Professor não pode ser filmado e exposto em redes sociais, por Cláudio Silva

O Ministro da Educação Abraham Weintraub disse que os alunos “têm direito de filmar. Isso é liberdade individual de cada um”. Essa afirmação está errada

Foto: André Melo/Governo RJ

do Justificando 

Professor não pode ser filmado e exposto em redes sociais

por Cláudio Silva

No último 28 de abril, o presidente Jair Bolsonaro publicou em seu Twitter um vídeo feito por uma estudante filmando sua professora. Esta aluna é Secretária Geral do PSL (Partido Social Liberal, o mesmo do presidente) em um município do interior de São Paulo. Segundo Bolsonaro, com base no vídeo, professores estariam “doutrinando” alunos e não ensinando. Políticos e gestores ultraconservadores têm provocado alunos a filmarem seus professores durante as aulas, o que é ilegal. Além disso, as imagens são publicadas em redes sociais e grupos de WhatsApp, causando uma exposição indevida e ilegal dos docentes.

A popularização dos dispositivos móveis de acesso à internet, especialmente smartphones, produziu mudanças profundas no ambiente escolar. Por um lado, essas ferramentas permitem pesquisas na rede mundial de computadores, o que pode ser extraordinário para o ensino, desde que bem orientado. Por outro, estes aparelhos geram dispersão entre os alunos, dificultando o já desafiador trabalho docente.

Em razão dos transtornos que o mal uso dos celulares pode causar, foram promulgadas leis, em todo Brasil, restringindo o uso dos aparelhos no meio escolar. Exemplo disso, a lei nº 12.730/2007, do estado do São Paulo, diz que “ficam os alunos proibidos de utilizar telefone celular nos estabelecimentos de ensino do Estado, durante o horário das aulas, ressalvado o uso para finalidades pedagógicas”. Em Santa Catarina, estado onde uma deputada incitou alunos a filmarem professores, a lei nº 14.363/2008 também proíbe o uso de celulares nas salas, em escolas públicas e privadas. No Ceará, a mesma proibição é estabelecida pela lei nº 14.146/2008. Essas leis, que existem há mais de 10 anos, têm o mesmo objetivo: garantir a qualidade do trabalho docente.

Bolsonaro e seus ministros da educação, primeiro, Vélez Rodríguez e, atualmente, Abraham Weintraub, além de afirmarem a suposta doutrinação nas escolas, têm anunciado cortes de recursos, como de 30% em Universidades Públicas e o contingenciamento de R$ 2,4 bilhões na educação básica. Também anunciou o fim de cursos públicos de Filosofia e Sociologia. Para quem se informa sobre a educação lendo tweets de Bolsonaro, pode parecer que as escolas brasileiras estão esbanjando dinheiro e os professores passam o dia fazendo “doutrinação” (seja lá o que isso significa!) para alunos “esquerdistas” (seja lá o que isso significa também). Seria cômico, se não fosse trágico.

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação, os professores das escolas públicas ganham, em média, pouco mais de três salários mínimos (R$3.476,42 na rede estadual e R$3.116,35 na municipal), para uma jornada de 40 horas semanais. Sabemos que muitos professores têm jornada reduzida, o que diminui suas rendas. Outros trabalham em atividades extra-aula e não recebem nada por isso. Há municípios que pagam menos de R$ 800,00 por mês para seus professores. Em toda a rede pública, são 1.806.695 de professores. Na rede privada, onde trabalham 377.700 professores, as remunerações, na média, não ultrapassam R$ 2.600,00.

No Brasil, um juiz ganha em média R$ 27.500,00 no início da carreira, dez vezes mais que um professor. Um delegado da Polícia Federal recebe mais de R$ 14 mil reais por mês. A desigualdade de remuneração e condições de trabalho entre as carreiras é brutal. Imaginem a reação da categoria de magistrados se o Bolsonaro incitasse testemunhas, réus e advogados a filmarem juízes durante as audiências. O que diria a associação de delegados federais se o presidente incentivasse a população a filmar a abordagem e os atos de policiais federais?

Além das baixas remunerações, poderíamos perguntar: Quais as condições de trabalho dos professores? Quais os incentivos e possibilidades de progressão em suas carreiras? Como está a saúde física e mental destes trabalhadores, diante das “pressões do mercado” e dos gestores? Como fica o ânimo e a disposição dos nossos professores quando um presidente incita estudantes a filmarem suas aulas e as exporem em redes sociais, desrespeitando as leis e a imagem destes profissionais?

O Ministro da Educação Abraham Weintraub disse que os alunos “têm direito de filmar. Isso é liberdade individual de cada um”. Essa afirmação está errada. Professores, como qualquer pessoa, podem ser filmados, desde que autorizem. A Constituição Federal, mesmo desrespeitada pela presidente da República, afirma que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5º, X). Assim, o professor – e qualquer pessoa que tenha sua imagem exposta indevidamente – pode ingressar com ação judicial (cível e criminal) contra quem o fez. O Código Civil também diz que “o nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória” (art. 17). Além disso, é crime imputar falsamente a alguém fato criminoso, difamar ou injuriar as pessoas, especialmente ao público, como por meio de redes sociais. Não proponho que o rebate as tentativas de perseguição e desqualificação dos docentes em sala de aula se dê apenas com argumentos.

Cláudio Silva é advogado, pesquisador e militante social.

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. A única voz que até agora ecoou, persistente, na ignorância do fascismo, é a de mando…

    mandou seguidores filmarem, eles(as) filmam
    mandou agredir, agridem
    mandou atirar para matar, atiram
    mandou desrespeitar, desrespeitam
    mandou condenar por crime indeterminado, condenam

    Só nos resta, assim como também ao STF, descobrir a mando de quem, porque da Constituição é que não é, como podemos ver claramente no post

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador