do Observatório de Geopolítica
Modernidades, por Felipe Bueno
“Gostaria de escrever um texto sobre Relações Internacionais. Sugira um tema, por favor.”
Coloquei o café sobre a mesa e aguardei a resposta. Apenas uma xícara; meu interlocutor, ou melhor, seu suporte físico, evita líquidos por recomendação do fabricante.
Não houve tempo para o primeiro gole. Poucos segundos depois recebi doze propostas. Todas vagas e vastas; mas me perguntei quantas pessoas eu teria que abordar aleatoriamente na rua para conseguir uma lista semelhante.
Eu estava conversando com o Bard, o chatbox do Google.
E admito uma certa satisfação ao ver que o primeiro tema sugerido leva a uma preocupação que tenho há bastante tempo: o declínio de uma consciência supranacional que busque paz e entendimento entre os povos.
Você pode discordar do uso deliberado da palavra declínio; afinal, a ONU, objeto prático da minha reflexão, é grande demais para receber passivamente tal adjetivação de um modesto colunista. Posso, evidentemente, estar errado. Mas, por outro lado, a História também mostra que os processos de ascensão e queda são geralmente lentos.
Não obstante, reconheçamos: o órgão fundado em 1945, no contexto de uma das maiores tragédias da humanidade, se assemelha cada vez mais a um velho soberano acomodado em um trono, respeitado sob os holofotes mas vítima de punhaladas pelas costas na escuridão.
Nossa consciência supranacional em pouco tempo vai completar 80 anos. O mapa mundi estendido à mesa na primeira reunião não serve mais. Fronteiras reais desapareceram – talvez por não serem realmente reais. Outras, invisíveis, tornaram-se rígidas. Pessoas e ideias, verdades e mentiras circulam com muito mais velocidade.
Um dia o soberano despertou e percebeu que o manual de instruções do mundo do século XX estava gasto e incompleto, e não havia redatores para escrever a edição mais nova.
Ou, por outro lado, havia redatores e redatoras demais: as Relações Internacionais encaram um desafio semelhante ao enfrentado pela História: com a microfragmentação das narrativas, ficou mais fácil se expressar e mais difícil entender.
O papel das inteligências artificiais, como a citada no início deste texto, é apenas mais um exemplo de como os remédios do passado não curam mais as doenças do presente.
Some-se a isso o fato de que a existência da ONU parte de um pressuposto beligerante, ainda que compreensível do ponto de vista histórico: a Declaração das Nações Unidas, que fala em “vitória absoluta sobre seus inimigos” e “luta comum contra forças selvagens e brutais”. Foram apenas três anos desde a redação do texto até a criação da ONU. Destruído o inimigo, sigamos em paz, todos e todas, para um futuro de progresso e harmonia.
Como se todos os motivos de desentendimento entre povos e nações pudessem ser perdoados e escondidos num armário.
Se assim foi, alguém se esqueceu de trancar a porta.
E enquanto a ONU mantém esse sonho com ares de delírio, a OTAN se satisfaz vivendo a realidade.
Felipe Bueno é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.
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