Moro dá às palavras o sentido que quer! O Direito através do espelho!, por Lenio Luiz Streck

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Foto Jornalivre

Sugestão de Sergio da Motta e Albuquerque

do Consultor Jurídico

Moro dá às palavras o sentido que quer! O Direito através do espelho!

por Lenio Luiz Streck

Eu tinha uma coluna pronta. Todavia, quando li a matéria a seguir, resolvi fazer outra. Deu-me muito trabalho. Semana cheia. Terça publiquei o artigo Foro Privilegiado: “Supremo em Números” (FGV) não é Números Supremos. Quem não leu ainda, faça-o já.

Sigo. Não bastassem tantas polêmicas o envolvendo, — como a recente ilegal e arbitrária condução coercitiva e a violação do sigilo da profissão do blogueiro Eduardo Guimarães — Sergio Moro não pode ficar 24 horas sem os holofotes. Falem mal, mas falem. Agora ele mesmo está deixando de cumprir algo que assinou. Incrível. E o que assusta é o modo como ele decide e o silêncio eloquente dos democratas. Poucos reclamam.

O que quero falar e denunciar é a ilegalidade flagrante da possibilidade do uso da imagem do ex-presidente Lula no filme sobre a Policia Federal (que por certo, dará o Oscar para Pindorama — já imagino a Glória Pires comentando o filme sem tê-lo visto). Já denunciei aqui que os atores do filme “oscarizando” fizeram um tour pelas celas, porque queriam ver os “dentes dos presos”.

Lembremos que no despacho em que autorizou a condução coercitiva de Lula, Moro afirmou que “NÃO deve ser utilizada algema e NÃO deve, em hipótese alguma, ser filmado ou, tanto quanto possível, permitida a filmagem do deslocamento do ex-presidente para a colheita do depoimento”. Atenção: os dois “NÃOS” maiúsculos são da ordem original de Moro.

Pronto: não deve ser filmado em hipótese alguma. Não deve ser permitida, tanto quanto possível a filmagem (por terceiros e pela própria Polícia Federal) do seu deslocamento. O que se entende disso? Que qualquer filmagem do ex-presidente sendo conduzido estava proibida. Qualquer filmagem. E a filmagem de seu deslocamento (foi de carro até o aeroporto) também não devia ser permitida. Portanto, qualquer filmagem é ilegal. Írrita. Nenhuma. Ou seja; se em hipótese alguma deveria haver filmagem, mesmo que alguma fosse feita, por óbvio não poderia ser utilizada pela Polícia Federal. E nem cedida a qualquer diretor de filmes. Simples assim.

Pois bem. Diante de revelações feitas para diferentes veículos de comunicação, nas quais atores do já famoso filme e até mesmo o diretor afirmam — sem nenhum segredo — que tiveram acesso aos vídeos gravados pela Polícia Federal, a defesa de Lula apresentou nova petição no dia 27 de março de 2017. Os advogados de Lula juntam entrevista do produtor do filme, Tomislav Blazic, na qual afirma ao jornal Folha de S.Paulo que havia feito “acordo sem precedentes” com a Polícia Federal. Vejam: “acordo sem precedentes”. Sem querer, acertou: não há precedentes de tamanha bizarrice.

O que mais precisa demonstrar? O filme pronto e o estrago feito? Na Idade Média era permitida a tortura por ordem judicial. Mas o réu podia interpor recurso para a instância superior. Com um detalhe: não tinha efeito suspensivo. Bingo. Algo como o que está ocorrendo com os estragos feitos por determinadas decisões judiciais pindoramenses. Feito o estrago, depois vem ou um pedido de desculpas ou uma “explicação” tipo “dou-me conta de que, de fato, blogs podem ser equiparados a jornais”. Mas aí Inês já é morta.

A primeira petição dos advogados foi respondida com uma sutil ironia pelo juiz Sergio Moro, que afirmou que não podia impor censura a veículos de comunicação ou mesmo à produção de algum filme. Bingo de novo. Genial. Ele proíbe a filmagem e depois, uma vez usada à socapa e à sorrelfa essa filmagem, lava as mãos, posando de liberal porque não pode impor censura. Desta vez o Brasil ganha ou o Oscar com a película ou o Nobel pela decisão “anticensura”.

