Como Lula foi empurrado para dentro do triplex, por Michel Arbache

Quando diretores da OAS já se encontravam desesperados pelas notícias na imprensa sobre o envolvimento da empresa na Lava Jato, eles mandaram comprar, com notas fiscais, produtos e serviços para supostas “vantagens indevidas” ao ex-presidente Lula.

Foto: Reprodução

do Portal LN

Como Lula foi empurrado para dentro do triplex

por Michel Arbache

publicado em 29 de agosto de 2019

Quando diretores da OAS já se encontravam desesperados pelas notícias na imprensa sobre o envolvimento da empresa na Lava Jato, eles mandaram comprar, com notas fiscais, produtos e serviços para supostas “vantagens indevidas” ao ex-presidente Lula.

O ano é 2007 e as notícias que inundavam a mídia eram os grampos telefônicos. Até que surgiu o famoso caso do “grampo sem áudio” que supostamente teria captado uma conversa entre o ministro do STF Gilmar Mendes e o então senador Demóstenes Torres (1). Mas a lembrança do caso, aqui, é oportuna por conta de um comentário, na época, do ministro do STF, Marco Aurélio Mello:

“Hoje, você não sabe mais quem está ouvindo suas conversas. (…) Um dia minha irmã ligou para falar do espólio de meu pai. Repeti várias vezes que os valores se referiam ao espólio. Era para quem estivesse ouvindo entender. Se um ministro do STF tem de tomar essas cautelas, o que não sofre um juiz de primeira instância?” (2)

A cautela do ministro Marco Aurélio Mello fazia todo sentido no contexto em que jorravam notícias de grampos de conversas telefônicas que, uma vez tiradas do contexto, poderiam comprometer uma pessoa inocente. O que dizer então de alguém; de um alto dirigente de uma empresa que sabe que está sendo investigado por corrupção e que se encontra aflito em ver toda a mídia falada, escrita, televisiva e digital noticiando? Como o investigado deveria agir? Vamos então lançar duas questões e as respectivas respostas mais absurdas, ou seja, os procedimentos que um empresário corrupto pouco inteligente deveria tomar para continuar praticando ilicitudes, mesmo sabendo que estava sob investigação:

– Como o corrupto deve conversar ao telefone ou em mensagens de texto?
Resposta: comunique-se de modo que o “araponga” (investigador) saiba, ainda que de forma cifrada, do assunto que está sendo tratado e quem são os personagens; os comparsas; os corruptos passivos. Diga o que vai fazer para corromper.

– Como agir para praticar “favorecimento ilícito” a alguém, ainda mais em favor de um político de destaque que esteja no olho do furacão do noticiário?
Resposta: compre tudo (móveis, eletrodomésticos, serviços etc) para corromper o político e peça nota fiscal de tudo, de modo que os investigadores tenham uma prova material de que suas conversas (aquelas grampeadas) tratavam realmente de corrupção.

Agora sigamos, por capítulos, a novela do “triplex do Lula”. A novela que exponho abaixo não é um texto ficcional, mas sim uma ‘colagem’ de tudo que saiu na mídia. Peço atenção ao leitor às datas e aos fatos. Como de hábito, disponibilizo todas as fontes das notícias.

Março de 2010 – assim nasceu o “Triplex do Lula” na imprensa nacional

Em janeiro deste ano publiquei um texto que chamava a atenção para o seguinte fato: uma das principais provas que o juiz Sérgio Moro dispunha para “comprovar” que o triplex pertencia a Lula foi uma matéria do jornal O Globo de 2010 sob o título “Triplex do Casal Lula está atrasado” (3). A matéria não citou fonte ou documento que embasasse tal título. O que havia de fato – e que era informação pública – eram cotas de participação da família de Lula em um projeto que poderia ser convertido na compra de apartamento no Edifício Solaris. O “triplex” da matéria era, enfim, fruto de boato. Por que boato? Porque não havia documento algum que comprovasse que o triplex, na época, pertencia a Lula. No corpo da matéria não há referência alguma à palavra “triplex”. Matéria de jornal não é documento. Tanto que, recentemente, o The Intercept revelou que Tatiana Farah, a jornalista de O Globo autora da matéria, se baseou em relatos de funcionários da obra do prédio que o triplex era do Lula (4). Sim, acredite se quiser: a principal “prova” de condenação de Lula é fofoca de operários sem identificação. Se o leitor tiver curiosidade em saber o nível de informação que a jornalista da Globo obteve, visite uma obra de engenharia qualquer e faça uma pesquisa informal, entre os operários, sobre detalhes referentes ao empreendimento. Tipo: “o que vai ser aqui?”; “quem é o contratante desta obra?”; “quem comprou o apartamento X ou a sala Y?”. Enfim, segundo conversas vazadas pelo The Intercept na mesma matéria, até o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, tinha dúvidas sobre a robustez de tais provas.

Abril de 2014 – noticiário nacional: OAS está dentro da Lava Jato

No dia 29/04/2014, o jornal O Globo publicou matéria com o seguinte título: “Lava-Jato: repasses de R$ 90 milhões na mira da Polícia Federal” (5). A matéria dizia respeito à segunda fase da chamada Operação Lava Jato em que a Polícia Federal (PF) investigava empresas que “irrigaram” o esquema do doleiro Alberto Youssef, que já se encontrava preso. Segue, abaixo, trechos da matéria (grifo meu):

“Na segunda etapa da Operação Lava-Jato, a Polícia Federal (PF) vai apertar o cerco sobre dirigentes de empresas, especialmente de empreiteiras contratadas pela Petrobras que fizeram pagamentos à MO Consultoria, do doleiro Alberto Youssef, preso desde 17 de março.
(…)
Entre as empreiteiras que fizeram pagamentos à MO estão OAS, Galvão Engenharia e Coesa Engenharia, entre outras grandes empresas. Pelas informações da força-tarefa de procuradores encarregada de atuar no caso, a OAS”

Em suma: a matéria inclui a empreiteira OAS entre as investigadas na Lava Jato e que a “Polícia Federal (PF) vai apertar o cerco sobre dirigentes de empresas, especialmente de empreiteiras contratadas pela Petrobras”. Desculpe-me, caro leitor, mas vou repetir para não restar dúvidas: a matéria, de abril de 2014, diz que a Lava Jato vai “apertar o cerco sobre dirigentes de empresas, especialmente de empreiteiras contratadas pela Petrobrás (…) Entre as empreiteiras, a OAS” – cujo sócio era o empresário José Adelmário Pinheiro, ou, Léo Pinheiro.

Setembro de 2014: OAS entre as acusadas de contratar empresa de fachada

Na matéria do dia 17 setembro de 2014, o jornal O Globo citou as grandes empreiteiras que teriam contratado empresas de fachada do doleiro Alberto Youssef – que, conforme já foi mencionado em matéria supracitada, já se encontrava preso desde março daquele ano. Segue abaixo trechos da matéria de O Globo:

“(…) a PF recolheu no escritório da contadora provas de que mais empresas atuavam sob controle do doleiro, como a Rigidez. Consórcios liderados por Queiroz Galvão e Engevix; Coesa, subsidiária da OAS
(…)
A Coesa, do grupo OAS Empreendimentos, também repassou recursos para a Rigidez. Pagou R$ 650 mil para receber da construtora que não tem funcionários “consultoria técnica para obras do setor civil”, e projetos para viabilizar a implantação de projetos no interior paulista” (6).

Outubro de 2014: Léo Pinheiro é citado em delação

No dia 09 de outubro de 2014, o jornal O Estado de São Paulo publicou matéria sob o título “Ex-diretor da Petrobrás aponta nomes de executivos de empreiteiras no esquema”. A matéria trata do depoimento à Justiça Federal do ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, o primeiro delator da Lava Jato. Trata-se de um esquema de cartelização de grandes empresas em obras da Petrobrás.
Segue, abaixo, o trecho da matéria que trata do depoimento de Paulo Roberto Costa ao juiz:

Juiz: “OAS também participava?”
PR Costa: “OAS também participava.”
Juiz: “Com quem o sr tratava?”
PR Costa: “Leo Pinheiro.” (7)

Conforme vimos, a empreiteira OAS, de Léo Pinheiro, já estava, segundo a imprensa, dentro da Lava Jato pelo menos a partir de abril de 2014. No processo do MPF e que consta na sentença condenatória de Lula, há menção às trocas de mensagens entre Léo Pinheiro e executivos da OAS que citam propinas ao PT e que cita nominalmente “Fábio” (filho de Lula). Tais trocas de mensagem foram feitas em agosto de 2014. Eis alguns trechos tirados da sentença condenatória do juiz Sérgio Moro (8):

408. Em 21/08/2014, houve nova troca de mensagens relevantes, entre José Adelmário Pinheiro Filho (Leo Pinheiro) e Marcos Ramalho, executivo da OAS, relativamente à ida e visita dele e dos familiares de Luiz Inácio Lula da Silva ao apartamento 164-A, Condomínio Solaris, no Guarujá (Relatório de Análise de Polícia Judiciária n.º 32,evento 3, comp178, fls. 11-12):
(…)
545. Segundo consta nas alegações finais de José Adelmário Pinheiro Filho (evento 931, fl. 24), a questão do débito da conta geral de propinas entre o Grupo OAS e agentes do Partido dos Trabalhadores teria sido tratada na primeira parte da reunião em 09/06/2014, enquanto a segunda mensagem trataria da confirmação da realização do débito, novamente em reunião com “JV”, que seria João Vaccari Neto

A pergunta básica para tais “evidências” de corrupção seria: se é verdade que Léo Pinheiro e demais executivos da OAS conversaram (por telefone ou mensagens de texto) com João Vaccari Neto para tratar de corrupção, por que há notícias de perícias nos celulares dos executivos mas nada a respeito de perícia no telefone do ex-tesoureiro do PT? Não temos a resposta, mas uma constatação: Vaccari Neto foi absolvido por falta de provas (9).

Importante salientar que a defesa de Lula solicitou ao juízo o acesso aos aparelhos telefônicos, HDs etc que supostamente continham os diálogos comprometedores que embasaram a condenação do ex-presidente, mas isto foi negado. Eis o que consta na sentença:

217. Cogitando que a Defesa estivesse se referindo às mensagens constantes no aparelho celular de José Adelmário Pinheiro Filho, cumpre ressalvar que este Juízo não tem a disponibilidade plena do referido material probatório, uma vez que há mensagens que instruem investigações de autoridades com foro por prerrogativa de função e, portanto, o Juízo não teria como liberar o acesso a todo o material probatório em questão.
218. De todo modo, em relação às mensagens pertinentes a este feito, não só constam os registros documentais delas, mas também José Adelmário Pinheiro Filho, ouvido em Juízo, confirmou a sua autenticidade, assim como seu principal interlocutor Paulo Roberto Valente Gordinho, como ver-se-á adiante (8).

Em suma: o juiz negou à defesa de Lula o acesso às trocas de mensagens porque estas “instruíam” a acusação. Assim sendo, os “registros documentais” das tais trocas de mensagens e o simples relato “em juízo” dos interlocutores Léo Pinheiro e Paulo Roberto Valente (que “confirmaram a autenticidade das mensagens”) já se configuravam como “verdades incontestáveis”.

Mas a questão principal, aqui, não é verificar a autenticidade das mensagens trocadas entre dirigentes da OAS, ou seja, se elas teriam ou não ocorrido. Muito provavelmente ocorreram. A questão é: por que ocorreram?

O incrível é que as tratativas sobre corrupção por parte de Léo Pinheiro (tratando da visita de Lula e familiares ao triplex e de “conta geral de propinas” com o tesoureiro do PT) tenham acontecido quando a imprensa já noticiava que a OAS já estava nas garras da Lava Jato. A propósito da visita dos familiares de Lula ao triplex, no que pese a ausência total de provas (quanto à intenção de ficar com o imóvel) e o disse-me-disse dos delatores , temos uma pérola da “imparcialidade” do juiz neste trecho que trata de uma visita da família de Lula ao triplex em agosto de 2014. O trecho abaixo foi tirado da sentença condenatória de Lula pelo juiz Sérgio Moro e diz respeito ao interrogatório do executivo da OAS, Paulo Roberto Valente Gordilho:

“Juiz Federal: – Em algum momento foi afirmado nessa visita que eles não ficariam com o apartamento?
Paulo Roberto Valente Gordilho: – Não.” (8)

Ou seja: se ninguém falou que “não ficaria com o apartamento” é porque ficariam com o apartamento. Se a pergunta do juiz federal não foi capciosa, modifique-se nos dicionários o sentido de “capcioso” ou “ardiloso”. Porque a lógica do julgador, se fosse isento, seria perguntar: “Em algum momento foi afirmado nessa visita que eles ficariam com o apartamento?”. Numa analogia simplória, tal lógica seria como se Mariazinha acusasse o irmão Joãozinho de furtar seu doce e pegasse o outro irmão Pedrinho como testemunha. Daí a mãe pergunta ao Pedrinho: “em algum momento o Joãozinho te disse que não pegou o doce da Maria?” Se a resposta for “não”, está formalizada a culpa de Joãozinho cujo veredicto poderia ser diferente se a mãe perguntasse à testemunha: “em algum momento você viu o Joãozinho furtando o doce?” ou “em algum momento o Joãozinho te disse que comeu o doce da Mariazinha?”

