Escolas Cívico-Militares, dos tempos do onça ao bolsonarismo (II), por Luiz Alberto Melchert

As escolas cívico-militares em implantação no Brasil são uma mescla da malfadada experiência do Brasil pombalino com a juventude hitlerista.

Marcelo Camargo – Agência Brasil

Escolas Cívico-Militares, dos tempos do onça ao bolsonarismo (II)

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Uma das grandes discussões acerca dos movimentos populistas de direita da primeira metade do século XX é sobre quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha – digo, se o fascismo ou o nazismo. Na verdade, um bebeu na fonte do outro, mas o fascismo tinha um aspecto intelectual muito mais profundo que o nazismo. Houve expoentes intelectuais no fascismo que se encontram em muito menor número no nazismo. Este último tinha uma visão muito mais pragmática e menos filosófica do mundo. Enquanto o nazismo se apoiava nos altos empresários donos de conglomerados industriais, Mussolini apoiava-se na pequena burguesia. Ao mesmo tempo em que o nazismo rechaçava a cultura anterior, o fascismo contou até com um instituto de cultura. Mussolini queria ver-se cercado por intelectuais, visto que ele mesmo tinha nível cultural acima da média. Na medida em que seu oportunismo permitia, nomeou os mais festejados intelectuais para compor seu governo. 

Giovanni Gentile (1875 – 1944), prestigiado filósofo e professor universitário,  e Giuseppe Bottai (1895 – 1959), igualmente filósofo, advogado e economista, foram os construtores do sistema fascista de ensino. Gentile, que foi  Ministro da Educação Nacional entre 1922 e 1925, criou um método de ensino que ficou conhecido como Revolução Gentile, cujo programa visava a formação de cidadãos patriotas e com alto nível de disciplina militar. Ele se dividia em elementar, médio, superior e universitário. O foco militar ocorria no superior, quando se fazia instrução pré-militar, visando a formar oficiais proficientes, enquanto o ensino médio se prestava à formação de técnicos que, além de formar a classe média, impulsionariam a eficiência técnica da economia como um todo. Esse método vigorou com alterações não exatamente significativas, até que, por conta da Guerra da Eritreia, as exigências se alteraram na direção da militarização. Foi quando Bottai, que já participara da elaboração da Carta de Lavoro, emitiu a Carta de Educazione. Cuja implantação não foi difícil, isto que as associações de professores já tinham expurgado os antifascistas. 

Na Alemanha, as coisas tiveram uma evolução muito mais acelerada. Ao contrário da Itália, a Alemanha tinha sido derrotada na I Guerra, passara por uma hiperinflação e, quando a viu resolvida, enfrentou o Crack da Bolsa sob um governo implantado pelos vencedores. Para os empresários, interessavam as obras púbicas. Para Hitler, importante era a reconstrução das forças armadas, cuja contingente das três forças estava limitado a quinhentos mil homens. O reaparelhamento agradava, a um só tempo, os empresários e Hitler. A juventude hitlerista nasceu de dois fatores claros, a pressa em alistar o maior número de soldados e o fornecimento de mão de obra barata para a indústria. Some-se a isso a necessidade de reconstrução e modernização da infraestrutura. A criação de uma juventude hitlerista, altamente doutrinável que, ao fim do ensino médio, poderia ser empregada compulsoriamente nos programas de trabalho sob o pretexto de aprimorar a disciplina e a capacidade física, era a melhor forma de conseguir aumentar o contingente, dando a volta nas regras de Weimar. Foi assim que nasceu a Wehrmacht. 

Ao contrário da Itália, na Alemanha não houve propriamente uma reforma do ensino, mas uma atividade agregada ao sistema já existente. Em oposição à Itália, em que a militarização visava a formação dos oficiais prioritariamente, na Alemanha, a disciplina militar deveria abranger a população como um todo. Em 1936, a Itália invadiu a Eritreia, hoje composta por Etiópia e Somália, numa guerra de conquista. No mesmo ano, a Alemanha usou a Guerra Civil espanhola como campo de treino, alegando ser uma luta contra o comunismo. Os dois eventos contaram indubitavelmente com a formação de jovens doutrinados e altamente disciplinados. 

As escolas cívico-militares em implantação no Brasil são uma mescla da malfadada experiência do Brasil pombalino com a juventude hitlerista. Embora 8 de janeiro tenha sido uma tentativa de reviver a Marcha Sobre Roma de outubro de 1922, que levou Mussolini ao poder, Bolsonaro não contou com o apoio dos intelectuais, até mais contundentemente do que foi a falta de apoio militar. Esse fracasso  tornou o movimento personalista, como o de Hitler. Isso aconteceu com o fascismo, em que o movimento era mais importante do que a figura do Duce, mesmo que sua implantação dependesse de seu carisma. Não me consta, em toda a literatura que devorei acerca do assunto, encontrar o termo mussolinismo ou mussolinista. Se as escolas cívico-militares são extemporâneas no que tange à pedagogia, tornam-se assustadoras ao formarem um contingente fanatizado e, pior que isso, treinado. 

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.

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