Capitalismo Verde e a Natureza como Ativo (3/3), por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Ocorre que o capitalismo só funciona se os ativos tiverem valor à vista, então, sobre eles se possam criar derivativos com os quais negociar.

Combate ao Racismo Ambiental

Capitalismo Verde e a Natureza como Ativo (3/3)

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Um ativo, mesmo que intangível, que pode ser representado em unidades monetárias. Sim, há coisas que são inegavelmente tidas como bens, mas não são monetariamente avaliáveis. Isso costuma ser explicado pela teoria da utilidade, desenvolvida por vários economistas no fim do século XIX, sendo o mais famoso Alfred Marshall. Uma paisagem, por exemplo, enquanto não se construir um prédio em frente, há de ser um bem. A partir do momento em que uma construção obstrui sua visão, esse bem se reflete monetariamente na perda de valor do imóvel que ficou por trás. Os australianos deram uma festa quando mataram o último tilacino, também conhecido como lobo da tasmânia, que estava em liberdade. Atribuíam a ele as culpas pela mortandade, pretensamente exagerada, de cordeiros. Em 1936, quando morreu o último em cativeiro, a população chorou porque foi um patrimônio natural perdido. Tudo leva a crer que a Natureza só se possa avaliar pelo que já se perdeu, não exatamente pelo que se possa perder, daí a enorme dificuldade na monetização dos ativos ambientais. É que um ativo vale pelo que é ou pelo que se espera que venha a ser, nunca pelo que já foi.

Ocorre que o capitalismo só funciona se os ativos tiverem valor à vista, então, sobre eles se possam criar derivativos com os quais negociar. Retomemos o exemplo do imóvel de frente para o mar que valia X antes da construção de um prédio que lhe estorvasse a visão. No dia seguinte, seu valor caiu para X/2, ou seja, descobriu-se que a paisagem representava a metade de seu valor. Da mesma forma o acesso à uma praia limpa e com temperatura perfeita pode aumentar o valor dos imóveis que ficam a quilômetros de distância, ao passo que talvez seja esse mesmo acesso que trará mais turistas para estragar a praia, devolvendo os imóveis ao valor original.

Precedendo o conceito de meio ambiente, os economistas já se preocupavam com os acréscimos ou decréscimos de valor advindos de variáveis que não pertenciam ao negócio em si. A isso se deu o nome genérico de externalidades, mais minuciosamente, de economias ou deseconomias externas. A preocupação ambiental é posterior a esses conceitos e está muito mais para o lado das deseconomias do que para o das economias. Por causa disso, é recorrente que a discussão recaia principalmente sobre a reconstituição de um ecossistema degradado e não sobre um prêmio por cada hectare que se deixou de degradar. Os créditos de carbono são um exemplo dessa inversão de valores. Isso está acontecendo, por exemplo, em São Paulo. em virtude de as colhedeiras de cana não suportarem inclinação maior que 9%, os aclives mais íngremes tendem a ser florestados com eucaliptos ou seringueiras para papel ou borracha, respectivamente, gerando créditos de carbono.

Evidentemente, a Natureza é muito mais que a beleza de uma paisagem. Dela dependem os preços das matérias primas e demais insumos, cujos produtos têm valor de mercado capazes de atrair investimento. Como visto no capítulo anterior, terra é fator de produção desde os primórdios do estudo de Economia como ciência. Como para os primeiros economistas, a terra era infinita, a preocupação era como otimizar o uso de capital e trabalho. A consciência da finitude dos recursos é que gerou a preocupação com os resíduos. Ocorre que, para fazer um omelete de três ovos, precisamos ter três ovos e vão sobrar três cascas. Não á possível fazer um omelete de três ovos com dois ovos, muito menos usar três ovos e sobrarem somente duas cascas. A única coisa que se pode fazer é justamente criar um produto a partir das três cascas, tal que elas deixem de ser resíduo, que não tem valor algum, passando a subproduto, que tem algum valor, e se for possível agregar valor próximo ao do produto principal, virando coproduto. Na medida em que a casca do ovo venha a formar a ração da galinha, está-se poupando a extração de cálcio de outras fontes, portanto, preservando. Da mesma forma, se a água do lavador de cenouras voltar para a piscina do pivô de irrigação, a captação pode diminuir e a água economizada pode servir a outros agricultores. Medidas assim, podem ser transformadas em certificados de preservação a serem negociados, seja pelo valor à vista, seja como mercado futuro. Seria ainda possível regulamentar o aluguel de certificados como a outorga de água, desde que respeitando as limitações impostas pela lei 12.665/2012, que permite que as reservas florestais fiquem em local distinto, desde que no mesmo bioma e na mesma bacia hidrográfica. Um produtor que não tem outorga poderia alugar o certificado de quem a tem, criando um mercado de água, dando valor à sua preservação.

Apesar de os artifícios para levarem as práticas capitalistas à preservação ambiental serem limitadas somente pela imaginação dos participantes do mercado, atribuir-lhe o status de “verde” continua sendo um eufemismo gritante. Não importando o quão criativas, as medidas serão sempre de minimização de danos, principalmente, se insistirmos na manutenção do Modelo da Fumaça visto no capítulo anterior.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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