A Emenda do Teto de Gastos e as eleições presidenciais de 2022, por Fernando Mundim Veloso

Pouco ou quase nada se debate acerca da constitucionalidade da emenda.

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A Emenda do Teto de Gastos e as eleições presidenciais de 2022.

por Fernando Mundim Veloso

No presente mês de outubro do ano de 2022, ocorre o segundo turno das eleições presidencias mais polarizadas desde a vigência da Constituição de 1988. No meio de tamanho acirramento eleitoral, muitos meios de comunicação questionam se os concorrentes a ocupar o Palácio do Planalto respeitarão a chamada regra do Teto de Gastos, instaurada através da Emenda Constitucional 95 de 2016, ainda no conturbado mandato do presidente Temer. Porém muito pouco é debatido sobre se esta mudança radical do Sistema Constitucional respeita as normas materiais do Regime Jurídico instaurado pela Carta Magna após a redemocratização do Estado Brasileiro.

Tal discussão se faz necessária, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal de nosso país, recebeu sete ações questionando justamente a constitucionalidade da referida emenda. Ao todo sete foram propostas por associações de classe e por partidos políticos. Estas foram reunidas em uma só e atualmente se encontram conclusas com o relator, sem data prevista para o julgamento.

O atual titular do Poder Executivo Federal e candidato à reeleição, através de nova Emenda Constitucional, decretou Estado de Calamidade e por conta dessa decretação, pode extrapolar o limite do Teto de Gastos durante o presente exercício fiscal. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, frequentemente tem dado a entender em manifestações por redes sociais ou em discursos, que espera rever a regra de contenção de gastos. Porém, não é noticiado a existência das ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) direcionadas à nossa Suprema Corte.

A Constituição de 1988, como bem leciona o ilustre professor Lênio Streck, trouxe para o Brasil a promessa da modernidade tardia. Conhecida como a Constituição Cidadã, por ter colocado no cerne de seu ordenamento jurídico a defesa da Dignidade da Pessoa Humana, o Diploma Normativo Magno, foi pródigo ao instituir Direitos Fundamentais aos cidadãos. Mais do que uma mera declaração política de intenções, o Estado brasileiro comprometeu-se juridicamente a cumprir a efetivação de direitos sem os quais o cidadão brasileiro não tem condições de ter uma vida minimamente digna.

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Ciente da importância dos Direitos Fundamentais, os arquitetos da Constituição de 88, criaram mecanismos de proteção a estes direitos. Nesse sentido, o próprio texto constitucional determina que Direitos Fundamentais não podem ser revogados nem mesmo através de uma nova emenda.

Dessa forma, os propositores das ADIs que questionam a constitucionalidade da Emenda Constitucional 95, entendem entre outros argumentos, que esta mudança revoga na prática uma série de Direitos Fundamentais, tendo em vista que o Estado brasileiro, ao ser impedido constitucionalmente de aumentar investimentos em Direitos Sociais, estes ficariam sem financiamento suficiente para atender possíveis aumentos populacionais e demandas pontuais, como aconteceu com os gastos em saúde no momento em que o país atravessou uma severa pandemia.

No ano de 2019, em pesquisa realizada no programa de Mestrado de Direitos Fundamentais, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, concluí em minha dissertação, que a Emenda Constitucional 95 de 2016, é materialmente inconstitucional.

Analisando a evolução da teoria constitucional dos modelos aos quais a Constituição de 1988 se filia, e a própria estrutura da Carta Magna vigente, concluo que esta mudança não é compatível juridicamente com o modelo constitucional implantado pela Constituição Cidadã. Posteriormente, por convite da editora Dialética, publiquei minha dissertação em livro intitulado a Inconstitucionalidade Material da Emenda Constitucional de 2016.

O país está às vésperas de escolher seu representante do Executivo Federal, em uma das eleições mais acirradas e violentas da pós redemocratização. Os meios de comunicações comerciais sempre questionam os candidatos se respeitarão o teto de gastos, porém, pouco ou quase nada se debate à cerca da constitucionalidade da emenda tão radical que modificou a própria natureza da até então Constituição Cidadã.

A sociedade que a Constituição de 1988 tentou constituir ao ser promulgada tem como seus objetivos fundamentais, como pode ser observado em seu texto “I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Tais objetivos não são compatíveis com as restrições orçamentárias determinadas pela Emenda do Teto de Gastos e precisam ser discutidas com a população e julgada pela Suprema Corte do nosso país

Fernando Mundim Veloso é mestre em Direitos Fundamentais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, professor de Direito Administrativo na Unifucamp de Monte Carmelo/MG, autor de livro publicado pela Editora Dialética intitulado A Inconstitucionalidade Material da Emenda Constitucional 95 de 2016 e pode ser encontrado no seguinte link (https://loja.editoradialetica.com/humanidades/a-inconstitucionalidade-material-da-emenda-constitucional-95-de-2016)

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  1. A Construção é o marco constituinte ou inicial que orienta as formas e também as conformações jurídicas nesses tipos de relações dentro da sociedade/ESTADO. Esses princípios que devem ser observados pelo ESTADO e por todas as partes da sociedade, representam a chamada segurança jurídica assegurada em sua efetivação. Determinadas questões devem ser tratadas prioritariamente na Justiça, e nesse caso de uma invocação de matéria possivelmente inconstitucional com tal importância é expressivamente demonstradora dos problemas de um País que resiste em se tornar sério. Cada um dos Poderes tem uma função dada pela própria Constituição, que é quem estabelece qual o tipo de sociedade quer e tem a oferecer o Brasil. É preciso praticar o que formatou a sociedade brasileira, cada uma das partes desempenhando o papel que lhe cabe. O Estado com suas obrigações tem uma arrecadação que depende de como está o funcionamento da economia e o crescimento econômico do País, portanto terá maior ou menor saldo de acordo com isso. O que precisa é competência e não de teto de gastos. A incompetência com ou sem o teto de gastos trará sempre o mesmo resultado.

  2. Em um futuro governo Lula será imprenscidível reverter a cláusula do Teto de Gastos, pois o presidente ficará de mãos atadas se não puder aumentar os gastos em investimentos sociais. Com um congresso claramente conservador, a discussão no STF pode ser uma alternativa viável, além de reforçar a força da CF 1988.

  3. Tema de extrema relevância. Regovar essa emenda precisa ser uma prioridade da frente progressista e garantista dos direitos fundamentais nas três instâncias de poderes do nosso país.

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