Leis e Algoritmos, por que não?, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Os preços dos combustíveis são alvo de querela constante, pelo fato de sua matéria-prima ser tratada como commodity internacional.

Leis e Algoritmos, por que não?

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Quem já participou da definição do conteúdo programático de uma escola de economia sabe que as matérias matemáticas, especialmente as de cálculo diferencial e integral, causam grande polêmica. Alguns professores dizem que “Nossos alunos não têm base suficiente”; outros, parafraseando os próprios alunos, alegam que não vão usar tanta complexidade na vida prática. Steven Strogatz, em seu livro “O Poder do Infinito”, mostra que todos usamos cálculo o tempo todo, mesmo sem o ter aprendido na escola. Estudar o que acontece com determinadas variáveis quando se aproximam de zero, assim como quando seu valor é tão grande que não cabe numa calculadora, está na estimativa do ponto da carne, no assado de um bolo, na maturação de uma fruta, na abertura de uma flor. O tempo todo lidamos com o que está para acontecer agora, assim como com o que pode acontecer lá na frente. Ensinar cálculo a um profissional não é outra coisa do que fazê-lo representar, matematicamente, eventos cuja dimensão não nos é dado imaginar. Sem cálculo, sem algoritmos; sem algoritmos, sem modelos e, sem modelos, as previsões tornam-se primárias.

Falta esse conhecimento aos nossos legisladores. E, volta e meia, a justiça é conclamada a dirimir dúvidas oriundas da falta de clareza nos textos de lei. Temos exemplos disso na CLT cujo texto é tão capenga matematicamente que determinados cálculos nos foram impostos por jurisprudência, não pelo texto original. O contrário também é verdadeiro. Há leis que são tão claras que sobrevivem ao tempo, sem que ninguém as conteste. Um exemplo é a lei 4870/1965, que determina o pagamento de ágio ou deságio para a cana cortada, consoante seu teor de sacarose e, se colhida de dia ou de noite. Naturalmente, por regulamentação a coisa vem sendo aprimorada, mas não abruptamente, ou em caráter revogatório. Isso se deve a que, transformar seu texto em uma fórmula, mais que factível, é natural.

Os preços dos combustíveis são alvo de querela constante, pelo fato de sua matéria-prima ser tratada como commodity internacional. Assim, não somente o preço do petróleo é volátil, como também o dólar, moeda usada para adquiri-lo mundialmente. Assim como as travas impostas entre 2013 e 2016 para evitar que a subida do dólar impelisse a inflação, prejudicaram as finanças da Petrobras, a adoção do PPI (paridade de preço internacional) foi deletéria para o restante da economia, por mais que os investidores ficassem felizes. Resta buscar um algoritmo que, a um só tempo, amorteça as variações do petróleo do dólar, tornando os custos de frete e de transformação mais previsíveis, sem restringir o apetite do investidor pelos papéis da empresa, consequentemente, sem frear o investimento em prospecção e refino. Por certo que não é uma tarefa fácil, nem por isso deixa de ser uma meta, talvez, a meta.

A polêmica que adveio do PL 1472/2021, pode ter nascido justamente da impossibilidade de se deduzir uma fórmula a partir de seu texto. Ele cria mais dúvidas do que certezas, o que dá margem à sua contestação em âmbito jurídico. Delega-se ao executivo a determinação de bandas de variação, assim como sua frequência, o que permite o uso político e não técnico dos preços. O imposto de exportação para o petróleo cru, como está escrito, faria, por exemplo, com que um barril vendido a US$41,00, com uma alíquota de 10%, resultasse num preço líquido de US$36,90, menos que o limite de isenção, que é de US$40,00 determinados pelo PL. O mesmo acontece para todas as faixas. Por que não usar o algoritmo aplicado ao imposto sobre a renda? Aliás, o texto não indica se a cobrança é por dentro ou por fora.

Mais adiante, fala-se na criação de um fundo de estabilização que, sem dúvida, é a essência do texto e sobre sua necessidade não há por que discutir. A origem dos recursos não é clara, pois usa-se o termo “poderá”, além de atribuir sua constituição e administração, na prática, ao executivo. Na medida em que se preveem fundos oriundos do imposto de exportação, cria-se um novo ponto de atrito, pois recursos advindos de impostos integram o orçamento, não cabendo destinação, exceto por parcela do todo.

Por fim, mas não menos importante, não fica clara a participação dos custos de extração e refino, bem como de uma margem de garantia, na formação dos preços, o que aumenta a responsabilidade do executivo na sua determinação, quase como em um tabelamento, que seria igualmente contestado, assim que detectado pelo mercado consumidor.

Posto que foi aprovado em plenário, resta à câmara resolver as questões mais prementes, a ponto de tornar o PL matematicamente praticável. A nós, resta colaborar.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Leia também:

Para não dizer que não falei da meritocracia, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

O dinheiro tecido social, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Crédito, o lado escuro da lua, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. “Delega-se ao executivo a determinação de bandas de variação, assim como sua frequência, o que permite o uso político e não técnico dos preços.” Não existe “preço técnico”. O HOMEM É UM ANIMAL POLÍTICO. Todas as suas ações são políticas, a começar do ato de levar vantagem negociada; o comércio. Seja de produtos ou serviços. Tudo é política. Política partidária, sim, é um seccionamento; mas o simples USO POLÍTICO… para que servem os bens e o conhecimento senão para proporcionar o bem ao máximo de indivíduos?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador