Brasil será palco do G20 em 2024, por Mª Luiza Falcão Silva

O G20 engloba o G7, composto pelas maiores potencias econômicas, ditas democráticas, do propalado mundo desenvolvido

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Brasil será palco do G20 em 2024

por Maria Luiza Falcão Silva

O Brasil assumiu, em primeiro de dezembro de 2023, a presidência do Grupo dos 20 (G20). Criado em 1999, o G20 surgiu após as sucessivas crises internacionais, econômicas e financeiras, da segunda metade da década de 1990. Foi inicialmente concebido como uma organização de ministros de economia e finanças e presidentes de bancos centrais de 19 países mais União Europeia. Não havia presença de chefes de Estado. Esses países, os mais avançados em termos de industrialização, são:  Alemanha, África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Rússia e Turquia.  Em 2023, juntou-se ao grupo a União Africana (que agrega 55 Estados membros). Para se ter uma dimensão, o bloco representa cerca de 85% do Produto Interno Bruto mundial, mais de 75% do comércio global e agrega 60% da população do planeta. O G20 engoliu o G7.

O argumento para constituição do Grupo dos 20 foi que à medida que as economias nacionais se globalizavam, o trabalho colaborativo entre os líderes políticos e financeiros se tornaria uma necessidade. O G20 engloba o G7, composto pelas maiores potências econômicas, ditas democráticas, do propalado mundo desenvolvido – Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália e Japão. Em 1998, o G7 virou G8 com a entrada da Rússia. A justificativa era incorporar o País na economia global após o colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Contudo, os russos foram expulsos do grupo em 2014, após a anexação da Crimeia. Hoje, com a invasão  da Ucrânia pela Rússia, não há qualquer possibilidade de diálogo. Mais, as economias do G7 já não são as sete maiores economias do mundo, uma vez que a China e a Índia, de acordo com dados recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), passaram a ocupar, respectivamente, os 2o e 5o lugares em termos de tamanho do Produto Interno Bruto (PIB) e hoje não fazem parte do restrito grupo. Se o fizessem, desbancariam a Itália e o Canadá. O PIB brasileiro foi estimado em US$ 2,13 trilhões em 2023, ultrapassando o do Canadá, com PIB previsto de US$ 2,12 trilhões. Quiçá ultrapassará a Itália e chegará em oitavo lugar. Bagunçou tudo.

A questão é: Há de fato indícios de que esse grupo caminha na direção do trabalho colaborativo? O que esperar da reunião do G20 em 2024 no Brasil?

Na atualidade, a Cimeira sobre os Mercados Financeiros e a Economia Mundial, conhecida como a reunião do G20, é um encontro anual de ministros das finanças e de chefes de Estado das maiores economias do mundo, independentes de serem democráticas ou não. Os chefes de Estado reuniram-se, oficialmente, pela primeira vez, em novembro de 2008, quando a crise financeira, popularmente chamada de crise do subprime, originada nos Estados Unidos com o estouro da bolha das hipotecas, contaminou o resto do mundo e se transformou em um dos piores desastres econômicos globais depois da Crise de 1929.

A Cúpula do G20 vai se consolidando como um dos principais foros de “cooperação internacional”, mas até que ponto essa cooperação vem de fato se concretizando? A cimeira ou cúpula anual é organizada pela nação que detém a presidência rotativa. No próximo ano, será o Brasil. O encontro dura dois dias mas é precedido por inúmeros grupos de trabalho e encontros temáticos preparatórios que se desenrolam pelo ano inteiro e culminam na Cimeira onde, após infindáveis debates e reuniões se emite uma Declaração Conjunta, uma espécie de consenso para uma ação coletiva em torno de questões centrais. Nela, os países membros se comprometem a agir, embora a declaração não seja ‘juridicamente vinculativa’. O Brasil, que pela primeira vez na história assume a presidência rotativa do bloco no seu atual formato, comemora efusivamente essa novidade. Não vai ser fácil.

A 2ª reunião de cúpula do G2O com participação de chefes de Estado e de governos ocorreu em 2009, em Londres. A Declaração Conjunta  de 2009, em sintonia com o pós crise  de 2008, estabeleceu como metas: restaurar a confiança, o crescimento e os empregos; reparar o sistema financeiro a fim de restaurar o crédito; fortalecer a regulação financeira para reconstruir a confiança; capitalizar e reformar as instituições financeiras internacionais para superar a crise e prevenir outras no futuro; promover o comércio e investimento globais; rejeitar o protecionismo para garantir prosperidade;  e promover uma retomada do crescimento que fosse inclusiva, verde e sustentável.  Talvez  tenha sido a mais importante Cúpula tal era a urgência de ação conjunta para salvar o capitalismo. Daí em diante foram perdendo em importância e efetividade.

A Cúpula deste ano, a 18a, foi realizada em Nova Délhi, na Índia, entre 9 e 10 de setembro, e foi marcada pelo embate em torno da guerra da Ucrânia entre os Estados Unidos e os países da OTAN de um lado, e a Rússia e aliados, inclusive a China, do outro. A China não compareceu, provavelmente por conta do aumento das tensões com o país anfitrião em disputas na fronteira. O presidente da Rússia também não foi para não correr o risco de ser preso. Tratar da guerra no âmbito da reunião foi um desafio, quase um pesadelo.

