Novos regimes de contratação no Executivo fragilizam a estabilidade do serviço público

Contratados não poderão ser dispensados em qualquer condição, mas mesmo com o regime único atual, servidores são demitidos de forma abusiva

Esplanada dos Ministérios, em Brasília | Foto: Reprodução

Depois de mais de 20 anos de tramitação, o Supremo Tribunal Federal decidiu colocar em pauta nesta semana a ADI 2135 e rejeitar o mérito da ação que pediu a declaração de inconstitucionalidade de parte da reforma administrativa aprovada pelo governo FHC em 1998, no que tange o regime de contratação dos servidores públicos.

O STF entendeu que a votação do Congresso foi regular e que o Poder Judiciário não deve interferir no Legislativo, na tentativa de reverter o que foi aprovado. Com isso, mudanças no regime de contratação de servidores públicos estão a caminho e preocupam especialistas.

Para esclarecer o que muda com tal determinação, o programa TVGGN Justiça da última sexta-feira (8) recebeu a advogada especializada na defesa de direitos de servidores públicos, Leticia Kaufmann, e o advogado Luiz Alberto dos Santos, patrono da ação no STF que questionou a mudança no regime de contratação dos servidores públicos.

Para Leticia Kaufmann, a grande questão em torno da temática é o fato de que ainda não é possível indicar quais implicações exatas a decisão vai trazer para o funcionalismo público. “Nós precisamos analisar os votos e, eventualmente, imagino que vai ter embargos de declaração para esclarecer alguns pontos específicos dessas decisões. Mas, inicialmente, eu acho que a gente precisa entender os primeiros pontos que mais estão sendo discutidos, que é a questão do fim do concurso público e do fim da estabilidade.”

A estabilidade, na análise da advogada, está prevista no artigo 41 da Constituição Federal, que não foi alterado, e deve ser mantida para os servidores públicos atuais, até como forma de evitar problemas maiores. 

“O ministro Flávio Dino, durante o julgamento, fez uma observação para que os efeitos da decisão fossem a partir da publicação do acordo. E proibindo, então, que os servidores atuais públicos federais, municipais e estaduais, pudessem ter alterado o seu regime de trabalho de estatutário para celetista, por conta das inúmeras implicações previdenciárias que isso poderia ter. Então, hoje, para os atuais servidores públicos federais, não há qualquer alteração da estabilidade”, afirma Leticia.

No entanto, para os servidores públicos futuros, a decisão do STF possibilitou a contratação a partir de diversos regimes estatutários. 

“Isso traz um problema catastrófico para a administração pública, porque podem, por exemplo, conviver num mesmo ambiente de trabalho, num mesmo órgão, exercendo as mesmas atividades, servidores públicos regidos pela Lei 8.112, que é a atual lei que rege os servidores públicos federais, servidores que, eventualmente, sejam contratados no regime de emprego público e, portanto, regidos pela CLT e outros servidores, com a criação de outras legislações, que sejam regidos, apesar de estatutários e com estabilidade, por outras regras. Então, servidores e trabalhadores desempenhando as mesmas atividades poderão ter remunerações diferentes, direitos e garantias muito diversos, que é o que acontece hoje, que há uma diferença significativa hoje entre a CLT e o regime estatutário.”

Demissões

Mas para Luiz Santos, a mudança, que ainda é um “buraco”, pois não tem definições, fragiliza a estabilidade do servidor público, tendo em vista que permite a criação de empregos em regimes em que não existe a “estabilidade nos termos originalmente previstos pela Constituição e regulamentados por lei no Brasil há muitas décadas”.

Ainda assim, a legislação determina que o trabalhador de empresas públicas não podem ser simplesmente dispensados. “A decisão do STF não permite, mesmo que permita o emprego público, a demissão em qualquer condição. Deve ser um ato motivado. Então, a administração pública para demitir alguém, e aí entra essa questão de fragilização da relação de emprego, que facilitaria, portanto, esse conluio, deve haver a motivação. Mas a gente vê que, mesmo hoje, com o regime jurídico único, nós não conseguimos evitar 100% dos casos de violação às regras e de abusos de demissão de servidores públicos. Imagina, a partir de agora, que essa relação é ainda mais fragilizada”, emenda Kaufmann. 

Ao longo da entrevista, os convidados falaram ainda sobre o impacto das organizações sociais no funcionalismo público. Confira:

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2 Comentários

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  1. No Brasil nada se inventa e tudo se arrebenta. Dá-se um passo para frente e dois para trás, em especial no âmbito dos direitos do cidadão. As novas gerações estão entre a revolta e o desespero com a decisão do STF quando ao destino dos servidores públicos, como se fosse uma ataque frontal a um direito constitucional garantido. Mas, vejamos como era na época da “redentora”. O estatuto do servidor público federal era a lei 1711/52, que previa até o pagamento de fiança pelo servidor que quisesse ser admitido após o devido concurso, eis que havia bancos inteiramente públicos – Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, além dos bancos estaduais, também públicos e cujos funcionários eram admitidos por concurso público. Veio a “redentora”, e as relações começaram a mudar. O servidor público, assim como agora, começou a ser substituído por celetistas porque o governo não abria mais concursos. O serviço público chegou ao nível total de exaustão, como agora, porque os servidores concursados ficaram sobrecarregados, foram envelhecendo e os novos admitidos eram mal remunerados, não recebiam qualquer treinamento e tinham horário diferenciado dos concursados, com carga maior de trabalho. O desmonte foi lento, gradual mas eficiente. Em meados e fim dos anos 70 não havia mais servidores estatutários, só servidor celetista provisório. Uma curiosidade é que as contratação através de concurso era obrigatória, e para a administração direta e indireta era feita pelo DASP. Na época, assim como agora, de sub emprego e forte instabilidade politico-social, o sonhos do desempregado era ser servidor, e o do servidor celetista era ser estatutário. Foram anos de luta até a aprovação da lei 8112/90, que deu o status de servidor público aos celetistas e opção de se incorporar à nova lei aos velhos estatutários remanescente. Só que para os novos, os direitos passaram a viger a partir da data da promulgação, sepultando os mais de 10 anos trabalhados no regime anterior e direitos correspondentes. Assim, de 1952 até metade dos anos 70 tivemos um estatuto que nasceu e foi morrendo. Em 1990 tivemos um regime jurídico estatuário que renasceu e foi morrendo do mesmo modo que o de 1952, depois de crises políticas e ataques do capital à organização do estado e as grandes privatizações. Nada de novo no front. Vamos ver o quanto vão amargar esses novos patriotas que votaram pela perda dos seus direitos até que seus filhos e netos os recuperem, para depois perde-los de novo.
    Uma curiosidade. O Estado não tinha procuradores, como agora. Advogados particulares faziam esse trabalho e recebiam uma bagatela, especialmente para as autarquias. Só após a Constituição de 1988 (art. 132) passou-se a exigir preenchimento do cargo através de concurso, e em 1993, pela Lei Complementar 73 é que a carreira foi unificada. Idem
    Ministério Público e Defensoria Pública, sob leis complementares específicas, que de um dia para outro fortaleceram carreiras com salários atrativos e candidatos ambiciosos.
    (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/L1711.htm)

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