Lava Jato: polêmica e absurda, por Antonio Alberto Machado

“É polêmico – e, para mim, um verdadeiro absurdo – que delações premiadas sejam obtidas mediante prisão ou ameaça de prisão”
 
Fernando Frazão/Agência Brasil
 
Jornal GGN – O artigo à seguir, publicado pelo Promotor de Justiça de São Paulo, Antonio Alberto Machado, e compartilhado nas redes sociais, levanta pontos polêmicos da Lava Jato, indicando que o processo encabeçado pela justiça curitibana praticou atos que nem mesmo a ditadura militar praticou. 
 
O autor também convida os leitores a observarem a operação de maneira mais crítica e os riscos que a sociedade corre de debater o assunto de forma simplista e maniqueísta.
 
Por Antonio Alberto Machado, Promotor de Justiça de São Paulo
 
26/09/2016
 
HOJE, qualquer opinião que se emita sobre a operação Lava Jato – seja a favor seja contra, seja de crítica seja de apoio -, será sempre entendida e julgada pelo viés ideológico. Não adianta negar – o país ficou dividido entre os que aprovam e os que reprovam essa operação, na mesma medida que se dividiu entre os que apoiavam e os que reprovavam o governo petista. Mas, sejam lá quais forem as ideologias e as preferências políticas de cada um, algumas coisas na operação Lava Jato são muito polêmicas, tanto do ponto de vista político quanto jurídico – e algumas constituem verdadeiros absurdos.
Se não, vejamos.
 
É polêmico – e, para mim, um verdadeiro absurdo – que as delações premiadas no âmbito da Lava Jato sejam obtidas mediante prisão ou ameaça de prisão. A essência desse instituto, e o que o faz tolerável, é a espontaneidade do delator. Quando a delação é obtida mediante tortura física e psicológica – e decerto que a prisão e a ameaça de prisão constituem suplício físico e psicológico – ela deixa de ser espontânea e se transforma numa prova ilícita – expressamente vedada pela Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, outro absurdo – que os advogados dos réus na Lava Jato só tenham acesso ao conteúdo das delações feitas contra seus clientes na véspera das audiências, dificultando-lhes a articulação e o exercício do direito de defesa; e isso quando a Lei Maior assegura exatamente o contrário, isto é, assegura a todos os réus o direito ao contraditório e à ampla defesa – tal como impõe o “devido processo legal” consagrado na Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, autêntico absurdo – que o juiz da Lava Jato tenha mandado conduzir coercitivamente um ex-presidente da república até uma repartição policial sem intimar previamente o conduzido para comparecer perante a autoridade de polícia. Essa condução constrangedora só tem lugar quando o conduzido teima em não atender à intimação da autoridade – do contrário, é uma medida que ofende abertamente o direito de ir e vir consagrado na Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, mais um absurdo – que esse mesmo juiz tenha determinado a interceptação ilegal de uma conversa telefônica entre uma presidenta e um ex-presidente da república, e, depois, tenha revelado através da mídia o conteúdo dessa conversa, com o claro propósito de influenciar no delicado jogo político por que passava o país às vésperas de um processo de impeachment – essa divulgação é crime e ofende o sigilo das comunicações telefônicas consagrado na Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, um rematado absurdo – que o juiz da Lava Jato tenha mandado “grampear” o telefone dos advogados de réus, e do defensor de um ex-presidente da república, malferindo assim a inviolabilidade dos escritórios de advocacia, o direito de defesa, o direito de ampla defesa, o direito ao livre exercício da profissão de advogado e o princípio da lealdade processual – tudo isso configura afronta à lei e aos ditames da Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, outro absurdo – que esse juiz tenha cometido essas arbitrariedades todas, tenha reconhecido publicamente que as cometeu, e, em seguida tenha sido “perdoado” pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo depois de o ministro relator do processo da Lava Jato no STF ter afirmado, nos autos e por escrito, que a atitude do juiz “comprometia um direito fundamental” de dois ex-presidentes da república – aliás, um direito fundamental consagrado na Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, um flagrante absurdo – que o juiz da Lava Jato tenha mandado prender um ex-ministro de estado do governo petista, e, menos de cinco horas depois, porque descobriu que a mulher do ex-ministro estava sendo internada com câncer, tenha revogado essa prisão por considerá-la desnecessária – isso viola o direito constitucional de liberdade, a dignidade humana, e a presunção de inocência consagrados na Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, absurdo também – que o juiz da Lava Jato tenha feito aliança com a mídia empresarial para exercer melhor suas funções de magistrado, e, por força dessa aliança fizesse “vazar” informações ao mais poderoso grupo de mídia do país, com o insofismável propósito de predispor a opinião pública contra os réus que ele (juiz) mandava prender – isso viola o sigilo das delações, o direito à privacidade e o princípio da presunção de inocência inscritos na Constituição Federal.
 
É polêmico – e, para mim, outro injustificável absurdo – que um juiz de direito, no exercício de suas funções públicas, faça alianças com a mídia privada. E, além disso, aceite premiação concedida publicamente por essa mídia, mesmo sabendo que ela é adversária dos réus da Lava Jato, que ela não se cansa de manipular informações, e que no passado até já apoiou ditadura militar – isso fere mortalmente o princípio republicano e a independência do Judiciário consagrada na Constituição Federal.
 
Porém, o mais polêmico (e absurdo) é ver agora um Tribunal Regional Federal (4ª Região Sul) render-se ao óbvio e reconhecer que as práticas do juiz da Lava Jato são realmente ilegais, pois “escapam ao regramento” do direito. Mas, segundo esse mesmo tribunal, apesar de ilegais, trata-se de “soluções inéditas” que devem ser toleradas porque o processo da Lava Jato é também um “processo inédito”. Em suma, o tribunal afirma, por escrito, que o direito aplica-se aos “casos comuns” em geral; mas, à Lava Jato aplicam-se, não a Constituição e o direito, e sim as “soluções inéditas”, ou seja, as soluções buscadas fora do direito, ou fora do “regramento comum” – com essa retórica canhestra, esse tribunal federal acaba de proclamar que a lei e a Constituição não valem para o processo da Lava Jato, ou, noutros termos, admite expressamente que esse processo tramita mesmo perante uma lei e um juízo de exceção.
 
Nem no tempo da ditadura militar isso ocorreu. É certo que os militares nos outorgaram uma Constituição autoritária (67-69); é certo também que eles editaram um ato de exceção (AI-5); mas, mesmo a Constituição autoritária dos ditadores, e mesmo o Ato Institucional nº 5, valiam para todos: igualmente, isonomicamente – coisa que não ocorre agora porque, segundo esse tribunal federal do Sul, nem a lei nem a Constituição valem para os réus da Lava Jato.
 
Isso já não é apenas polêmico, nem somente um absurdo – isso já passa a ser simplesmente assustador.
Redação

10 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. ” O artigo à seguir,

    ” O artigo à seguir, publicado pelo Promotor de Justiça de São Paulo, Antonio Alberto Machado, e compartilhado nas redes sociais, levanta pontos polêmicos da Lava Jato, indicando que o processo encabeçado pela justiça curitibana praticou atos que nem mesmo a ditadura militar praticou. “

    Exatamente por este motivo comento há meses que estamos entrando em uma ditadura muito pior que a de 1964.

    Com a associação mídia golpista/judiciário golpista todos os que discordarem do que for feito por estes atores correrão sério risco de desmoralização fraudulenta(pela mídia), processos judiciais com a única finalidade de falir o discordante e até prisão perpétua(não prevista em lei mas instituída no brasil pela república de curitiba).