OAS e a estranha compra de móveis e serviços para o triplex

Ao que tudo indica, estamos diante de um caso de corrupção de um corruptor dos mais descuidados da história, algo que, convenhamos, não casa com a história de Léo Pinheiro e a OAS. Além das trocas de mensagens comprometedoras (conforme exposto acima), o corruptor comprou, com notas fiscais, produtos e serviços para o corrompido.
Sim, a OAS comprou, com notas fiscais, as “vantagens indevidas” para o suposto usufruto da família de Lula. Isto também consta no processo e na sentença condenatória de Lula. Um exemplo é a compra do “elevador privativo” do triplex, que existe – diferente de algumas versões que dizem que o tal elevador inexiste. O jornal GGN já explicou este ponto (10).

Segundo apurou o GGN:
“Ao GGN, a TNG revelou que ‘foi um elevador bem simples, o instalado, por opção da construtora. Não sei se foi por uma questão de custo, mas aquele era o equipamento mais em conta que a gente tinha e com o menor prazo, porque já tinha ele aqui no Brasil’.”

Como se vê, a despeito de ter sido uma obra de baixo custo feita às pressas, o impacto da benfeitoria poderia render um escândalo inversamente proporcional ao preço. Mas o problema não é o elevador em si, mas sim a data em que o serviço foi contratado. A Lava Jato fez o costumeiro carnaval com a contratação do serviço, com a transmissão ao vivo do depoimento de Alberto Ratola, engenheiro que projetou o elevador (11). Segundo o engenheiro, em momento algum lhe foi dito que o serviço seria para favorecer Lula e sua família. O advogado de Lula, Cristiano Zanin, perguntou mais de uma vez a Ratola se, em algum momento, fora pedido sigilo ao serviço. O engenheiro respondeu que não foi pedido sigilo algum – transparência esta que, convenhamos, não combina com uma “compra de vantagens indevidas”.

Na sentença condenatória ainda consta a compra, por parte da OAS, de eletrodomésticos para o triplex datadas de novembro de 2014 em que as próprias notas fiscais entram como materialização das provas contra Lula:

390. A OAS Empreendimentos também adquiriu eletrodomésticos, fogão, microondas e side by side, para o apartamento 164-A junto à Fast Shop S/A, conforme informações prestadas pela referida empresa e juntadas no evento 3, comp256. Ali consta a Nota Fiscal 830842, emitida pela Fast Shop em 03/11/2014, contra a OAS Empreendimentos, no valor de R$ 7.513,00, e com nota de entrega para Mariuza Marques, empregada da OAS Empreendimentos, no endereço do Condomínio Solaris. A própria Mariuza Aparecida da Silva Marques, como ver-se-á adiante, confirmou, ouvida como testemunha, que os eletrodomésticos foram instalados no apartamento 164-A, triplex (item 490).

Montando o quebra-cabeças
Como se depreende de toda a história da condenação de Lula, percebe-se que o empresário Léo Pinheiro, se foi a chave para que as provas ‘imateriais’ se materializassem em dados concretos para a condenação do ex-presidente, também pode ser a chave para que compreendamos o ‘script’ de uma história (ainda) obscura. Até aqui, o texto tratou de fatos. Daqui por diante, advirto o leitor que serão tratadas hipóteses em cima dos fatos.

Vamos começar pela estranha “prisão amigável” do doleiro Alberto Youssef em 17 de março de 2014, então o marco do início da Operação Lava Jato. Digo “prisão amigável” porque Youssef, desde o chamado ‘Escândalo Banestado’ (“escândalo-mãe da corrupção no Brasil”, segundo o ex-senador Roberto Requião (12), com desvios que teriam somado US$ 124 bilhões, foi poupado pelo juiz Sérgio Moro. Youssef, com todo seu histórico de “dínamo da corrupção”, acabou sendo solto pela Lava Jato três anos depois (13). E atualmente, segundo notícias, voltou a operar com dólar normalmente (14).

A relação entre o então juiz Moro e Youssef pode ser medida pelo site ‘O Antagonista’, conhecido braço da Lava Jato, quando o doleiro teria felicitado a nomeação de Moro para o Ministério da Justiça pelo presidente Jair Bolsonaro (15).

Mas se libertaram Youssef, por que mandaram prender? A resposta é óbvia para quem conhece a fundo os meandros da Lava Jato. Mas como resposta ‘light’, suponhamos que o doleiro sirva de instrumento de “sedução” (para usar um termo mais leve) ou “carta na manga” para pressionar empresários envolvidos na Lava Jato os quais, porventura, tenham feito operações ilegais com o doleiro. E aqui, já que estamos tratando especificamente de Léo Pinheiro (um dos que utilizaram os serviços de Youssef), vamos seguir um roteiro a partir das datas dos fatos e das notícias.

