Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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Desindustrialização na Alemanha: possibilidade ou realidade?, por Paulo Roberto de Camargo

Desindustrialização, tema caríssimo ao Brasil, começa a surgir na Alemanha em relação ao seu dinâmico parque industrial e sua posição atual.

Imagem: Unsplash/Kevin Woblick

do Observatório de Geopolítica

Desindustrialização na Alemanha: possibilidade ou realidade?

por Paulo Roberto de Camargo

Ao andar cotidianamente pelas ruas de Munique em 2023 e refletir em seus maravilhosos parques que cobrem a cidade, somando-se a consideração de um tempo de visitas periódicas a Alemanha durante 30 anos, algumas questões vem à tona ao se perceber que coisas mudaram por aqui. Em tempos que as placas tectônicas da ordem mundial se movem no sentido de quebrar a hegemonia ocidental de cinco séculos, é de suma importância considerar que esse grande movimento histórico e civilizatório provoca mudanças internas nos países mais desenvolvidos bem como nas suas relações internacionais. Um desses pontos é uma discussão de cunho estrutural extremamente importante que propicia uma grande identificação entre sociedade e Estado alemão. Estamos falando sobre desindustrialização, tema caríssimo para o Brasil, mas que também começa a surgir na Alemanha em relação ao seu dinâmico parque industrial e sua posição no cenário atual.

Essa temática não abrange às políticas traçadas no e pelo país no pós-segunda guerra mundial no qual o país formou um pilar secundário e fundamental juntamente com o Japão no sucesso do Plano Marshall, mas atualmente, na segunda década do século XXI. Após a recuperação do país levada a cabo a partir dos anos 50 no governo de Adenauer e levada a ser a terceira economia mundial nas décadas posteriores, passando pela reunificação nos anos 90 e posteriormente, já no século XXI, perdendo o terceiro lugar para a ascensão chinesa, um ponto de interrogação começa a ser discutido entre os economistas no país. Sim, o país pode estar atravessando um processo de perda de sua capacidade industrial ao verem indústrias em seu território mudando para outros países.

Fato emblemático sobre essa temática a ser considerado é a transferência de grande parte da planta industrial da BASF para a China. Como um ícone da indústria alemã os motivos alegados são de que a rentabilidade da empresa não alcança mais níveis compatíveis a de décadas atrás na Alemanha segundo seu presidente Martin Brudermüller. Juntamente com um prejuízo de E 130 milhões de euros no ano de 2022, houve também um corte de 2.600 empregos em mão-de-obra. Volkswagen e Siemens também apontam saídas de investimento para a China e EUA. De uma forma geral há um certo mal-estar entre empresários e consumidores no país que entrou em recessão técnica no primeiro trimestre de 2023.

 A questão que permeia o momento é se o país pode reverter essa situação agravada pelo fator energético ocasionado pela guerra na Ucrânia. A maior fundição de alumínio da Alemanha, a Uedesheimer Rheinwerk pode fechar a fábrica até o final do ano devido ao alto custo de energia. Segundo dados da Global Petrol. Prices o custo de eletricidade na Alemanha é em média 174% mais caro no país do que no resto do mundo e 2,7 vezes mais caros que a média internacional. Para a Allianz Trade a indústria alemã irá pagar um aumento de 40% no custo de energia em relação a 2021. Em que pese afirmações contrárias a esse ponto no sentido de que as empresas tem recursos suficientes para enfrentar essa situação, há o fator custo de impostos trabalhistas bem mais altos que China e EUA.

Todo processo de industrialização e seu desenvolvimento exige constante inovação tecnológica para manter o país enquanto um grande player competitivo global, o que exige também mão-de-obra especializada. O caso da Tesla no setor automotivo considerado como um orgulho nacional é emblemático. A discussão recai no fato de que não houve consideração sobre quando essa empresa começou a inovar no carro elétrico na primeira década deste século. Esse fato foi negligenciado pelas demais companhias que se mantiveram no motor a combustíveis fósseis e que agora revisam o atraso. Neste sentido os carros de fabricação chinesa pela BYD se encontram quase à frente na concorrência, uma vez que produz veículos com preço mais barato e com grande inserção no mercado global.

Após a pandemia e com a guerra da Ucrânia a inflação alemã atingiu um patamar de 15,8% desde 2021, considerando uma projeção de 5,1% para o ano de 2023.   Isso afeta de forma acentuada os trabalhadores com baixos rendimentos, os beneficiários da previdência social incluindo os aposentados e os desempregados que vivem de seguro social. O aumento dos alimentos e dos aluguéis atinge também a classe média. De acordo com o Escritório Federal de Estatística (Statisches Bundesamt) o preço dos alimentos a partir de 2021 teve alta de até 27% até os dias de hoje. 

A aprovação de políticas para atrair mão-de-obra especializada para dar sustentação aos processos de inovação foram tardiamente aprovadas segundo depoimentos de autoridades. A Nova Lei de Imigração Especializada aprovada em junho deste ano de 2023 prevê a eliminação da burocracia com mais formação educacional e aproveitar também a participação de mulheres e idosos. Vale apontar que no campo de atração de imigrantes a Alemanha caiu do sexto para o décimo terceiro lugar segundo dados da OCDE. Neste quesito Suécia, Suíça, Noruega e Nova Zelândia se mostram à frente.

Ainda na área de carga fiscal, a incidência de impostos sobre energia, trabalho e remuneração não apresentam um bom desempenho segundo a OCDE. Os impostos e taxas apresentam um fardo maior sobre o rendimento do que qualquer outro país industrializado. As pessoas com rendimentos baixos e médio na Alemanha são relativamente elevados segundo Nicola Brandt, chefe da OCDE em Berlim. Em que pese a contrapartida de benefícios sociais como direitos de pensão, saúde e seguro desemprego essas altas taxas sobre os rendimentos provocam desestímulo em relação à atração e manutenção no trabalho.

Para as pessoas com baixa renda ou sem renda própria, os aumentos de preços são o maior problema, uma vez que o subsídio de 5,75 euros por dia não é suficiente para uma alimentação saudável. Segundo Joint Welfare Association 16% das pessoas na Alemanha são consideradas pobres e muitas delas já são afetadas pela insuficiência alimentar.

As universidades alemãs continuam a ser um grande polo de atração para a formação profissional com a qualidade de ensino público elevado o que propicia um elemento de grande importância a ser considerado na elaboração de políticas que visem uma retomada da economia alemã, uma vez que o clima político referente à imigração tem favorecido o crescimento da extrema direita pela AfD (Alternativa para a Alemanha) e um cenário econômico fragilizado impulsionaria ainda mais essa ascensão. A questão do crescimento desse partido político e o clima social na Alemanha podem ser discutidos em uma outra publicação.

Situada no centro de uma disputa entre a Rússia e a OTAN no caso da Ucrânia e na dependência comercial com a China, a Alemanha viu o tempo em que seu desenvolvimento amparado pela energia barata suprida pela Rússia acabar. Isso espelha o movimento das placas tectônicas nas relações internacionais que mexem não somente com a situação externa dos países dos blocos em disputa, mas revelam que esses mesmos sofrem mudanças que provocam tensões políticas internas que exigirão audácia dos governantes para melhor se situarem com autonomia nesse cenário histórico, mesmo porque parte-se da consideração de que a economia é sempre economia política.  Há um ditado que diz que quando a Alemanha espirra a Europa pega resfriado e assim o país como a locomotiva do velho continente põe em questão o futuro da Europa.

Paulo Roberto de Camargo – Doutor em Ciências Sociais/ Política pela PUC/SP

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

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