  2. Houvesse – verdadeiramente –

    Houvesse – verdadeiramente – justiça em nosso país, as coisas seriam assim: a polícia investigaria a partir de alguma evidência e submeteria sua investigação ao mpf que, por sua vez, ou pediria outras averiguações, ou arquivaria por imprestável, ou a submeteria ao juiz natural (natural, escrevi) com seu voto de denúncia; por sua vez, o juízo natural (natural, escrevi), acolheria ou não a denúncia, ou devolveria ao mpf para novas averiguações (ou seja, voltaria à polícia), ou mandaria arquivar por inepta. Acolhendo, faria a pronúncia, daria ciência às partes e começaria a correr o processo. Nada disso está acontecendo (os códigos foram pro saco, a constituição foi pro saco), porque o juiz que também é procurador e, pior, também polícia, manda, desmanda e manda ver: para ele (o supra sumo de qualquer procuradoria), todas as denúncias são verdades absolutas e a defesa dos – então – reus só servem para obstruir a justiça e, assim, não precisam ser levadas em conta (afinal, sentenças ocorrem minutos após o recebimento do(s) último(s) documento(s). Mais exceção, impossível; mais corrupto o processo como um todo, impossível. Sempre foi, é e e será assim: quando o juízo perde o juízo e parte para caminhos ilegais, deslegitimiza o fato e, pior, torna-se mais corrupto do que a corrupção que diz combater: mais paranóico, só se for sem vergonha. Lastimável estarmos passando por isso tudo: criminalizando a política, dando asas aos abutres, pisoteando o ordenamento legal e jurídico, com a maior das desfaçatez. Golpistas são assim, GOLPISTAS!

  3. Salvando uma estrela do mar

    Lendo o artigo do Promotor Machado, me vêm a lembrança  a metáfora do homem na praia devolvendo a estrela do mar ao mar, apesar de milhões delas estarem morrendo nas areias.

    Que a mensagem seja divulgada e compartilhada para as mentes lúcidas e justas. Que no futuro seja o testemunho da injustiça da justiça nestes tempos cruéis.

    Mas infelizmente pela preguiça mental e idiotice da maioria dos brasileiros, será mais uma voz a pregar a decência no deserto de humanos pensantes. As suas mentes embotadas só entende o que os barões da mídia manda os seus capitães-do-mato fazerem.

     

     

  4. lava jato virou o cassino da política…

    no lugar das leis, fichas

    estão permitindo a uma máquina que ela passe por todas as combinações possíveis para o país perder

    ou para destruir qualquer, vejam bem, eu disse qualquer partido

    ou o próprio Estado

  5. De todas as figuras  dessa

    De todas as figuras  dessa tal vaza jato, esse procurador aí da cima é o que mais assusta. Não que os outros não produzam terror, mas o fato é que esse parece querer ser o enviado, aquele que tem a missão messiânica de higienizar o país de todas as mazelas. Isso já foi tentado em alguns períodos da história e que sobrou foram escombros da dignidade humana nas mais fracos e o acúmulo desenfreado da riqueza e do poder no alto da pirâmide social. 

    Quanto a essa conversa de que o stf facilitou os acordos de delação premiada ao autorizar a prisão em segunda instância, não é preciso ser um gênio para supor que o que aquele tribunal (comandado por aquela senhora que fica escarnecida com qualquer ilação contra o pt e fecha os olhos para as maiores barbaridades feitas pelos políticoa tucanos) fez foi colocar o Lula na boca da caçapa para aquele juix de primeira instãncia.

    O juix condena em primeira instância e como ninguém o desdiz, a segunda instância cumpre tabela e a galera fascista vai para paulista comermorar como loucos o resultado final dessa sacanageam política desfarçada de combate a corrupção. É o que diz o Aldo Fornazieri sobre a mutação do direito feita pelos nazistas para pruduzir as regras que não deixariam brechas para posteriores reclamaçoes das vítimas de todo tipo de arbitrariedades dos tempos do dulce. qualquer semelhança como os nossos tempos, acho que não é coincidência.