– 17/03/2014: prisão de Youssef, o início da Lava Jato na imprensa.
– 29/04/2014: Globo noticia que OAS está dentro da Lava Jato.
– 03/11/2014: OAS compra, com notas fiscais, mobília, eletrodomésticos e serviços para o triplex.
– 14/11/2014: primeira prisão de Léo Pinheiro.

Abaixo, a coisa começa a esquentar…
– 20/02/2015: jornal Estadão diz que empreiteiros investigados pela Lava Jato procuraram Lula para “cobrar interferência política” do ex-presidente para evitar colapso econômico das empreiteiras (16). Em alguns momentos, segundo a matéria, os empresários usaram “tons de ameaça” nas conversas. Algumas empreiteiras negaram o encontro; Paulo Okamotto (Instituto Lula) admitiu conversas com empreiteiros, mas não no teor divulgado pelo Estadão. A mesma matéria fala também de Léo Pinheiro. Eis uma parte importante cujo trecho exponho na íntegra (grifo meu):

“A força-tarefa da operação prendeu uma série de executivos de empreiteiras em 14 de novembro [2014], na sétima fase da Lava Jato. Um deles era o presidente da OAS, Léo PinheiroAntes de ser preso, ele se encontrou com Lula para pedir ajuda em função das primeiras notícias sobre o conteúdo da delação premiada do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa que implicavam sua empresa“.

Perguntas:
1- Quem contou ao Estadão que Léo Pinheiro se encontrou com Lula “para pedir ajuda em função das primeiras notícias sobre a delação de PR Costa que implicavam sua empresa?”
2- Se Léo Pinheiro estava preocupado com “as primeiras notícias” (pelo menos a partir de abril de 2014) envolvendo sua empresa, por que em agosto disparou mensagens via celular tratando da visita de familiares de Lula ao triplex, conforme consta na sentença supracitada? Por que chamou a família de Lula para visitar o triplex? Por que comprou “vantagens indevidas” para Lula em novembro daquele mesmo ano (2014)?

– 02/03/2015: o site lavajatista O Antagonista diz que César Mata Pires, fundador e sócio majoritário da OAS, “estava desesperado” e teria sido aconselhado por Emílio Odebrecht a “procurar (ameaçar) Lula” (17). O site diz que tirou a informação do Estadão (na matéria supracitada) e que “resolveu apurar os desdobramentos dessa história”. O site então descreve um encontro entre empreiteiros ilha de Kieppe, na baía de Camamu, no sul da Bahia, de propriedade da família Odebrecht. Enfim, o Antagonista deu detalhes que somente Deus, o onipresente, poderia ter dado – além, claro, dos próprios participantes do tal encontro.
Perguntas:
1- de onde o amigo leitor acha que o Antagonista “apurou os desdobramentos” da história? Dos próprios executivos da OAS? Ou seria da própria Lava Jato? E se a fonte foi a Lava Jato, por que a operação trazia tantos detalhes envolvendo os executivos da OAS?
2- Juntando estas duas matérias (Estadão e Antagonista), será que poderíamos deduzir que, desde as primeiras notícias envolvendo a OAS, o enredo desta empreiteira na Lava Jato (e seu braço na mídia) já dispunha de um “narrador onisciente” – quiçá um alto dirigente da empreiteira OAS? Sobre esta questão, sigamos com o enredo…

– 24/04/2015: revista Veja diz que Léo Pinheiro fez um relato sobre “amizade” e “intimidade” com o ex-presidente Lula (18). E que “em suas memórias (manuscritos) do cárcere”, Léo Pinheiro teria elencado favores a Lula como o triplex do Guarujá e o sítio em Atibaia. Ou seja: se é verdade o conteúdo da tal matéria na Veja, a decisão de Léo Pinheiro de “entregar” Lula já era uma estratégia viva – e não uma “mudança de postura” (que seria noticiada somente em abril de 2017) de quem, nos primeiros depoimentos, inocentara o ex-presidente.

– 25/04/2015: site O Antagonista diz que “Léo Pinheiro está pronto para entregar Lula. Praticamente já entregou” (19). Quem disse? Quem passou tal informação?

– 29/04/2015: executivos presos pela Lava Jato, incluindo Léo Pinheiro, deixam cadeia para prisão domiciliar por decisão da Segunda Turma do STF no dia 28/04/2015.
– 24/07/2015: revista Veja (edição 2.436, de 29/07/2015) com Lula na capa e o título “A Vez Dele”, trouxe no subtítulo: “amigo de Lula, Léo Pinheiro decidiu contar ao Ministério Público tudo o que sabe sobre a participação do ex-presidente no Petrolão e como o filho Lulinha ficou milionário” (20).

