Caso Rubens Paiva: trabalho do MPF é reconhecido pela justiça brasileira

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – A Justiça Federal aceitou ontem (26) a denúncia do Ministério Público Federal contra cinco militares responsáveis pela morte de Rubens Paiva, no Rio de Janeiro, em 1971, segundo apurada investigação dos procuradores da República.

Os militares José Antonio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr  Ochsendorf e Souza, Jacy Ochsendorf e Souza e Raymundo Ronaldo Campos são acusados de homicídio, ocultação de cadáver, fraude processual e quadrilha armada.

Uma sequência de documentos e testemunhas possibilitou o grupo de procuradores da República, Justiça de Transição, desvendarem com novas provas e relatos o mapa de crimes cometidos durante a ditadura militar. E o trabalho incansável do grupo no Rio de Janeiro está apresentando resultados nas denúncias como a do Riocentro e, mais recentemente, no histórico caso de Rubens Paiva.

“Em 2012, foram instauradas cerca de 100 investigações, porque no Rio de Janeiro são vários casos. Aqui, a gente concentra cerca de 70% dos casos referentes à ditadura militar em todo o Brasil. E uma delas era o desaparecimento do deputado Rubens Paiva, que conseguimos obter alguns documentos novos, a partir do assassinato do coronel Júlio Molinas, em Porto Alegre”, contou o procurador Antonio Cabral.

As apurações concluíram o sequestro de Rubens Paiva do Comando da III Zona Aérea para o DOI do I Exército, onde foi, então, “vítima de violenta tortura cometida pelo integrante de interrogatórios da Seção de Informações do DOI, Antonio Fernando Hughes de Carvalho (falecido no ano de 2005), dentre outros agentes ainda não totalmente identificados”, segundo a denúncia enviada pelo MPF.

No mesmo dia e local, outro denunciado – Rubens Paim Sampaio – e Freddie Perdigão Pereira (já falecido), agentes do CIE, foram às dependências do DOI com o objetivo de torturá-lo para extrair informações. No dia seguinte, agentes ainda não identificados sequestraram a esposa e a filha do ex-deputado.

“As graves lesões internas que ocasionaram a morte da vítima foram atestadas por um dos médicos que atendia o DOI na época, Amílcar Lobo Moreira da Silva, também já falecido”, informa o documento de denúncia.

José Antonio Nogueira Belham e Rubens Paim Sampaio também são apontados como coautores do crime, em razão das condutas comissivas e omissivas.

A investigação do crime de ocultação de cadáver traz elementos que confirmam a participação de José Antonio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Raymundo Ronaldo Campos, Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza.

Mesmo com a ocultação ainda não exaurida, o Ministério Público considerou uma pluralidade de agentes, “sendo que nem todos foram identificados”.

Para o crime de fraude processual, tem-se que o laudo pericial, datado de 22 de janeiro de 1971, descreve uma situação diferente da que realmente ocorreu, e a farsa teria prosseguido com a repercussão da notícia pela imprensa, com o “claro objetivo de justificar a não-instauração de um inquérito para apurar o desaparecimento de Rubens Paiva”.

De acordo com o MPF, Raymundo Ronaldo Campos, Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza afirmaram falsamente que Rubens Paiva fora resgatado, como também incendiaram o automóvel VW pertencente ao Destacamento. Com esses artifícios, induziram o perito ao erro.

Por fim, a adesão dos cinco denunciados à quadrilha armada ocorreu no interior do DOI do I Exército e do CIE, órgãos da “Diretriz Presidencial de Segurança Interna” que suprimiam a oposição ao regime com ações criminosas acobertadas por agentes do Estado.

Subordinado diretamente ao ministro do Exército, o CIE manteve entre os anos 70 e 74 equipes de operações comandadas por capitães e majores, entre eles Rubens Paim Sampaio e Freddie Perdigão Pereira e Paulo Malhães, ambos já falecidos.