Outro tema abordado e com muitos impasses e controvérsias foi a questão climática e a proposta de limitação do uso de combustíveis fósseis como forma de se contrapor ao aquecimento global. Todos são conscientes da necessidade urgente de descarbonizar. Mas,  na verdade, um dos subprodutos da guerra na Ucrânia foi exatamente o retrocesso em relação ao combate ao uso de combustíveis fósseis.

A Declaração Conjunta da 18ª Cúpula quase não saiu por falta de consenso entre as partes. As divisões no bloco das 20 maiores economias do mundo ficaram bastante explícitas e a Cúpula encerrou com uma certa sensação de fracasso. O Estados Unidos tentaram  todo o tempo compor com a Índia, estratégia para conter a aliança entre Pequim e Moscou que se fortaleceu com a guerra no leste europeu. Foi uma forma, também, de aproximação com o Sul Global que para Joe Biden foram ‘engolidos’ pelos chineses.

Como sempre cheia de intenções, declarações de princípios e metas sem concretude foi divulgada a Declaração Conjunta do encontro da Índia composta por nada menos do que 76 itens. O documento destaca a necessidade de ação conjunta em tópicos como: a necessidade do mundo buscar formas mais sustentáveis de desenvolvimento econômico; garantia de pleno respeito pelos direitos humanos e pelas suas liberdades fundamentais, independentemente do seu estatuto migratório; profunda preocupação com o imenso sofrimento humano e o impacto adverso das guerras e conflitos em todo o mundo.

No mês seguinte à Cimeira de Nova Délhi, em 7 de outubro, o ataque homicida do Hamas a uma concorrida festa “rave”, em Israel, deixou centenas de mortos e o mundo perplexo.  Estourou a guerra de massacre entre Israel e Palestina, mudando o foco das atenções do Leste Europeu para o Oriente Médio. A região é uma das maiores produtoras de energia e petróleo do mundo de forma que há risco de transbordamento dos choques, via  cadeias produtivas globais, afetando o fornecimento de óleo e matérias primas estratégicas e  seus preços.  Mais um agravante para a economia mundial que desde a pandemia pelo coronavírus tem enfrentado múltiplos distúrbios – inflação, aumento da pobreza, guerra na Ucrânia e eventos climáticos extremos que sinalizam que chegamos no limite para mudar nosso modelo de desenvolvimento na direção de outro cujo motor não sejam os combustíveis fósseis.

É nessa conjuntura global adversa que se realizará, no Brasil, no próximo ano, a reunião do Grupo dos 20, com um membro a mais, a União Africana.

Pelo visto, é difícil o trabalho cooperativo nesse grupo para enfrentar os problemas globais. Muito pelo contrário, o que se vislumbra são os mesmos dois consórcios de países   que possuem cadeias de produção e oferta de matérias primas subordinadas de um lado à China, e do outro aos países do G7 liderados pelos Estados Unidos, controlando a economia mundial. Em momentos de guerra, o comércio de commodities, petróleo e gás e seus derivados; alimentos; grãos; fertilizantes; metais e outras matérias-primas estratégicas, funciona como canal transmissor dos efeitos dos conflitos ora provocando escassez de mercadorias, ora se traduzindo em choques de preços, criando entraves ao crescimento dos países totalmente interdependentes no mundo globalizado.   

A próxima Cúpula, a de número 19, ocorrerá no Rio De Janeiro entre 18 e 19 de novembro do próximo ano. O presidente Lula já antecipou na Índia, em setembro deste ano, e depois na recente Convenção das Partes das Nações Unidas sobre mudanças climáticas (COP 28) nos Emirados Árabes Unidos, que pretende dar centralidade a três tópicos que fazem parte do seu discurso nas tratativas internacionais desde que assumiu o 3º mandato em janeiro de 2023: i. Inclusão social e combate à fome, à pobreza e à desigualdade; ii.  Promoção do desenvolvimento sustentável com a transição para uma matriz energética mais limpa; iii. Promoção de efetiva reforma das instituições de governança global para que se adequem à atual geopolítica, com ênfase especial no Conselho de Segurança da ONU. Antecipou, também, sua disposição de convocar para a Cúpula do G20, Angola, Egito, Nigéria, Espanha, Portugal, Noruega, Emirados Árabes Unidos e Singapura. É de praxe nessas reuniões participarem outros países a convite do país hospedeiro.

Os tópicos de Lula são todos muito relevantes, mas muito amplos, muito genéricos. Corremos o risco de fazer um esforço imenso e não conseguirmos nos diferenciar, caindo no lugar comum das últimas reuniões do G20. É preciso não repetir o que aconteceu em Délhi. Tem que saber propor e dizer como fazer! Definir com clareza o que é possível acordar.

Há mais uma peça no jogo político e econômico. O encontro do G20 no Brasil coincidirá com as eleições presidenciais nos EUA, novembro de 2024. É muito cedo para prever o que está por vir.

Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA. 

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