– 26/07/2015: Advogados de Léo Pinheiro divergem sobre delação. O executivo da OAS tinha três bancas de advogados atuando em três cidades diferentes: São Paulo, Curitiba e Brasília.
– 02/03/2016: Nesta data, segundo vazamento divulgado pela Folha em parceria com o The Intercept, procuradores da Lava Jato já tinham iniciado as tratativas para o acordo de delação premiada com executivos da OAS. Na época, os procuradores estranharam que tal acordo tivesse sido noticiado na imprensa. O procurador Paulo Roberto Galvão comentou com os colegas: “a notícia de hoje deixa claro que a intenção de acordo vazou da própria empresa [OAS], pois ninguém tinha recebido qualquer informação sobre o que eles falariam” (21).
– 01/04/2016: braço da Lava Jato na web diz que Léo Pinheiro contratou o criminalista José Luis Oliveira Lima, vulgo Juca, como negociador da sua delação premiada. “Lula já era”, diz O Antagonista (22). O advogado Juca era considerado “especialista” no sucesso das negociações de delação entre acusados e investigadores.
– 01/06/2016: delação de Léo Pinheiro é rejeitada porque inocentou Lula (23).

– 13/07/2016: Segundo vazamento divulgado pelo The Intercept dia 01/08/2019, o chefe da Lava Jato Deltan Dallagnol, no grupo do Telegram denominado “Acordo OAS”, incentiva os colegas quanto à hipótese de cerco ao ministro do STF, Dias Toffoli (24). E defende uma investigação clandestina contra o ministro.
– 19/08/2016: Em outra conversa vazada pela parceria da Folha com The Intercept e publicado dia 30/06/2019, a procuradora Jerusa Viecili reclama que a revista Veja viu os anexos da delação da OAS (que citava o ministro do STF, Dias Toffoli) antes dos próprios procuradores: “Até a Veja já viu os anexos e nós ainda não” (25). Um mistério: quem poderia ter passado as informações à Veja?
20/08/2016: Irritados com os vazamentos da delação da OAS, procuradores da Lava Jato defenderam a suspensão das negociações da delação da empresa, exceto o coordenador Deltan Dallagnol, que defendia a continuidade das negociações. Ao que parece, somente Dallagnol parecia não estar irritado, ou, surpreso com os vazamentos da delação à imprensa. Os procuradores ainda comentam que Juca, o advogado de Léo Pinheiro, estava checando os anexos (da delação) “para ver se tinha ilícito ou não” antes de entregar aos investigadores. A procuradora Anna Carolina comenta: “E também acho que tem muita coisa em jogo nesse caso da OAS. Podemos sofrer uma reviravolta nos acordos. Os anexos da OAS não valem isso. Na minha visão, são muito ruins, o advogado é mau caráter e Léo Pinheiro é o empreiteiro com mais prova contra si”.

Uma semana depois daquela conversa, a revista Veja publicou anexos da delação e insinuou que a OAS “revelou” a existência de uma conta secreta para fazer pagamentos a Lula.

Pelo que foi vazado pelo The Intercept, agora ficamos sabendo que os procuradores (exceto Dallagnol) ficaram irritados com os vazamentos da delação da OAS para a imprensa, principalmente aquela que citou Dias Toffoli – pois isto poderia indispor o STF contra a Lava Jato. E os procuradores desconfiaram que o vazamento poderia ter partido do advogado de Léo Pinheiro ou de alguém dentro da OAS. Agora, juntando as peças do quebra-cabeça dos vazamentos revelados pelo The Intercept (um publicado dia 30/06/19 e outro publicado dia 01/08/19), pergunta-se: quem era o maior interessado para que as delações vazassem à imprensa e que as mesmas envolvessem Dias Toffoli? Resposta óbvia: a mesma pessoa que incentivou o cerco ao ministro do STF.
– 27/08/2016: sobre a matéria da Veja (citando a “conta secreta” da OAS para Lula), os procuradores duvidaram da autenticidade da informação. A procuradora Anna Carolina comentou: “Li a reportagem e ela tenho quase certeza q ela está fidedigna. Só não achei a parte da conta. Talvez tenha sido mais um estelionato contra o leitor. Tá no título mas não está no conteúdo”.

– 22/08/2016: PGR suspende negociações de delação premiada com Léo Pinheiro (26).

Agora ficamos sabendo que o PGR Rodrigo Janot atuava ‘afinado’ com o amigo de Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, inclusive trocando informações sobre palestras remuneradas – segundo mensagens vazadas pelo The Intercept (27).
– 24/08/2016: Léo Pinheiro se cala diante de Sérgio Moro.
– 05/09/2016: Léo Pinheiro é preso novamente
– 23/11/2016: Sem entregar Lula, Léo Pinheiro teve sua pena aumentada em 10 anos pelo TRF-4, totalizando 26 anos (28).
– 20/04/2017: Léo Pinheiro decide “entregar” Lula (29).