Posteriormente – indica a denúncia do MPF –, o coronel José Antonio Nogueira Belham passou a comandar toda a seção de operações do CIE. A suspeita foi uma das confirmações ocasionadas com a recente apreensão de documentos na residência do militar falecido Paulo Malhães.

“Convém registrar que, poucas semanas antes do óbito, Paulo Malhães confessou ter recebido ordens do CIE para retirar os restos mortais de Rubens Paiva da praia do Recreio dos Bandeirantes e ocultá-los em lugar ainda ignorado”.

Lei da Anistia

Uma das questões ainda levantadas nas denúncias dos crimes da ditadura militar brasileira é a Lei da Anistia.

A decisão do juiz federal Caio Márcio Gutterres Taranto, que acatou a ação do Ministério Público, afirma que o art. 1º da lei de 1979 não trata de crimes previstos na legislação comum, mas crimes políticos ou conexos a estes, “punidos com fundamento em atos institucionais e complementares”. A denúncia, disse o magistrado, trata de crimes previstos no Código Penal.

Além disso, o juiz assegurou que crimes contra a humanidade não abrigam incidência de prescrição.

Mesmo assim, há quem defenda que a Lei da Anistia se aplica a esse caso.

Um colunista da Veja publicou ontem: “o STF já deixou claro que a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade vale a partir do momento em que eles passam a figurar nas leis brasileiras. Não é possível retroagir. Quanto à Lei da Anistia não alcançar crimes previstos no Código Penal, dizer o quê? Acho que é a argumentação mais exótica que já li. Ora, tanto as anistias costumam valer para crimes previstos no Código Penal que, quando se quer deixar claro que não são passíveis de perdão, isso tem de ser constitucionalmente definido”.

O procurador da República Antonio Cabral contrapõe: “estamos inteiramente convictos de que a Anistia não deve ser aplicada nesses casos. O que o Supremo Tribunal Federal fez, em 2010, ao decidir sobre a Lei da Anistia, foi considerar a compatibilidade da lei com a Constituição, mas não com o Direito Internacional. Por isso que tem um recurso contra aquela decisão, que ainda está pendente de julgamento no Supremo”, disse.

Antonio Cabral explicou, ainda, que esses crimes têm responsabilidades junto ao Plano Internacional. “Não é a partir da constituição da Corte Interamericana, ou a partir da década de 90, após a redemocratização do Brasil. Esses princípios já eram válidos e convergentes para o Brasil pelo menos desde o segundo pós Guerra, quando o Brasil foi signatário de diversos documentos no Plano Internacional, que afirmaram que esses crimes são de lesa humanidade. Portanto, são insuscetíveis de anistia, de prescrição, não há óbices referentes a coisas julgadas e nada disso”, afirmou.

Para ele, o judiciário brasileiro tem uma obrigação a desempenhar. “Aliás, esperamos que o Brasil seja mais um país a cumprir com as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, já que toda a América Latina, em casos referentes às ditaduras que se instalaram na segunda metade do século XX no nosso continente, cumpriu as decisões da Corte”.

“A Lei da Anistia não é um óbice para a punição desses delitos”, concluiu.

Leia a decisão do juiz federal e a denúncia do MPF, abaixo:

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

5 Comentários

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  1. Acho que alguns milicos da

    Acho que alguns milicos da época, estão começando a ficar com a pulga atrás da orelha.

    Um já foi “suicidado”.

  2. Até que enfim. Temo que

    Até que enfim. Temo que invariavelmente chegue até o Supremo. E aí tenho minhas dúvidas se ele terá peito de, finalmente, criar uma jurisprudência na qual torturadores não podem ter o beneplácito de nenhuma anistia. 

  3. é o brasilllll
     
    neto do

    é o brasilllll

     

    neto do covas presidindo CPI do metro

    MP apurando torturas mesmo sendo acusado de ser a parte que dava carater “legal” as prisoes,,,,

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