    Quanto ao que li por aqui nesses últimos dias, é super coerente a questão do asilo político do ex-presidente, porque como já foi dito há suas justiças no brasil, a que se aplica ao Pt e ao que se aplica aos outros partidos, Enquanto estes vivem na total impunidade, o Pt tem que pagar por tudo e por todos. E a expressão ” investigação criativaL” define perfeitamente aquilo que se faz em curitiba.

  6. O melhor texto, e o mais realista

    Boa observação do promotor. Esse texto retrata a verdade, mostra o que é fato. Não é um artigo para agradar um dos lados da politica brasileira. Ate onde vai essas atitudes do judiciario brasileiro? Tenho curiosodade em saber o desdobramento dessas desobediencias à constituição.

  7. O autor se esqueceu de mencionar o STF

    Prezada equipe do GGN,

    Agradeço e parabenizo pela publicação deste contundente artigo, escrito por um promotor de justiça de SP. É isto que deve ser feito: dar voz aos profissionais e operadores do Direito que têm consciência dos arbítrios e dos crimes de Estado que estão sendo cometidos pela ORCRIM Fraude a Jato e pela ORCRIM do PIG/PPV, para que denunciem as ilegalidades criminosas que sempre acompanham o Estado de Exceção, chancelado pelo TRF4 e pelo STF. A propósito, Antonio Alberto Machado se esqueceu ou não quis mencionar a atitude de chancela e conivência do STF com o Estado de Exceção, feito uma semana após o TRF4 coonestar os crimes do juz sérgio moro, admitindo que a Fraude Jato age à margem da Lei, de forma excepcional. Sugiro à euipe do SGGN que peça a  Antonio Alberto Machado, para escrever sobre a decisão do STF, tomada no último dia 5 de outubro, que revoga a presunção de inocência, estabelecida no Art. 5º da CF/1988, contextualizando-a com a perseguição ao ex-presidente Lula e à tentativa e objetivo  – mais do que claros – da Fraude a Jato em aniquilar o PT e a Esquerda, impedindo que Lula concorra à presidência da república em 2018.

  8. Também me parece, se não

    Também me parece, se não absurdo, no mínimo muito estranho que haja um “juiz da Lava-Jato”. Se a Lava-Jato é uma operação policial, e é assim que se nos é apresentada, ela deve ser chefiada por um delegado de polícia, não por um juiz. Mais absurdo ainda é o fato de que esse mesmo juiz que comanda a operação policial, em claro desvio de função, continue a exercer a função de juiz propriamente dito. Não há controle judicial, portanto: a autoridade policial, a acusação, e a instância judicial confundem-se numa coisa só. Policial, promotor, juiz e carrasco em uma única pessoa – isso é flagrantemente contrário à ordem constitucional estabelecida.

    Quando é que o STF vai fazer essa sandice parar?

    Somente quando o juiz de primeira instância começar a prender os ministros, por que a “literatura” permite, e por que para circunstâncias excepcionais aplica-se uma legislação de exceção, não escrita ?

    (Essa, talvez, a principal diferença para com as arbitrariedades da ditadura militar: embora as “leis” e decretos dos ditadores de plantão fossem inconstitucionais e contrárias aos princípios do direito, eram pelo menos escritos, públicos e publicados; a lei paralela do TRF-4 é além de tudo secreta, de modo que à defesa não é possível sequer utilizar do texto da lei clandestina para nela baser o contraditório.)

    Esse tipo de monstro é conhecido por devorar os próprios filhos. Suprimida a ordem legal, em proveito da desordem moralista, ninguém está a salvo – nem o usurpador, nem o procuritiba do power point, nem os Marinhos, nem o próprio juiz Moro. A guilhotina adquire uma vida própria, e tem sede de sangue. Por isto mesmo, volto a insistir: isso não é fascismo, é um estalinismo de direita. Com o juiz Moro no papel de Vishinsky.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador