Crescimento sustentável ou Terra arrasada?, por Maria Luiza Falcão Silva

O que esperar da COP 28? Ela é muito importante porque desde o Acordo de Paris será a primeira avaliação dos progressos obtidos pelos países

Ricardo Stuckert

Crescimento sustentável ou Terra arrasada? 

por Maria Luiza Falcão Silva

Em meio a eventos climáticos extremos com ondas de calor intensas, inundações, derretimento de geleiras, terremotos, tempestades e outros fenômenos naturais em dimensões antes nunca vistos em termos de destruição e mortes, os chefes de Estado do mundo inteiro se reúnem, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, a partir de 30 de novembro de 2023 , para, mais uma vez, discutir questões relacionadas ao aquecimento global e seus efeitos. Sob muitas expectativas inicia-se a COP28.

Em junho de 1992, no Rio de Janeiro, foi realizada a ECO/92, Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento que criou a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre mudanças climáticas (UNFCCC , na sigla em inglês) e firmou-se o compromisso de que os países participantes se reuniriam anualmente em Conferências das Partes (COPs) para debater as mudanças climáticas e buscar soluções para os problemas ambientais que ameaçam destruir a Terra. Nessas reuniões, acordos são assinados com o objetivo central de diminuir o aquecimento global por meio da redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), na direção de um desenvolvimento sustentável. As alterações climáticas são provocadas por ações humanas. São em grande parte consequência da criação de indústrias baseadas em combustíveis fósseis e outras práticas de produção que implicam em altas emissões de GEE. De 1992 para 2023, foram realizadas 27 COPs.  

A COP3, realizada em Kyoto, no Japão, em 1999, foi muito importante porque levou à assinatura do Protocolo de Kyoto – um dos principais acordos mundiais relacionados à redução de GEE.

Contudo,  foi a COP-21 de 2015, realizada em Paris, França, com a participação de chefes de Estado  de 197 países que representou, de fato, uma mudança de rumo em relação às anteriores. Foi firmado um acordo inovador (conhecido como Acordo de Paris) entre as nações, no qual elas se comprometeram, pela primeira vez, a implementar metas quantitativas nacionais, para a redução das emissões de GEE até 2025 – 2030, com revisões a cada cinco anos para tentar garantir o cumprimento da meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C.  

O Acordo de Paris criado para substituir o Protocolo de Kyoto a partir de 2020, foi o primeiro pacto que de fato visou pressionar países para executarem seus planos de ação na direção da “economia verde”. Em Kyoto se reuniram representantes de 145 países, mas o Protocolo foi ratificado por apenas 55. Os EUA, à época o maior emissor de GEE, recusou-se a ratificar o Protocolo porque, para o presidente George W. Bush, as metas estabelecidas prejudicariam a economia do país. Bush questionou o fato de não haver metas para os países em desenvolvimento. O tratado entrou em vigor no dia 16 de fevereiro de 2004, após a ratificação da Rússia.

A COP 26, em Glasgow, na Escócia, ocorreu em novembro de 2021, após múltiplos adiamentos em razão da pandemia da Covid -19. Depois de duas semanas de intensas negociações, os quase 200 países presentes à conferência assinaram mais um acordo cujo texto final estabeleceu mais do mesmo: a necessidade de redução global das emissões de dióxido de carbono em 45% até 2030, na comparação com 2010, e de neutralidade de liberação de CO2 até 2050 – quando as emissões deverão ser reduzidas ao máximo e as restantes compensadas por reflorestamento e tecnologias de captura de carbono da atmosfera. A meta é  a posição de emissões líquidas zero. Foi pactuado que as nações apresentariam, no ano seguinte, 2023, novos compromissos de redução de GEE. No último momento, a troca de duas palavras no corpo do acordo derrubou todas as esperanças de quem vem acompanhando essas negociações desde bem antes do Acordo de Paris. Por pressão da Índia e da China, os países concordaram em esvaziar um dos principais trechos do texto, que falava em “abandono gradual do uso de carvão e subsídios a combustíveis fósseis”. Em vez de se comprometerem a abandonar, o acordo fala em acelerar a “diminuição” dessas fontes altamente poluentes de energia, decepcionando milhares de membros da sociedade civil organizada, ativistas do clima do mundo inteiro, ONGs, organismos governamentais e empresários, presentes em número crescente, a cada nova COP. Ao final da COP26, o presidente da Conferência, Alok Sharma, emocionou-se ao dizer que lamentava que as negociações tenham resultado nessa última versão sobre combustíveis fósseis, mas era necessário chegar a um “consenso”.  Pressão de países que dependem de energia a carvão e de grandes exportadores de petróleo, como Arábia Saudita, Índia, China e Rússia foram, mais uma vez, vitoriosos.

Na verdade, os países em desenvolvimento reunidos no famoso grupo G77, algo em torno de 133 países, desde os primeiros encontros da ONU para debater o efeito estufa, buscam assegurar seus interesses domésticos de crescimento econômico, defendendo a soberania nacional e o direito ao desenvolvimento, respeitando o “princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas” . Consagrado na Rio 92,  esse princípio  rompe com a norma de igualdade jurídica entre estados soberanos ao estabelecer que: todos têm o dever de promover formas de combater a degradação do meio ambiente, porém, os maiores emissores de gases de efeito estufa, que são os países desenvolvidos, devem arcar com os custos maiores. O argumento é de que eles têm responsabilidades históricas sobre as mudanças climáticas e têm de assumir a liderança na redução substancial das emissões, fornecendo apoio financeiro e técnico aos países em desenvolvimento para que possam crescer enfrentando os desafios da erradicação da pobreza e a melhoria da qualidade de vida de seus povos, a proteção do meio ambiente e o enfrentamento das alterações climáticas decorrentes da aceleração do crescimento.

A última COP, a de número 27, aconteceu no Egito, em novembro do ano passado, e reuniu 195 países, e mais de 20 mil agências especializadas, organizações intergovernamentais e não governamentais, diplomatas, cientistas e a midia internacional. Cada vez mais as COPs se tornam eventos midiáticos e espetaculosos. Os resultados não têm sido nada satisfatórios. O ano de 2022 foi marcado pelo agravamento de fenômenos climáticos adversos no mundo inteiro. Nas ondas das inundações do Paquistão e das secas na Africa e na China morreram milhares de pessoas e outras tantas mundo afora por conta dos impactos da seca na produção de alimentos. Os termômetros registraram temperaturas recordes. No Brasil, por exemplo, temos experimentado números superiores a 44 graus Celsius. Essa COP foi marcada por apelo aos mais desenvolvidos por recursos para combate ao efeito estufa com ênfase nas finanças climáticas; descarbonização da economia; adaptação às mudanças climáticas, já em curso, e necessidade de transformações da agricultura em prol de uma produção limpa e que atenda aos novos desafios.

A conferência das Nações Unidas, em Dubai, a COP 28, abre com pompas e circunstâncias sob os protestos contra a presidência do sultão Al Jaber, presidente da maior petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos. É de conhecimento de todos que a redução no uso de petróleo e gás é condição necessária na luta contra o aquecimento global.

O que esperar da COP 28 já iniciada em Dubai? A COP 28 é muito importante porque desde o Acordo de Paris será a primeira avaliação dos progressos obtidos pelos países para impulsionar o combate às alterações climáticas. Metas quantitativas acordadas para 2030, de redução de GEE em 45% serão examinadas. O norte é alcançar emissões líquidas zero até 2050. Essa COP é decisiva, também, para avançar nas questões envolvidas no financiamento climático.  Sem dinheiro os países em desenvolvimento pouco avançarão ainda sufocados pelos efeitos da epidemia da Covid-19, da conjuntura internacional adversa e com dever maior de todos,  erradicação da pobreza extrema.

Assisti a duas  COPs no passado. O momento é sempre de protestos contra as sérias ameaças ao planeta Terra, mas, também, de diálogos e esperanças.

O encontro não contará com as presenças de Joe Biden e Xi Jinping, coincidentemente líderes das duas maiores potências do mundo em PIB e em emissões de gases de efeito estufa. São também países que deram saltos importantes na busca de soluções para redução de GEE. Lideram a produção de carros elétricos e investem cifras gigantescas na geração de energia limpa. A China possui hoje ¼ da capacidade de geração de energia eólica do mundo.

Biden elegeu-se na rasteira da ideia de “economia verde”. Os Estados Unidos ratificaram o Acordo de Paris. Na gestão do presidente negacionista Donald Trump, decidiram deixá-lo por não acreditarem que as emissões estejam diretamente ligadas a questões como aquecimento global. Para Trump, as leis ambientais prejudicam o crescimento econômico e são responsáveis pela perda de empregos nos EUA.

No governo de Joe Biden, que se iniciou em 2021, os EUA voltaram a se integrar ao Acordo de Paris. Nas duas COPs ocorridas durante sua gestão havia uma clara ambição de se consolidar como o maior líder mundial na questão do desenvolvimento sustentável. Parece que as guerras na Ucrânia e na Palestina se tornaram mais lucrativas e máquina de votos para lhe levar a um segundo mandato.

A ausência de, Biden,  Xi Jiping e Putin ( que pode ser preso se sair do país) abrem espaço para Lula despontar como a maior liderança da conferência. Na COP 28 os líderes mundiais terão que sinalizar qual a alternativa que pretendem trilhar: a do desenvolvimento sustentável ou da Terra arrasada? A ciência mostra que chegamos ao limite.

Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA. 

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