
Esses ingleses (3)
por Walnice Nogueira Galvão
Esses ingleses são mesmo irresistíveis. Começando por Julian Barnes e seu best-seller O homem do casaco vermelho: quem resistiria a um livro de ficção biográfica que junta o conde Robert de Montesquiou, o príncipe Edmond de Polignac e o Dr. Pozzi, ginecologista da alta sociedade e femeeiro, famoso por sua beleza? O primeiro é protagonista em Proust, que o retrata como o barão de Charlus: há quem ache que é sua maior criação.
O livro parte de uma jornada de compras a Londres, devidamente documentada, onde os três vão-se abastecer de tecidos para roupas pessoais e cortinas . Sem esquecer uma visita à Liberty, pois é a época de fastígio do estilo Liberty, do nome da loja e de seu dono. O dr. Pozzi é o homem do casaco vermelho, tal qual ilustrado na capa por uma esplêndida pintura de Sargent, releitura de uma outra de El Greco, O cavaleiro com a mão no coração. O que ressalta é a delicada mão de cirurgião e amante, em meio à derrama escarlate do roupão. A remissão a El Greco é acentuada pela gola e alvinitentes punhos rendados. Enquanto fala dos três amigos, o autor vai ampliando suas lentes e desenhando um panorama da belle époque nas duas metrópoles, então centro do mundo.
À medida que a aristocracia ia desaparecendo no resto do planeta, os ingleses foram se apropriando dela como fonte de delectatio morosa, tornando-a mercadoria muito vendável. O filão bem que renderia… Um marco nessa trajetória foi Brideshead revisited, de Evelyn Waugh. O autor, egresso de Oxford, era conservador, reacionário mesmo, imperialista, supremacista branco, católico converso. O livro deu filhotes: o filme Desejo e poder (2008), com Emma Thompson fazendo a formidanda matriarca, e uma série de TV em muitos episódios com Jeremy Irons (1981), de estrondoso sucesso. A série trouxe em papeis-chave secundários grandes figuras do palco shakespereano como John Gielgud, Laurence Olivier, Claire Bloom
Brideshead revisited é um verdadeiro manual de esnobismo. Toma-se champanhe o tempo todo, que aliás eles chamam de pop, enquanto em outras rodas chamariam de bubbly – eufemismos que ao subestimar enfatizam familiaridade.. O narrador estuda em Oxford, é claro, mas não pertence às camadas supremas, com que se deslumbra. Há dois protagonistas pertencentes a elas: Sebastian e Anthony Branchan, ambos filhos de lorde.
Anthony é modelar de postura sumamente esnobe. E, como o heroi logo descobre, cheio de mitomania e delírios de grandeza. Sebastian, de Brideshead (nome do domínio da família), abusa das visagens também. Tem um ursinho de pelúcia, chamado Aloysius, a quem atribui opiniões e pensamentos. O problema é que Sebastian, além de ser riquíssimo e aristocrático, é de uma beleza ímpar e por isso atrai enamorados de ambos os sexos. O fato de ser misteriosamente infeliz e fadado a uma péssima sina só aumenta seu charme.
Entre o esnobismo e a excentricidade ciosamente alimentada, quase no limite da veneta, esses ingleses vão atraindo seus leitores e espectadores. A combinação foi ressaltada por Edith Sitwell, que escreveu em 1933 um livro encantador, The English eccentrics. Ela mesma era dada à semostração: alta, angulosa e desengonçada, enfatizava esses traços com toaletes extravagantes, junto com os dois irmãos, Osbert e Sacheverell, todos os três membros da nobreza, filhos de um baronete e uma lady. Os Sitwell não eram propriamente do Círculo Bloomsbury, a que pertencia Virginia Woolf, mas o tangenciavam com frequência. Escritores de prestígio, os três constituíam uma família literata e eram presença notada nos eventos das vanguardas artísticas de Londres nos anos 30, persistindo, longevos que foram, até além da Segunda Guerra Mundial.
Como não admirar as excentricidades desses ingleses, mesmo sem esnobismo? Saiu em todos os noticiários do mundo a foto de Bertrand Russell – matemático, filósofo e Prêmio Nobel etc., nobre inglês com o título de conde – sendo carregado por policiais por estar sentado no meio da rua, protestando contra a proliferação nuclear. E olha que ele tinha 90 anos…
Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP
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Que me perdoe a autora, mas não há nada, rigorosamente nada, a admirar na elite inglesa, só a lamentar. Dos mineiros do País de Gales às vítimas da grande fome indiana, das crianças maceradas da Irlanda aos negros escravizados na América do Norte, dentre uma multidão de miseráveis espalhados pela imensidão territorial do Império onde o sol nunca se punha, nada há para se admirar na elite inglesa.
Mais uma postagem à la AA. E, caro Antonio Uchoa, é o relato de uma faceta. Diversão. Consegue me aontar um povo a se admirar? Ou qualquer elite.
Prezado Evandro, posso lhe apontar alguns povos que merecem nossa admiração. Elite, nenhuma.