Aguardando 2024, por Luís Nassif

Há um desarranjo geral, mais que nas instituições, na economia, mas nas próprias ideias, nos conceitos, como se um vendaval tivesse passado

Agência Brasil

Em outros momentos, a humanidade passou por retrocessos civilizatórios dessa ordem. Aliás, desde a internacionalização do capital, há momentos em que se entra em uma espiral tão profunda de desumanização, que só é interrompida por uma grande tragédia, capaz de trazer o bom senso de volta à humanidade.

Foi assim no século 19. Houve uma internacionalização do capital, como etapa seguinte ao da exploração colonial. Nos países emergentes, esse poder veio lastreado na financeirização do pensamento econômico, no financiamento de campanhas e na parceria com os capitais nacionais. Tornou-se um poder tão ilimitado que sobrepôs-se a qualquer forma de regulação.

No século 19, Manoel Bomfim já mostrava que, quando explodiam as crises, aparecia o “financista”, dizendo-se portador de verdades científicas, e passando a conta para o país. No seu período entre a deposição e a eleição para presidente, Getúlio Vargas referiu-se à economia liberal, como maneira de dar mais poder aos poderosos e deixar os vulneráveis ao desamparo. E incluía as famílias donas de jornais como parte central desse jogo.

Em todos esses períodos, o desmonte do Estado e das formas de regulação faziam parte da estratégia de estabelecer um poder ilimitado para o capital financeiro.

Pensava-se que o pesadelo Bolsonaro tivesse sido suficiente para despertar a Nação, por que o enfrentamento tratava-se de uma questão de sobrevivência nacional. Nenhum país sobrevive dominado pela lógica selvagem das milícias e do mercado.

Passado pouco tempo, percebe-se que nada se aprendeu, nem ao preço de 700 mil mortes na pandemia, nem na destruição de quase todas as políticas públicas, nem na parceria explícita entre a presidência e as milícias.

Há um desarranjo geral, mais que nas instituições, que na economia, mas nas próprias ideias, nos conceitos, como se um vendaval tivesse varrido todos os avanços civilizatórios do pós-guerra.

Lá atrás, quando Olavo de Carvalho e seus discípulos da Veja – especialmente Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi – expeliam impropérios contra o politicamente correto, acusavam professoras de psicologia de traficantes – por defenderem políticas de redução de danos -, delatavam alunos do Pedro 2o, por suas manifestações estudantis, tudo parecia uma extravagância retórica, para alimentar o novo mercado que surgia, da ultradireita.

Mas, adubado pela retórica do ódio e do desmonte do politicamente correto, e alavancando pelos algoritmos das redes sociais, a irracionalidade parece ter tomado conta de todo debate. Esquerda e direita se perdem em elocubrações desimportantes, em discussões estéreis, cada qual tratando de falar para sua bolha.

E a superficialidade parece dominar todos os cantos. Dia desses, assisti a um debate entre Mangabeira Unger e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso. A discrepância entre ambos era assombrosa e provavelmente não se devia apenas ao status de Mangabeira, de professor da Universidade de Harvard. Mangabeira tinha a sabedoria dos velhos, dos que enxergavam a realidade de forma sistêmica, dos que entendem que a formação de um país é tarefa complexa. Barroso, por seu lado, agia como um vomitador de slogans liberais, rasos como uma poça de água no asfalto.

Só que o sábio fala para poucos. E o fútil tem palanque para ousar desenhar um novo país, sem dispor de noção mínima sobre processos de formação da cidadania.

Quando se olha para o Executivo, o quadro não é muito melhor. O governo enredou-se em um programa único, que o tornou totalmente dependente do Congresso, de Arthur Lira. Há temas capazes de unificar a opinião pública, temas que estão acima das quizílias ideológicas, das disputas partidárias, mas que não aparecem no discurso presidencial, menos ainda dos Ministros.

Espera-se que no próximo ano, liberto da dependência da Câmara, Lula proceda a uma reforma ministerial, encontre o discurso correto e comece a enfrentar o enorme desafio de reconstruir um país – não apenas as instituições, mas os conceitos, a lógica de desenvolvimento.

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Luis Nassif

2 Comentários

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  1. Quem não está cansado? Temos sempre a morte para descansar é bom lembrar. O Brasil decidiu ser o Brasil a coisa mais importante. Futebol, música, arroz com feijão, alegria e autoestima elevada, um peixe bom eu vou trazer e a Deus do Céu vamos agradecer…
    Companheiros santistas de glórias e virtudes eternas, tenham força e fé. A vida nos ensina pela dor muitas vezes.
    Palestrinos aprenderam que a surpresa é a maior arma na guerra.
    Palestinos, a vitória chegará

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