Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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O forte ajuste da indústria de petróleo e gás

Do Blog Infopetro

Por Renato Queiroz

A Situação

Em uma conjuntura de queda do preço do petróleo com excesso de oferta, arrefecimento da economia chinesa – sendo a China o primeiro consumidor de petróleo – e retorno do petróleo iraniano ao mercado, aumenta fortemente a insegurança dos investidores na indústria de óleo e gás. Os inúmeros fóruns de debates com a presença de executivos de empresas petroleiras, prestadoras de serviços, consultores especializados vêm avaliando quais as consequências, as sequelas e as perspectivas dessa indústria.

Há, hoje, uma movimentação intensa de contratação de consultores especializados para mapear a situação em detalhes e apontar soluções que tragam melhores resultados para as companhias de petróleo e gás, prestadoras de serviços e fornecedoras de equipamentos. É uma nova crise para entrar na lista das grandes crises da indústria do petróleo com fortes resultados negativos: falências, desemprego, prejuízos.  Segundo o professor do GEE Edmar de Almeida: “as empresas operadoras estão tentando se ajustar à nova realidade de preços através do corte dos investimentos. Isto terá um impacto devastador para a cadeia de fornecedores que terá que realizar um ajuste ainda maior. Basicamente, ainda vamos ver muito desemprego e um número importante de empresas quebrando”. (Edmar, 2016)

A tônica é: como ajustar as contas? Os executivos da indústria de óleo e gás e também seus credores já entenderam que uma recuperação satisfatória, para estancar os prejuízos com essa queda dos preços do petróleo, não deve ocorrer no curtíssimo prazo, talvez um ano ou um pouco mais.  A situação não é animadora para grandes aumentos do preço do petróleo, dizem os analistas.  Acontece que esse tempo pode ser longo. Muitas empresas podem não suportar um jogo de perdas acumuladas.

E como as majors vão mudar seus rumos de negócios?  O fato é que a queda dos lucros das empresas e dos fundos públicos dos países produtores de petróleo é alta.  A diminuição de arrecadação tributária vem abalando as finanças dos países produtores.

No entanto, anos antes da crise, uma luz vermelha deveria ter sido acesa no planejamento financeiro das petroleiras.  Afinal, embora os preços do petróleo estivessem altos e a demanda aquecida, as margens não acompanhavam o percentual de aumento dos investimentos. Talvez os cenários alternativos de preços mais baixos de petróleo não tivessem sido suficientes para que as empresas assumissem mudanças de rumos ou fossem capazes de indicar movimentos mais cautelosos nas estratégias de suas empresas. Ou, quem sabe, não foram feitos esses cenários. Assim, vale ressaltar que a Petrobras não foi a única empresa que trabalhou em seus Planos de Negócios considerando o preço do óleo cru super avaliado.

Mas é difícil comparar as causas dos resultados negativos financeiros entre empresas; pois há movimentos individuais que podem agravar os resultados ainda mais.  No caso da Petrobras houve outros fatores que influenciaram no nível de perdas, aprofundando ainda mais os prejuízos.

As contas das companhias petrolíferas têm duas parcelas significativas: as descobertas economicamente atrativas e o preço internacional do petróleo. Os cenários estratégicos devem trabalhar mexendo com essas duas parcelas, além do monitoramento dos meandros geopolíticos dos grandes produtores de petróleo. 

Cenários desfocados

Mas por que o planejamento de cenários que nos foi ensinado por Pierre Wack e sua equipe na Shell não atuou na crise atual?  Na década de 70, a equipe da Shell ficou conhecida ao utilizar essa técnica na busca de eventos que pudessem afetar o preço do petróleo auxiliando, assim, a tomada de decisões organizacionais.  Para Wack, o fator importante era a oferta: as decisões estratégicas na indústria de petróleo mundial viriam de quem controlava as reservas. Tal estudo estratégico teve um resultado fantástico para a Shell.  Nos anos 70 quando houve a conhecida alta dos preços de petróleo, a Shell, que não estava nos primeiros lugares dentre as sete grandes Petroleiras da época, teve lucros extraordinários, passando a ser referência em previsões para a indústria de petróleo.

Mas volta a questão: por que a ferramenta de cenários não atuou satisfatoriamente nas previsões para evitar tal magnitude dos prejuízos?

Há um fato a ressaltar: entre janeiro de 2002 e julho de 2008, o preço do Brent cresceu 584% em valores nominais, passando de US$ 19,42/barril para US$ 132,72/barril. Nesse período, o barril de Brent alcançou, em 11 de julho de 2008, um pico de cotação diária de US$ 143,9/barril. Apesar desse elevado patamar de preços, várias instituições continuavam apontando para a manutenção de um forte viés de alta das cotações. No entanto, em agosto, a média mensal dos preços do petróleo caiu 26,7%, atingindo US$ 113,24/barril (EPE 2008).  Tal fato nos leva a crer que os analistas avaliaram que esse movimento era um ajuste no nível dos preços de petróleo e não mexeram nas suas lentes, para perceberem que poderia ser uma reversão de tendência de alta do preço dacommodity. Isso representaria um fato portador de futuro. Assim, alguns cenários de queda de petróleo já poderiam ter sido ensaiados, monitorados, reavaliados mais de perto.  Mas a recuperação dos preços nos anos posteriores tirou do radar, com certeza, esse movimento de queda. Ver a figura 1 abaixo.

