do Observatório de Geopolítica
Estado desenvolvimentista, burguesia nacional e mobilização popular
por Angelita Matos Souza
Miguel Centeno (2017) defendeu em uma entrevista que a superação das situações de dependência demanda um Estado e uma burguesia nacional comprometidos com o desenvolvimento. Para o autor, sem essa condição pouco podem os movimentos sociais; e ele destacou ainda “um dilema material e cultural” que aprisiona a América Latina: a elite intelectual formada nos centros universitários dos países centrais, com a qual não se pode contar.
No Brasil, estamos assim: inexistência de um Estado desenvolvimentista, de uma burguesia nacional, de mobilização popular e de uma elite intelectual heterodoxa com força político-ideológica. Alguém poderia argumentar que o governo Lula 3 é desenvolvimentista, mas supondo que possamos assim definir a ala petista, trata-se de um governo de frente ampla, que precisa governar com um Legislativo conservador.
Centristas no governo (inclusive do PT) e parlamentares podem consentir em algum expansionismo dos gastos na condução da política econômica, no entanto a postura fiscalista, pró-mercado, é dominante. E qualquer alternativa é combatida por economistas, em geral formados nos EUA, cujas opiniões são as transmitidas nos meios de comunicação de massa, além de serem fortes entre segmentos da burocracia de carreira (o pessoal que é Estado).
Estamos lascados? Provavelmente, contudo, o provável não é exato. A frente é liderada pelo PT, sendo plausível uma expansão dos gastos estatais mais audaciosa caso a avaliação positiva do governo Lula 3 suba para um nível confortável (acima de 60%). Ademais, podemos nos permitir algum otimismo ao não concebermos a classe capitalista como um conjunto homogêneo.
Certamente não existe uma burguesia nacional no Brasil, no sentido nacionalista, anti-imperialista ou de uma burguesia industrial em conflito com o setor primário-exportador, porém há uma burguesia interna a qual não parece interessar o alinhamento automático com os EUA, tanto que o governo Bolsonaro foi obrigado a moderar os ataques à China em função dos interesses econômicos dessa “burguesia pragmática”.
Assim sendo, se os acordos com a China, estabelecidos durante viagem ao país asiático este ano, efetivamente prosperarem, o “pragmatismo” tende a ser reforçado, ao encontro da autonomia estatal para aproveitar a conjuntura internacional de instabilidade hegemônica (Braga; & Souza, 2023). Pois, se interesses econômicos estão acima de projetos desenvolvimentistas, em alguma medida também devem estar acima de ideologias “à direita”, afins ao alinhamento estreito com os EUA.
Resta a dificuldade da apatia política popular. Entretanto, a última vez que tivemos grandes manifestações nas ruas do país, a movimentação contribui para o impeachment da presidente Dilma. Logo, tentativas de mudanças “desde cima” talvez sejam uma rota recomendável, por certo não se irá muito longe, mas é melhor do que não ir a lugar algum ou voltar ao passado recente, o que pode acontecer enquanto o campo social-democrata não tiver força para mobilizar as massas em sentido progressista.
BRAGA, S.; & SOUZA, A. (2023). A burguesia interna vai à China? [O texto será apresentado no encontro da ANPOCS 2023]
CENTENO, M. (2017). Entrevista. In Kufakurinani, U. et al. Dialogues on Development. Volume 1: On Dependency.
Angelita Matos Souza. Cientista Social, Mestre em Ciência Política e Doutora em Economia pela Unicamp. Livre Docente em História Econômica do Brasil pelo IGCE-Unesp e docente no IGCE-unesp.
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