– 06/01/2019: Bolsonaro nomeia Pedro Guimarães, genro de Léo Pinheiro, como presidente da Caixa Econômica Federal (CEF) (30).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A estratégia para ‘entregar’ Lula por parte da diretoria da OAS sempre foi viva desde as primeiras notícias na mídia, em 2014. Corrobora com essa tese as compras, feitas às pressas, de mobílias e serviços como benfeitorias para o triplex do Guarujá concomitante com as compras feitas para o sítio de Atibaia. A empresa Kitchens, contratada para fazer a cozinha no sítio, foi dispensada até de fazer as medidas. No caso do triplex, a empresa foi ao local para tirar as medidas.
A dúvida que fica é por que a defesa de Léo Pinheiro, cuja estratégia de ‘entregar’ Lula já estava traçada, protelou tal medida. Há duas hipóteses: a primeira, seriam as divergências entre a Lava Jato e a defesa quanto aos benefícios (financeiros; tipo de pena etc) que a OAS e seus sócios teriam com a delação premiada; a segunda hipótese é que a protelação seria um ‘script’ combinado entre a defesa e a Lava Jato para servir de parâmetro aos outros denunciados, mas com o cuidado de não explicitar que bastava denunciar Lula para automaticamente ter a denúncia aceita e, assim, receber o “prêmio” pela delação. Corrobora com esta hipótese a estratégia ora adotada com o réu Antônio Palocci, que parece seguir o mesmo roteiro. Vale lembrar a preocupação do coordenador Deltan Dallagnol na frase dita aos colegas em 13/07/2017: “Caros, acordo do OAS, é um ponto pensar no timing do acordo com o Léo Pinheiro. Não pode parecer um prêmio pela condenação do Lula“ (31).

Fontes:

1- O caso “grampo sem áudio”:

https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/grampo-sem-audio-a-suspeita-que-nao-pode-ser-esquecida

2- Marco Aurélio Mello e o caso do grampo no STF:

https://www.conjur.com.br/2007-ago-18/oab_investigacao_suspeita_grampo_stf

3- Sérgio Moro usou matéria de O Globo como prova para condenar Lula:

https://jornalggn.com.br/midia/relembre-os-perigos-de-se-usar-materia-de-jornal-como-prova-em-decisao-judicial-por-michel-arbache/

4- The Intercept: jornalista de O Globo se baseou em relatos de funcionários da obra para concluir que o triplex era de Lula.

https://theintercept.com/2019/06/09/dallagnol-duvidas-triplex-lula-…

5- Lava-Jato – repasses de R$ 90 milhões na mira da Polícia Federal:

https://oglobo.globo.com/brasil/lava-jato-repasses-de-90-milhoes-na…

6- Grandes empreiteiras contrataram empresas de fachada do doleiro Youssef:

https://oglobo.globo.com/brasil/lava-jato-grandes-empreiteiras-cont…

7- Ex-diretor da Petrobrás aponta nomes de executivos envolvidos em esquema:

http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/ex-diretor-apont…

8- Sentença condenatória de Lula pelo juiz Sérgio Moro:

https://www.conjur.com.br/dl/sentenca-condena-lula-triplex.pdf

9- João Vaccari Neto é absolvido em segunda instância em processo da Lava Jato:

https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/joao-vaccari-neto…

10- GGN: Elevador do triplex existe e a empresa que emitiu nota pela instalação também:

https://jornalggn.com.br/justica/xeque-elevador-do-triplex-existe-e…

11- Depoimento de Alberto Ratola de Azevedo, responsável pelo elevador do Triplex do Guarujá, ao juiz Sérgio Moro:

http://www.youtube.com/watch?v=UWXwOsfD7Ds

12- Pronunciamento do senador Roberto Requião cobrando a reabertura do “Caso Banestado”, escândalo-mãe da corrupção no Brasil

http://www.youtube.com/watch?v=STrxqSA0p8E

13- Doleiro Youssef foi perdoado duas vezes pelo juiz Sérgio Moro:

https://www.opovo.com.br/noticias/politica/2018/03/sergio-moro-perd…

14- Após ser libertado pela Lava Jato, Youssef voltou a operar com dólar:

https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/youssef-volta-oper…

15- Doleiro Youssef torce pelo sucesso de Moro como ministro da Justiça:

https://www.oantagonista.com/brasil/ate-doleiro-da-lava-jato-da-opi…

16- Empreiteiras da Lava Jato recorrem a Lula e cobram interferência política:

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,empreiteiras-da-lava…

17- O Antagonista conta detalhes que só a Lava Jato poderia ter dado:

https://www.oantagonista.com/brasil/exclusivo-procure-lula-disse-em…

18- Veja expõe “memórias” de Léo Pinheiro que demonstram que delação contra Lula já era estratégia viva:

https://veja.abril.com.br/brasil/os-favores-do-empreiteiro/

19- “Léo Pinheiro praticamente já entregou Lula”:

https://www.oantagonista.com/brasil/bomba-atomica-presidente-da-oas…

20- “Léo Pinheiro decidiu contar ao Ministério Público”:

https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/a-casa-caiu-8211-empreiteir…

21- Procuradores da Lava Jato desconfiavam que os vazamentos para a imprensa das delações da OAS partiram da própria empresa:

https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI305407,31047-Novos+vazamen…

22- “O negociador de Léo Pinheiro”:

https://www.oantagonista.com/brasil/o-negociador-de-leo-pinheiro/

23- Delação de Léo Pinheiro é rejeitada porque não acusou Lula:

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/06/1776913-delacao-de-soci…

24- Deltan incentivou cerco à Dias Toffoli:

https://theintercept.com/2019/08/01/deltan-incentivou-cerco-lava-ja…

25- Procuradora da Lava Jato relata aos colegas que a imprensa estava sabendo dos vazamentos antes dos próprios procuradores:

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/06/leia-trechos-das-mensag…

26- PGR suspende negociações de delação premiada com Léo Pinheiro:

http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2016/08/pgr…

27- Deltan Dallagnol e o PGR Janot – palestras e amizade:

https://theintercept.com/2019/07/14/dallagnol-lavajato-palestras/

28- Léo Pinheiro não “entregou” Lula e teve pena aumentada:

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/tribunal-impoe-…

29- GGN: cronologia / o que fez Léo Pinheiro mudar delação:

https://jornalggn.com.br/justica/cronologia-mostra-o-que-fez-leo-pi…

30- Genro de Léo Pinheiro é nomeado presidente da Caixa por Bolsonaro:

https://revistaforum.com.br/bolsonaro-nomeia-genro-de-leo-pinheiro-…

31- Acordo para entregar Lula rendia prêmio, mas não poderia aparentar:

https://revistaforum.com.br/politica/vaza-jato/vaza-jato-acordo-com…

Redação

4 Comentários

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  1. Imagino que essa peça de investigação já é de conhecimento do dr. Zanin, advogado de Lula. Ou não? Mas, parabéns ao investigador, Michel Arbache, pelo trabalho em desvendar os truques e malabarismos executados pela Lava-Jato e Sérgio Moro para encalacrar de vez o Lula e colocá-lo na prisão. O triplex do Guarujá tem dono e o sítio em Atibaia, também. E não são propriedade do Lula. Como é que a justiça brasileira condenou esse homem sem provas, meu deus?

    1. Esse Dr Zanin e muito burro.

      Tivesse aconselhado o Lula a ficar com o triplex e pagar toda a diferença de valor devido pelo triplex e benfeitorias a ação acabaria em 2015.

      Mas são advogados acostumados a vender facilidades e não a pensar de forma clara e objetiva ao bem do cliente.

  2. ” – 29/04/2014: Globo noticia que OAS está dentro da Lava Jato.
    – 03/11/2014: OAS compra, com notas fiscais, mobília, eletrodomésticos e serviços para o triplex”

    Então… mesmo sabendo que estavam investigando, continuou pagando a “propina”. Cabra macho!!! Só tendo muito ódio pelo PT pra acreditar numa narrativa dessas.

  3. O GGN teria condições de informar onde / como estão os condenados relevantes da lava-jato (e do mensalão)?
    Tenho a convicção que é matéria de enorme relevância e interesse público, além de ajudar a perceber o tamanho dessas grandes farsas político-jurídicas que ameaçam não só a “democracia”, mas o presente e o futuro deste pobre país do pau-extinto e de seus habitantes.

    Só alguns pra exemplificar: Youseff, P.R.Costa, Dutra, Cerveró, Barusco, Zelada, Léo Pinheiro, Odebrecht(s), outros empreiteiros e executivos, Pallocci, Vaccari, o casal Santana, os do mensalão (o confesso Bob está aí lépido e fagueiro), … uma lista dos 20 ou 50 principais, que pode inclusive ser periódica, da situação dos envolvidos nestes processos (acusações, condenações, situação jurídica atual, onde moram, quanto $ levaram, etc.) Talvez até incluindo os do inicial Banestado.

    Dá pra fazer?

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