Janot se despede de 2016 exaltando um Ministério Público desfigurado pela Lava Jato

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – O procurador-geral da República Rodrigo Janot enviou uma mensagem aos servidores e membros do Ministério Público Federal fazendo um balanço dos trabalhos em 2016, dando o protagonismo conquistado pela instituição neste ano, em decorrência da Lava Jato, como um sucesso. 

Sem admitir que parte do MPF foi desfigurado pela Lava Jato, que não mais obedece a um “regramento comum”, Janot registrou, nas entrelinhas da mensagem, a batalha travada por alguns procuradores – incluindo ele próprio – contra aqueles que afirmam ser necessário frear os abusos de setores do Ministério Público e do Judiciário.

O PGR ainda chegou a falar em obediência à Constituição e zelo à democracia, num ano em que o MPF ajudou, com a Lava Jato, a criar a atmosfera ideal para o impeachment. “Encaro com serenidade e otimismo as turbulências pelas quais passamos”, disse Janot. “O fato é que temos blindagem jurídico-constitucional forte o suficiente para transpormos os desafios com os quais ora nos defrontamos”, acrescentou.

Em entrevista ao GGN, Álvaro Augusto Ribeiro Costa, subprocurador da República aposentado e ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, desnudou a faceta questionável do MPF sob Janot. 

Costa, que teve papel central na Constituição de 1988 para definir o capítulo referente ao Ministério Público, avaliou que um dos aspectos mais críticos da instituição hoje é a parceria que se deu com a mídia, de forma “deturpada”, por conta da Lava Jato. “Não pode haver simbiose entre Ministério Público e mídia, muito menos com parte seletiva da mídia”, disse ao jornalista Luis Nassif, em outubro passado.

https://www.youtube.com/watch?v=kh2AciVLRII width:700 height:394

“Qualquer tipo de favorecimento ou simbiose midiático contém consequências graves para a instituição”, disse Costa. “Se isso se transfere para o que se vem se chamando de processo midiático, essa deturpação é muito mais grave. (…) Transferir um julgamento regular para a mídia é completamente o oposto de tudo que se contém na própria definição do Ministério Público e dos valores que ele está obrigado a representar.”

No artigo “Cartas aos juízes do meu País”, publicado neste portal, Costa também escreveu que, como membro do Ministério Público, espera que juízes não pensem que estão acima da lei. Nem que podem “usurpar competência de outro ou emitir juízos fora dos processos sob sua responsabilidade”.

Bons juízes, segundo Costa, “não substituem os meios legais de publicação de seus atos de ofício pela divulgação extralegal, parcial, escandalosa e seletiva dos mesmos; (…) labutam incansavelmente para que tenham curso e cheguem ao fim os processos, sem apressá-los contra uns e retardá-los contra outros; (…) abominam a violência e os linchamentos físicos ou midiáticos e para nenhum deles contribuem direta ou indiretamente; (…) não fazem da magistratura instrumento de “marketing” politico ou de prosperidade econômica; (…) não admitem acusação ou restrição da liberdade sem um libelo formal e substancialmente válido; (…) não se fazem partícipes essenciais na formulação, execução e acompanhamento de táticas e estratégias visando à destituição de governos e à desestabilização do País.”

Costa observou que a Lava Jato, por ser uma operação de grandes proporções, não pode ser personalizada nem totalmente criticada por eventuais erros cometidos por alguns de seus protagonistas. Mas disse que a operação deixou para a história uma das decisões mais graves que já se viu até hoje: a permissão e a admissão de que os membros da força-tarefa e o juiz Sergio Moro agiram e continuam com autorização para agir fora da lei.

Um episódio de desvio de finalidade praticado pela força-tarefa, que põe por terra a ideia de julgamento justo segundo as normas legais, foi encampado por Deltan Dallagnol, que convocou a imprensa para chamar Lula de “maestro” de todo o esquema de corrupção que existiu na Petrobras. Ao invés de zelar por garantias constitucionais e pelo devido processo legal, Janot saiu em defesa do procurador tão logo a defesa do ex-presidente anunciou que Dallagnol foi acionado por danos morais.

 

Abaixo, a carta que Janot enviou por e-mail a servidores e membros do Ministério Público Federal.

Caros servidores e membros,

Após vivenciarmos um dos períodos mais atribulados da história do Ministério Público, desde a Constituição de 1988, não poderia deixar que este ano se encerrasse sem uma mensagem de gratidão e encorajamento a todos vocês, membros e servidores, por nossas conquistas no cumprimento do nosso dever.

Ser Ministério Público é, por si só, um grande desafio: velamos pela integridade da ordem jurídica e dos direitos difusos e coletivos; garantimos a lisura no trato do patrimônio público; protegemos o regime democrático contra ataques diretos ou velados, assegurando que a vontade da Constituição prevaleça na sua essência, sempre e sem falseamentos de qualquer natureza. Tais obrigações pesam sobre os nossos ombros, porque esse foi o desejo limpidamente expressado pelo
constituinte originário.

Sabiamente, os homens que forjaram a nossa Constituição republicana, após quase 30 anos de regime de exceção, perceberam que seria necessário um reforço de garantias ao Ministério Público para que a instituição pudesse fielmente cumprir os seus desígnios. Não foi por outra razão, que o Parquet nacional, baseado na exitosa experiência da Europa Continental, ombreou-se ao Poder Judiciário, passando a ostentar, a partir de 1988, o status de magistratura, com as consequências políticas e jurídicas daí decorrentes. 

O tempo foi, neste caso, verdadeiramente o senhor absoluto da razão. Passados 28 anos de promulgada a Carta Magna, não há dúvidas de que o constituinte acertou em sua escolha. Acertou nos fins e nos meios. Termos uma instituição apartada da refrega eleitoral, mas com capacidade de atuação equilibrada e imparcial na política, mostrou-se um fator determinante para acelerar o amadurecimento de uma democracia que já chegava com atraso na nova ordem global.

Lutamos muito, nesses anos, nas mais diversas áreas de interesse social. Acertamos e erramos. Mas tenho para mim que, em um balanço honesto, o fiel pendeu induvidosamente para lado dos acertos.

Ingressei nas fileiras do Ministério Público em 1984 e posso assegurar que as dificuldades por todos nós enfrentadas e os perigos que superamos juntos foram, pela minha memória, sem igual na nossa curta história. Encaro com serenidade e otimismo as turbulências pelas quais passamos.

A instabilidade e a incerteza são próprias de momentos de mudanças. Seguimos numa marcha ascendente em busca da consolidação de valores republicanos que escolhemos democraticamente estabelecer como a essência de nossa organização social. À medida em que esses valores vão ganhando espaço, a forma anacrônica de organização do Estado e da própria sociedade vai cedendo em suas trincheiras, mas não sem lutas renhidas e muitas resistências.

O fato é que temos blindagem jurídico-constitucional forte o suficiente para transpormos os desafios com os quais ora nos defrontamos. Temos membros e servidores de têmpera em nossos quadros para cumprir fielmente o nosso dever. Defender os direitos humanos; Combater a corrupção e a impunidade; lutar pela justiça e pela verdadeira igualdade diante da lei; abandonar o patrimonialismo e a sociedade de castas, é fazer a escolha certa, no momento certo. Não devemos nos esquecer jamais de que, na disputa entre o ontem e o amanhã, o Tempo, como juiz inexorável de nossas vidas, sempre arbitrará em favor do futuro.

Estou convicto de que se conseguirmos manter a firmeza de propósito e preservarmos o nosso ethos institucional de coragem e desprendimento, vamos transpor o juízo severo e justo do tempo, para nos postar ao lado da sociedade brasileira como vencedores desse desafio. 

Sei que tudo isso implica, para além de palavras, verdadeiros sacrifícios pessoais e também familiares, mas sei também que pelo nosso caráter poderíamos honestamente dizer com o escritor português Miguel Sousa Tavares: de tudo isso não me queixo, visto que há alturas em que é o destino que se impõe à nossa vontade e que razões mais altas do que as pessoais devem passar à frente de tudo o resto: servir o meu país o melhor que posso e sei (numa hora de necessidade), e ser digno de quem me achou digno desta tarefa é, sem dúvida, uma dessas ocasiões em que não há escolha nem liberdade própria.

Agradeço, assim, empenhadamente aos membros e aos servidores pelo trabalho sério e pela dedicação com que foram Ministério Público neste ano de 2016.

Um feliz natal e que 2017 seja generoso com o nosso País.

Rodrigo Janot

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

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    1. .

      Encontrei algumas notícias sobre o tema:

      http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2303200117.htm

      São Paulo, sexta-feira, 23 de março de 2001 Folha de São Paulo

      Construção da sede do Ministério Público Federal, em Brasília, orçada em R$ 49 milhões, é alvo de investigações.

      Depoimentos implicam procurador com propina

      Malu Gaspar, da Sucursal de Brasília

      http://uj.novaprolink.com.br/noticias/14618/%60Obra_do_MP_teve_propina%60_

      `Obra do MP teve propina`

      Publicado em 16/08/2002 às 00:00 Fonte: Jornal do Brasil On Line

      http://uj.novaprolink.com.br/noticias/6390/Procurador_investiga_obra_da_Procuradoria

      Procurador investiga obra da Procuradoria

      Publicado em 20/03/2001 às 00:00 Fonte: Jornal do Brasil On Line

       

  1. Pura provocação

    A parte do “protegemos o regime democrático contra ataques diretos ou velados, assegurando que a vontade da Constituição prevaleça na sua essência, sempre e sem falseamentos de qualquer natureza.” parece provocação pura.

  2. Parei de ler

    Parei de ler aqui:

    “protegemos o regime democrático contra ataques diretos ou velados,”

    Viver precisa de um mínimo de dignidade – isso ai me dá nojo…

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