A parte melhor da decisão de Moro é quando afirma que a petição dos advogados de Lula se baseava apenas em reportagem jornalística, não sendo apresentada qualquer gravação durante a condução coercitiva. Para Moro, se qualquer veículo de comunicação ou produção do filme tivesse tido acesso às imagens, provavelmente estas já teriam sido disponibilizadas.

“Provavelmente” é bom, não? Mas o Direito lida com “provavelmente”? E se tivessem sido disponibilizadas as gravações? Isso resolveria o quê? Por óbvio que o tal filme não pode utilizar as imagens de Lula sendo conduzido coercitivamente. Mesmo que Moro não tivesse dito que NÃO (e disse), ainda assim não poderiam usar.

Há de ter um Tribunal neste país que barre esse tipo de autoritarismo e ilegalidade. O filme está quase pronto. Se for lançado e isso não tiver sido resolvido, estaremos em face do “fator tortura do medievo”: uma vez torturado, adianta ganhar o recurso se o ferro quente já lanhou o lombo do vivente?

Será que ainda há juízes em Berlim? Porto-me, aqui, como o Moleiro de Sans Souci (ver vídeo Direito & Literatura aqui — não é longo; podem olhar). O Imperador Frederico pode tudo ou pensa que pode tudo. Mas, como disse o pobre Moleiro, não tiro o meu moinho daqui nem a pau, Juvenal (essa parte do “nem a pau Juvenal” parece que não consta na frase original do Moleiro — não sou cineasta, mas faço minha licença poética). O Moleiro tinha certeza que, mesmo contra o poder despótico do Imperador da Prússia, haveria de ter um juiz que lhe daria razão. Bingo para o moleiro. Esse moleiro deveria vir ministrar aulas nas faculdades de Direito de Pindorama.

Enfim, a literatura sempre corre à frente do Direito. Por exemplo, as decisões de Moro parecem a manifestação do personagem Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho, de Lewis Caroll. Ali ele, o personagem Humpty Dumpty, dá às palavras o sentido que quer. Para quem não leu: discutindo sobre o papel do “desaniversário”, Humpty Dumpty diz para Alice que é melhor que haja 364 dias destinados ao recebimento de presentes — que são os desaniversários — e somente um de aniversário. É a glória para você, aduz Humpty, pois poderá receber, em vez de um, 364 presentes. Ela responde: mas isso não pode ser assim. E Humpty Dumpty complementa: “Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente o que quero que ela signifique: nem mais, nem menos”. Como consta no livro, é o fim “demolidor” de uma discussão.

Por isso, feliz desaniversário, Dr. Sergio Moro. Afinal, mesmo que hoje não seja o seu aniversário (que, como sabemos — e é também o meu caso — só ocorre uma vez por ano), podemos comemorá-lo em qualquer dia dos outros 364. Afinal, as palavras valem o que queremos que elas valham, certo?

Mundo, mundo, vasto mundo; se eu me chamasse Raimundo, seria uma rima… mas não seria uma solução, dizia Carlos Drummond de Andrade. Nem vou falar do juiz Azdak, do livro O Círculo de Giz Caucasiano, também adaptável à situação. Mas o texto ficaria longo e nestes tempos de pós-verdades, isso afasta o leitor, que gosta mesmo é de drops. De todo modo, para quem quiser, eis o vídeo do programa Direito & Literatura (ver aqui).

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

8 Comentários

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  1. Foto da rosângela

    Resultado de imagem para rosangela moroFoto da rosângela especialmete para o Blog. Conforme sugestão de vários colegas comentaristas colaboradores, alguns meio suspeitos, solicitamos à Diretoria do Blog a gentileza de nos atender, utilizando mais essa foto nas matérias de Curitiba para evitarmos saturação visual com imagens repetitivas. Com relação a outras fotos que tambem estão muito repetitivas, tambem estamos providenciando sugestões para mudanças de mau para bom gosto.

  2. O moro já fez algo correto?

    É inutil falar do que ele fez errado. Tudo nele é ilegal e paa piorar ele, quando perguntado por um mais grotesco, responde: o supremo, que ele diz “as instância superiores”, nunca me refutaram, ou seja, transfere, ou acusa, a  ilegalidade para o stf.

  3. Nassif: o filho de Rosemary,

    Nassif: o filho de Rosemary, plenipotenciário do Judiciário brasileiro, pode tudo, meu! E diz que vai até o fim da missão.

  4. Para Moro, gato é jacaré

    “Um Prucurador Federal e um Juizeco tiveram que dormir no mesmo quarto de hotel. Daí um vira para o outro e fala: ‘Preciso confessar, eu não durmo sem dar uma’. O outro disse: ‘Eu também’.

    Então o Prucurador propôs ao Juizeco:

    ‘Vou te fazer uma charada. Se você acertar, você me come. Se você errar, eu te como’.

    O Juiz aceitou a proposta.

    O Procurador lança o desafio:

    – O que é, o que é: É peludinho, anda sobre os telhados, pega ratos e faz miau?’

    O Juizeco responde:

    – Ah!, deixa eu pensar, porque essa pergunta é muito difícil. Ah, já sei, já sei, é jacaré.

    O Prucurador lhe diz:

    – Acertou, Danadinho!”

     

    Na obra Utopia, Thomas Morus escreveu:

    “Vejam, diriam, como este bom príncipe violenta seu coração ao vender tão caro o direito de prejudicar o povo.

    Outro ainda, enfim, aconselha o Monarca a ter à sua disposição juízes sempre dispostos a sustentar, em todas as ocasiões, os direitos da coroa. Vossa Majestade, acrescenta ele, deveria chamá-los à Corte, e persuadí-los a discutir, perante a Vossa Augusta Pessoa, os próprios negócios reais. Por pior que seja uma causa, haverá sempre um juiz para julgá-la boa, seja pela mania da contradição, seja por amor à novidade e ao paradoxo, seja para agradar o soberano. Então, uma discussão se trava; a multiplicidade e o conflito de opiniões embrulham uma coisa de si mesma muito clara, e a verdade é posta em dúvida. Vossa Majestade aproveita o momento para resolver a dificuldade, interpretando o direito em proveito próprio. Os dissidentes se submetem à opinião real por timidez ou por temor, e o julgamento é dado, segundo as formalidades, com franqueza e sem escrúpulo. Faltarão jamais ao juiz, que dá uma sentença a favor do príncipe, os necessários consideranda? Não há no texto da lei a liberdade de interpretação e, acima das leis, para um juiz religioso e fiel, a prerrogativa real?”

  5. Gravações ilegais, as perguntas que não querem calar.

    Exatamente o mesmo expediente usado para destruir a cadeia produtiva de carnes repete-se sistematicamente com a entrega de gravações para execração publica, só que dessa vez eram ilegais.

    Todos tem de responder criminalmente! Os responsaveis afastados imediatamente, quem entregou deveria ter o nome estampado para toda imprensa para ser execrado da mesma forma e quem recebeu tambem deve responder criminalmente. O juiz responsavel deve sofrer ação de prevaricação ou ser afastado do caso sob suspeição pois ha claro objetivo de atacar cruelmente a imagem de cidadão publico sem a devida comprovação de fatos ilicitos a ele imputados para forçar que a pressao popular legitime um julgamento arbitrario sem o devido respeito as garantias basicas do cidadão.

    Afinal que especie de individuo desautoriza gravações tornando-as ilegais de depois se exime de resposabilidade de fazer valer a propria decisão  e por omissão autoriza a distribuição  de gravações ilegais para execração publica? Os videos nao cairam do ceu nas maos da imprensa, sairam de dentro da PF logo tem que ter responsavel. Quem gravou? Quem autorizou? Quem vazou pra imprensa? Porque nao para toda imprensa? Para quais jornalistas vazou? Estes jornalistas são por acaso os mesmos dos vazamentos anteriores? Quanto receberam pelos videos? Onde esta a prisao preventiva desses agentes e a quebra de seu sigilo bancario e telefonico?

    Isso sem falar na atuação reprovavel da PF. Sera que é função da Policia Federal fazer turnê pela carceragem exibindo presos? Houve mesmo o tal workshop com atores de um filme dentro das dependencias da PF? Quem participou? Quanto recebeu? Porque desviou de sua função? Tem ligação politico partidaria? Qual a garantia que informações que correm sob sigilo de justiçã nao foram repassadas a imprensa ou aos produtores desse filme assim como as gravações ilegais?

  6. Moro no Pais dos Espelhos

    Lewis Caroll compreendeu bem a essência humana. Alias, ele era matematico e eximio enxadrista. Alice no Pais das Maravilhas e Do Outro Lado do Espelho não são historinhas para criança dormir. São contos que nos levam a entrever como a linguagem pode ser manipuladora e o poder usado de forma arbitraria, toda vez que não houver freio e contrapeso.

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