E pensar que Cármen Lúcia considera-se pacificadora, por Conrado Hübner

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Cármen Lúcia bem que tentou. Quando tomou posse, há dois anos, afirmou ser necessário uma travessia para tempos pacificados. Há uma semana, em entrevista, disse que não conseguiu a pacificação social, pelo menos daquilo que era da sua atribuição, disse ela. O tema é destaque da coluna de Conrado Hübner, no O Globo.

Quando declarou ser esta sua função, Cármen Lúcia impressionou, e parte da imprensa se dispôs a explicar que isso era função dos políticos, não de membros da Corte. Mas foi trabalho perdido, foi cair no discurso vazio entoado sem compromisso com o mundo real. Direito não anda de mãos dadas com a pacificação, pode contribuir na emancipação como também pode legitimar e cristalizar relações de violência e dominação.

A ministra marcou sua gestão se perdendo na definição de pauta e falta de senso de oportunidade ao escolher casos que tensionavam ainda mais a situação política do país. Claro está que sua pauta flutua ao sabor das pressões, para prejuízo do tribunal.

Da mesma forma, deixa de pautar temas importantes para o momento que vivemos, tal como execução provisória da pena após condenação em segunda instância, deixando que estourasse por ocasião da apreciação do habeas corpus de Lula.

Leia o artigo a seguir.

em O Globo

A Pacificadora

Conrado Hübner

O estilo de Cármen Lúcia escancarou um costume perverso do STF: a total arbitrariedade do que entra e do que sai de pauta

A ministra Cármen Lúcia, dois anos atrás, em discurso de posse na presidência do STF, destacou a necessidade de fazer a “travessia para tempos pacificados, travessia em águas em revolto e cidadãos em revolta”. Há poucas semanas, ela concedeu entrevista em que fez balanço de sua gestão: “Não consegui a pacificação social, pelo menos do que era minha atribuição”.

Alguns comentaristas se deixaram impressionar por essa ambição pacificadora, aparentemente fora de lugar. Deram-se ao trabalho de alertar que a grandiosa tarefa caberia à política, não à Corte. Caíram na armadilha de levar a sério demais uma expressão vazia de significado, um mantra de cartilhas jurídicas que juristas entoam sem muito compromisso com o mundo real. Nada mais raro no Direito do que a pacificação: ele até pode facilitar a emancipação de grupos vulneráveis; mas pode também, com maior frequência na história, legitimar e cristalizar relações de violência e dominação. Num e noutro caso, para o bem ou para o mal, nada há de pacífico nesses processos que o Direito ajuda a desencadear.

A ministra, contudo, parecia dizer algo mais. A pacificação não seria apenas papel do Direito, mas do STF em especial. Ingênua ou não, essa pretensão ecoa a antiga ideia de atribuir ao STF o lugar de poder moderador, de árbitro dos conflitos de alta voltagem política. Seria uma bússola que dá direção, previsibilidade e estabilidade constitucional à sociedade. Se era essa a meta que Cármen Lúcia queria perseguir, sua prática radicalizou no sentido oposto. Entre as marcas de sua gestão estão a forma errática e aleatória de definição de pauta e a falta de senso de oportunidade para escolher casos que não ajudem a tensionar ainda mais a situação política do país. Sua pauta flutua conforme as pressões de ocasião, para prejuízo do tribunal.

Há muitos exemplos. Na semana passada, a ministra pautou caso que discute a possibilidade de instaurar, por Emenda Constitucional, o parlamentarismo. O caso é de 1997, já passou por seis relatores e nunca foi a julgamento. A ministra o recolocou na mesa no meio do ano eleitoral mais incerto em três décadas, em que o presidente em exercício tem índices históricos de impopularidade e risco de não terminar o mandato. Fez apenas alimentar teorias conspiratórias sobre uma grande trama para esvaziar o voto popular e sufocar o papel das eleições. Dias mais tarde, retirou-o da pauta. Não deu explicações para uma coisa ou outra.

Por sua própria inépcia, deixou de pautar ação que trata da execução provisória da pena após condenação em segunda instância e esperou o tema explodir na mesa do Supremo por ocasião do habeas corpus de Lula. Na mesma época, permitiu que o ministro Luiz Fux tirasse da pauta o caso do auxílio-moradia de juízes (que ele mesmo, como relator, já havia segurado por três anos) sob o pretexto de que um processo de conciliação seria instaurado entre magistratura e governo. Nem Cármen Lúcia nem Luiz Fux explicaram a origem da saída exótica: se uma prática tem sua constitucionalidade sob suspeita, não há o que “conciliar”.

O estilo de Cármen Lúcia escancarou um costume perverso do STF: a total arbitrariedade do que entra e do que sai de pauta.

A agenda constitucional do país tornou-se agenda do STF, e quem manda nela é uma única pessoa. Essa pessoa não precisa explicar seus atos, como qualquer agente público deve fazer. Na pauta do mês que vem, pode entrar caso que está há 20 anos na gaveta ou há 30 dias. Isso já é sério o suficiente. Para agravar, os casos podem sair da pauta e voltar para a gaveta sem motivo explícito. Um Parlamento define sua pauta conforme a habilidade de aglutinar coalizões político-partidárias e estabelecer prioridades. Isso é próprio da política. Uma Corte não pode funcionar assim.

Cármen Lúcia não está só. A mesma dissonância cognitiva se percebe também em Michel Temer. Depois da greve dos caminhoneiros, Temer declarou que foi à “Assembleia de Deus para comemorar a pacificação do país”, conseguida por sua virtude do diálogo.

Se esses são nossos pacificadores, quem serão os incendiários?

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Simples, lei que deveria

    Simples, lei que deveria obrigar o judiciario a votar a materia conforme a sequencia lógica…..

     

    Oras, mas nem o legislativo ou o executivo seguem esse regra, sempre empurram com a barriga quando interessa……

  2. Pacifista talvez, pacificadora nunca. Não quem é golpista.

    E há uma larga diferença entre pacifista e pacificador. Ser pacifista basta ter erudição, não desejar batalhas bélicas, basta se achar evoluído ou civilizado, com relação aos do passado, que neste ponto eram mais pacifistas que a civilização atual. Os de antigamente tinham uma ética, por exemplo, batalhavam só entre soldados, em campos de batalha.

    Ser pacificador é uma outra coisa, tanto que na Bíblia os bem-aventurados que serão chamados filhos de Deus são os pacificadores e não os pacifistas. O pacificador não faz jogadas e truques, não se vinga ou comete vilania, Os golpistas atropelam as leis do povo que são feitas para constituir uma nação, criando revolta, ódio e difamação. Um pacifista não rejeitaria o voto e desejo popular para elevar interesses mesquinhos de uma classe despeitada, aliás os despeitados não podem jamais serem pacificadores. Só uma pessoa cínica pode acreditar que o despotismo arrebatador deste golpe político-midiático-judiciário faz de alguém um pacificador. A esquizofrenia cultural e social é capaz mesmo de fazer os tolos acreditarem que são pacificadores. Como pode ser Carmem, se nem nesta suprema tumba onde morre o direito de uma nação, consegue domar a ira que os membros destilam por seus iguais você jamais trouxe a paz? Pacifista deseja e louva a paz, mas só um pacificador pode contribuir para que se chegue a ela. O STF aprovou que um pacificador fosse preso sem provas. Se és mesmo pacificadora, então Lula livre já.

     

  3. Nassif
    Segunda próxima, o CNJ

    Nassif

    Segunda próxima, o CNJ promove o Seminário dos “30 anos sem censura: a Constituição de 88 e a Liberdade de Imprensa”.

    o programa eu li mas não achei onde buscá-lo para postar aqui..se alguém tiver coloque-o para os comentaristas terem conhecimento das janelas, presidentes de mesa e seus convidados debatedores.., e por fim …assunto.

     

    Ele ocorrerá na próxima segunda, no plenário da 2a turma do STF. 

    O GGN vai estar lá? Espero que esteja e comece por perguntar quem montou o programa e por que de ser no STF etc, etc…

  4. Dona carmem, apequenou e não pacificou.

    Nenhum legado, injustiça e negação de direitos, complacência com crimes  da república do paraná, descaso com a administração de recursos públicos como no pagamento de auxílios moradia indevidos de magistrados.  A infame justiça brasileira passa ser ainda mais insignificante , cara, ineficiente e morosa. O país em crise, mais sectário, menos inclusivo, mais pobre e desesperado.

  5. Qualquer repórter da rede

    Qualquer repórter da rede Globo não consegue realizar nenhuma entrevista fora de seus estúdios sem serem xingados ou sofrerem algum tipo de intervenção no meio de seu trabalho, e todos nós sabemos o porquê

    O STF pediu uma sala exclusiva para seus ministros no aeroporto de Brasília com medo de sofrerem intervenções ou intimidações e cobranças daqueles que pagam seu salário

    Isso acontece quando se deixa o trabalho de lado e se passa a atuar politicamente, quando duas de nossas maiores instituições deixam de agir com isenção total e imparcial (STF e imprens) o país paga o preço 

    E se passam a agir como políticos são cobrados como políticos

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