar vulneráveis de todo modo.

    É bastante significativa uma matéira que li intitulada: QUANTOS AMIGOS VOCÊ PERDEU NESSA CAMPANHA? 

    Pra não perdermos não apenas um amigo, mas um familiar querido, o que dói mais, o relacionamento passa de morno para frio, pessoas se suportando a duras penas, mas nutrindo em si sentimentos negativos sobre a outra pessoa. 

  7. Se não me engano foi há pouco

    Se não me engano foi há pouco tempo, durante as campanhas que o WhatsApp passou a ter comunicação em grupo. Acho que foi lgo depois daquelas informações de fakes news no Face. Aí, como dizem os entendidos, como no Face é mais fácil detectar as mentiras, ganhou o outro programa, que também tem uma ferramenta poderosa para os analfabetos: a mensagem de áudio. 

    É uma faca de dois gumes. Serve muito e desserve muito também.

    Eu sumi do Face, e mal e porcamente me relaciono com pessoas no Zap. Comento algumas coisa num site da minha confiança, assim mesmo sei que podemos estar vulneráveis de todo modo.

    É bastante significativa uma matéira que li intitulada: QUANTOS AMIGOS VOCÊ PERDEU NESSA CAMPANHA? 

    Pra não perdermos não apenas um amigo, mas um familiar querido, o que dói mais, o relacionamento passa de morno para frio, pessoas se suportando a duras penas, mas nutrindo em si sentimentos negativos sobre a outra pessoa. 

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