Capitalismo Verde e a Natureza como Ativo (1/3), por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

A contabilidade moderna explica como a empresa funciona, ou, como está na moda, descreve o modelo de negócio.

CEBI

Capitalismo Verde e a Natureza como Ativo (1/3)

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Conceitos Contábeis

Existe uma tendência entre os economistas de menosprezar a contabilidade. Aliás, esse desprezo é uma mazela brasileira, que entende ser a contabilidade um estorvo, quando não, um meio para enganar o governo e não pagar impostos. O fato é que os mecanismos de débito e crédito, quando usados como meio de controle, contam a história da empresa, avaliam a qualidade da administração e atribuem o justo valor ao negócio. Mais que tudo isso, a contabilidade moderna explica como a empresa funciona, ou, como está na moda, descreve o modelo de negócio. Sem entender de contabilidade, não se conseguem coisas simples como operar as bolsas. Certamente que há pessoas com talento nato, que operam sem o entendimento formal da contabilidade, porém, com plena noção de origem e destino que são os conceitos de débito e crédito, como já se discutiu em outra matéria neste espaço.

Para se falar em abertura da economia brasileira, bem como em sua integração à economia mundial, é preciso adotar padrões contábeis que permita, a qualquer analista do planeta, entender os balanços de nossas empresas. Nos anos 2000, houve um esforço inaudito para adotar os IFRS (International Financial Reporting Standards, Padrões Internacionais para Relatórios Financeiros). Sem isso, das duas uma, ou a empresa montava um tradutor para as demonstrações contábeis, o que é retrabalho, ou ficava impedida de fazer IPO nas principais bolsas do mundo. Adotar padrões internacionais permitiu, por exemplo, que a Petrobras fizesse o maior IPO da história do capitalismo mundial, valor este que propiciou recursos para iniciar a exploração do pré-sal.

Essa tarefa ensejou a edição e assinatura da lei 11.638/2007, também conhecida como Lei brasileira para Demonstrações Contábeis, que já contou com algumas atualizações desde então. Como consequência dessa lei, veio o Comitê de Pronunciamentos Contábeis, cuja função é normatizar os aspectos mais pormenorizados dos procedimentos de registro e demonstrações. Popularizou-se a sigla CPC acrescida de um numeral para cada assunto tratado pelo comitê, resultando em um documento normativo.

A CPC 29, bem como o emaranhado de CPCs a que ela se reporta, por exemplo, versa sobre os ativos biológicos, desde a fase do crescimento até a colheita, que são o âmago desta série de matérias. Ela abrange a bovinocultura, com suas três etapas: cria, recria e engorda; a suinocultura, dividida entre cria creche, recria e engorda, e daí por diante. As plantas portadoras, como pés de café, assim como os animais reprodutores, vendidos como sucata (pés de café para virar carvão, ou touros velhos e vacas leiteiras vendidos para abate por descarte), que são considerados parte do ativo imobilizado, são tratados por outras CPCs (07, 08 e 27). Alguns ativos pode transitar entre as CPCs ao longo da vida, como acontece com as bezerras leiteiras, tratadas pela CPC 29, até que, parindo a primeira filha, passa a produzir leite e, ingressando no imobilizado, são tratadas pela CPC 27. Já os produtos colhidos, mas não processados, são alvo da CPS 16, que trata de estoques. Em resumo, a padronização dos pronunciamentos contábeis tornou a contabilidade num ramo extremamente técnico das ciências sociais aplicadas. É essa padronização que permite ao país quantificar monetariamente tudo o que nasce, cresce, vive e morre, exceto, naturalmente, os seres humanos e os animais de companhia, cuja essência lhes atribui valor infinito.

A complexidade manifesta-se no entendimento pleno do que a empresa faz. Para ilustrar, imaginemos que uma propriedade tenha plantado eucaliptos da variedade citriodora, cuja resina é aromática e tem valor comercial. Isso faz com que a planta seja sangrada como acontece com as seringueiras. A exemplo das últimas, tornam-se plantas portadoras, ficando a venda da madeira como uma atividade fortuita. Se a mesma propriedade resolver plantar eucaliptos da variedade grandis, que não tem resina comerciável, as árvores serão alvo da CPC 29, da mesma forma que laranjas ou uvas antes de colhidas. É que, nesse caso, o abate das árvores não se considera descarte, porém, uma colheita como outra qualquer. O mesmo se pode dizer das reservas florestais. As madeiras destinadas ao corte sustentável, assim como as castanhas, essências e folhas usadas para medicamentos e cosméticos, fazem parte da abrangência da CPC 29, enquanto o restante da flores pode ser tratado como um bem do ativo permanente e seguir a CPC 27.

A questão torna-se até filosófica, ensejando acaloradas discussões, muito longe do que se costuma pintar de um guarda-livros com os dedos sujos de tinta e um lápis atrás da orelha.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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