Figura 1. Variação do Preço do Petróleo

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Fonte: Agência Reuters

Para o economista Paul Krugman, “havia uma crença entre economistas de que, quando a cotação do barril de petróleo caía, abria-se um contexto favorável à economia mundial, uma vez que as pressões inflacionárias sobre os países importadores seriam menores, os consumidores teriam mais dinheiro no bolso e as empresas ganhariam mais disposição para investir. Isso ocorria quando o preço do barril caía entre 10% e 20%, mas não em um cenário em que a redução é de 70%” (E-internacionalista 2016).

Outra explicação sobre a falta de percepção dos analistas para a curva descendente dos lucros das grandes petroleiras foi a de que, antes mesmo da forte queda do preço do petróleo, o foco era o sucesso das empresas americanas de fracking.  A revolução do não convencional americano levou os EUA  a reduzirem suas importações, passando a China a ser o maior importador.  A produção americana quase dobrou ao longo dos últimos anos, e empurrou para fora do país as importações de petróleo.  Esse fato levou a diversas análises sobre a mudança de expectativas da economia americana e os efeitos desse papel dos Estados Unidos na geopolítica do petróleo.  Mas nada se viu sobre a tendência de queda dos lucros das empresas Petroleiras que vinha ocorrendo.

Hoje muitas empresas que exploram o óleo e o gás não convencional nos Estados Unidos estão com suas portas fechadas, abaladas pela crise.  A estratégia da Arábia Saudita teve seus objetivos alcançados.

As empresas americanas que atuam nos serviços de fraturamento hidráulico buscam, sob um grande esforço, negociar com os fornecedores a baixa dos preços dos insumos, para continuarem no mercado.   A companhia americana especializada em análise de riscos corporativos CreditSights prevê que, entre 2015 e 2017, quase a metade das empresas americanas do setor de óleo e gás poderá falir (E-internacionalista, 2016).

Projetos de Alta Tecnologia Postergados

As companhias de Petróleo têm uma tradição de investimentos em pesquisas em inovações tecnológicas que resultam em complexos projetos. No entanto, a atual crise vai postergar a conclusão de projetos tecnológicos inovadores.  O que se lê dos executivos da área de petróleo é que suas empresas vão focar, cada vez mais, em tecnologias que reduzam custos e melhorem a eficiência das maiores empresas de petróleo.

Mas os projetos de grande complexidade tecnológica que são locomotivas do desenvolvimento futuro dessa indústria e exigem vultosos investimentos devem ter seus cronogramas postergados. Nesse contexto, destacam-se a tecnologia CCS – Carbon Capture and Storage -, ou seja, a captura e armazenamento de CO2.  Também entre esses projetos as plantas flutuantes de liquefação de gás natural -Floating Liquefied Natural Gas –FLNG.

A CCS é uma tecnologia tida como fundamental pelos órgãos ambientais para combater as alterações climáticas, juntamente com o uso de fontes de Energia Renovável e da Eficiência Energética. A crise das majors faz com que recursos governamentais sejam necessários para o desenvolvimento de novos projetos. Mas as dificuldades financeiras de muitos governos corroboram para as postergações dos projetos. Um exemplo é o Peterhead CCS projeto da Shell na Escócia. O projeto tinha um planejamento definido através de uma parceria entre a indústria e o governo inglês. Mas o projeto teve um revés quando o governo cortou o financiamento. O interessante desse projeto que, no médio prazo funcionaria como âncora para desenvolver um hub CCS na região, será adiado sem definição de prazo. A Shell continua ainda envolvida em projetos de captura e armazenamento de carbono em outros países como Canadá, Austrália e Oriente Médio. (…) continua no Blog Infopetro.

 

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

5 Comentários

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  1. Tem momento pior (para o Brasil) / melhor (p/abutres) p/vender?

    Parente é Serpente: golpe ataca Petrobras e Pré-sal       

    Por Romulus

     

    – A escandalosa fraude político-jurídico-administrativa, em que um governo – ainda em seu interinato! – arvora-se o direito, já que o STF e a PGR assim permitem, de praticar atos da maior relevância programática e de difícil (impossível?) reparação.

    – Mesmo que Parente acredite que a desestatização seja benigna, como pessoa pública aceita usar uma fraude fiscal como álibi para vender o patrimônio da União.

    – Tal venda – num momento de depressão de preços na indústria do petróleo em nível mundial e de depreciação dos ativos nacionais pela conjuntura política e econômica e pela desvalorização do Real – constitui uma lesa ao Estado brasileiro sem precedentes.

    – Como que uma empresa cuja emissão de títulos tem mais procura do que aquilo que ofertou precisa de capitalização pelo tesouro nacional? Caso a vontade fosse não dispor levianamente do patrimônio da empresa, bastaria, como no passado, lançar mão de uma operação de cessão onerosa.

    Parente é Serpente: golpe ataca Petrobras e Pré-sal

    Por Romulus

    Começo mal o post de hoje, já me desculpando:

    – Mario Monicelli – onde quer que esteja – no céu, no nada ou em tudo que (não?) existe no meio – perdoe-me por usar o título e as fotos do seu excelente filme de humor negro de 1992 para ilustrar este post. É que, como vemos no Brasil de hoje, há mais de uma acepção possível para “parente”, “serpente” e mesmo para a expressão composta: “Parente serpente”.

    Saibam, Mario e demais, que o presidente da Petrobras, Pedro Serpente, digo, Pedro Parente, empossado hoje no cargo, disse que a companhia vai “vender ativos para evitar repasses do Tesouro Nacional”.

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    1. comissao

      No filme Lobo de Wall street o personagem principal dita que em uma transaçao de compra e venda nunca se sabera  se foi um bom ou mal negocio para as partes envolvidas a unica certeza é a comissao do vendedor.

      No governo anterior ao de Lula I , vimos sujeitos que nada tinham (alguns só tinham um terno ou jaqueta de couro) virarem criadores de cavalos turistas que viajam de aviao pra europa , empresarios que fracassam sucessivamente em seus empreendimentos mas nunca empobrecem ,filhos que compram sorveteiras por quantias exorbitantes e aparecem em lista da forbes , enfim Aloysio Biondi costumava contar que só no desmonte do sistema telebras  distribuiram mais de 100 bilhoes de dolares !

      Por isso a pressa desse governo em privatizar o que puderem o mais rapido possivel , nao estao pensando no pais querem ser bilionarios embolsando fortunas em comissoes para subvalorizar o que sera privatizado .  

  2. Naval

      A cadeia produtiva e tecnológica da industria de construção/reparação naval, tambem esta indo para o buraco, pois é muito dependente, complementar da cadeia “oleo & gás “.

    1. Totalmente – tinha estaleiros

      Totalmente – tinha estaleiros e empresas de serviço de apoio como clientes, fora as petroleiras propriamente ditas.

      É impressionante nossa vocaçao de Penélope: bordamos num dia e na noite desfazemos todo o bordado.

      A carteira de compras da Petrobras foi fundamental para fazer a industria naval renascer das cinzas. Agora…

      1. O legislativo, o judiciario e os gringos

        Os americanos nao deixam tao facilmente areas estrategicas nem as que empregam muita gente ir para o buraco. Essa estrategia do petroleo barato deles é conjunta com os paises da OPEP depois que eles conseguiram expadir as operacoes de fracking. Assim conseguem frear paises emergentes que estavam se beneficiando pela industria do petroleo, papel que eles abertamente julgam ser deles mesmos.

        Dessa forma estao tentando produzir uma segunda janela historica, assim como anos 90,  para fazer uma onda de “liberalizacao” de mercados (leia-se comprar empresas com futuro promissor nos mercados emergentes a preco de banana). Essa velha tatica que beneficia a os eua e a europa ha dezenas de anos so pode ser combatida nos mercados alvo com um cambio alto e com as grandes empresas alvo com bastante “gordura”. Velha estrategia protecionista que os europeus usam ha tempos em seu mercado de meio bilhao de pessoas para se proteger dos americanos (que milagrosamente imprimem dinheiro sem inflacionar).

        Minha tese é que o judiciario, na figura do general Mouro em concluio com os safados togados do STF, estao sendo o instrumentalizador da dieta aplicada em varias grandes empresas brasileiras (prezou cacar um partido ao inves de apoiar um projeto genuinamente nacional). Corrupcao pode ser combatida de varias formas e me parece que os apredizados que ele teve na Italia e nos EUA mais prejudicaram o pais do que o livrou da corrupcao (como se ve tem mais bandido no poder do que antes).

        O fim bolha da construcao civil (do mercado imobiliario e pelo pos-grandes-eventos) ja era previsto ha tempos e medidas anti ciclicas poderiam ter sido tomadas caso o legislativo nao tambem nao fosse um antro de maniacos, egoistas, imorais, incompetentes e desequilibrados. Figurativamente estas duas esferas sao metastases com membros, pelos e dentes que brotam do corpo da nacao brasileira. O executivo é quem leva a bronca mas so tem um papel de coordenacao e distribuicao de cargos por acerto entre os partidos sendo controlado pelos outros dois poderes. Nao é a toa que a Dilma esta quase que praticamente fora sem ter feito nada “de especial” enquanto inumeros outros exemplos, incluindo a filha e a mulher do Cunha, nao sendo nem intimadas para depor.

        Resumindo, quem faz contra o povo e contra a sociedade brasileira, tipico da internacionalmente reconhecida corrupta elite brasileira, tem tratamento VIP no judiciario e no legislativo.

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