Capitalismo Verde e a Natureza como ativo (2/3), por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Desde os anos 1980, tem-se dado ênfase à inclusão dos aspectos ambientais nas linhas de pesquisa em Economia.

Capitalismo Verde e a Natureza como ativo (2/3)

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Da contradição à possibilidade

Para entender o economês do restante do texto, é preciso lembrar alguns conceitos. O primeiro é o de fator de produção, que são os ingredientes de tudo o que se produz pelo Homem. São eles terra (recursos naturais), capital e trabalho. Como a posse da terra pode ser expressa em valor, pode-se inferir que ela possa ser incluída no capital, restando somente capital e trabalho.

O segundo é que o capital nada mais é do que o trabalho cristalizado, como já visto em outra matéria. Isso implica em que, para que haja acumulação, é preciso que o trabalho redunde em quantidade maior do que o consumo momentâneo e que o excedente, cristalizado sob a forma de capital, possa ser usado mais tarde para produzir ainda mais. O capitalismo é o processo em que o excedente não fica com o trabalhador, mas concentra-se nas mãos de pessoas ou entidades que aplicam esses recursos da forma mais acumulativa possível, ou seja, maximizando o lucro. Assim, o capitalismo é, a um só tempo, acumulativo e concentrador em essência. David Ricardo (1770 – 1821) foi o primeiro economista a entender esses efeitos. Para ele, as terras seriam ocupadas sempre das mais férteis para as mais pobres, sempre na medida do crescimento da população. Chegava o momento em que as terras tornavam-se tão estéreis que não alimentavam o povo, fazendo-o morrer de fome, consequentemente, voltando ao estado anterior. Interessante como, para ele e os economistas de seu tempo, a miséria era os tendões da mão invisível.  Naquele tempo, embora facilmente compreendidos, esses efeitos não eram cruciais, pois o mundo industrializado era pequeno a ponto de se considerar como infinito o resto do mundo.

A bomba atômica, ao evidenciar que o ser humano seria capaz de destruir a vida no planeta,  acabou com o sonha da infinitude. Mostrou que somente o mecanismo de preços não seria suficiente para evitar a extinção de insumos essenciais à vida. É que eles não estão ligados diretamente ao processo produtivo, portanto, não têm um preço definido. Quanto vale, por exemplo, o plancto? Para o mercado, nada, só de que dele dependem espécies marinhas que vão das ostras às baleias. E o ar? É tão disponível que não precisa ser comprado, porém, inútil se contaminado pela radiação.

Desde os anos 1980, tem-se dado ênfase à inclusão dos aspectos ambientais nas linhas de pesquisa em Economia. Uma tentativa foi adicionar um novo fator de produção, o resíduo. Considerando-o, não bastaria minimizar o consumo dos fatores de produção, sem que o resíduo fosse igualmente mínimo, pois o desperdício, mais cedo ou mais tarde, comporia o preço dos bens. Inúmeros modelos desenvolveram-se com base na criação de valor para limitar o lançamento de resíduos na Natureza. O mais conhecido é o Modelo da Fumaça, que resultou na criação dos créditos de carbono, em que o carbono sequestrado aqui compensaria o montante eliminado ali, na ingênua crença de que o preço seria capaz de limitar as emissões, enquanto a economia continuaria crescendo. Na verdade, criou-se um mercado para o direito de poluir, retardando medidas que se poderiam adotar pelo poder coercitivo do Estado. O fato de se atribuir a emissão dos créditos de carbono aos países em desenvolvimento, tal que seu consumo se dê nos mais industrializados, só cimenta a ideia propalada pelos americanos: “Farm here, jungle there”[1] como se os países em desenvolvimento devessem recolher-se à condição de reserva florestal do mundo.

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Outra vertente das pesquisas em Economia ambiental acredita que a humanidade e sua economia evoluam para o estado estacionário. Nesse caso, a acumulação capitalista vai-se reduzindo na exata medida em que os recursos naturais tornem-se raros, até que o excedente de produção seja suficiente para apenas repor o desgaste dos bens de capital. É claro que a população teria de se tornar numericamente estável e, aos poucos, o ter seja substituído pelo usar, que as mercadorias sejam substituídas pelos serviços. Crê-se ser possível manter crescente o bem-estar da população, enquanto os estragos ambientais não saem do controle.

Finalmente, há os modelos do decréscimo, em que o crescimento econômico, mesmo com a manutenção do nível atual de produção, sejam insustentáveis. A única solução  seria abrir mão do consumo, seja pela compra, seja pelo uso, adotando uma vida mais frugal por uma população decrescente.

Ocorre que os modelos procuram representar a realidade, transformando os principais eventos em variáveis e as variáveis em equações. Os economistas teimam em achar que a realidade tem que obedecer ao disposto nos modelos e não é assim que a História caminha. As coisas não são mutuamente exclusivas, encontrando-se características das três famílias de modelos convivendo por toda a face da terra. O segredo é fazer o capitalismo trabalhar para o Homem e não vice-versa, como se discutirá no próximo capítulo.


[1] Fazendas aqui, selva lá.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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