Como escrever um romance empolgante e envolvente sem cair do cavalo

Por Sebastião Nunes

Suponhamos que você comece seu primeiro romance da seguinte maneira:

            “– O namorado da minha neta… – disse dona Hortência.”

            Note que este início de frase é estética, literária e socialmente complexo. Em poucas palavras ficamos sabendo que dona Hortência é uma senhora cuja idade gira em torno dos 50 anos, já que sua neta está namorando, e não namorando escondido, como é usual entre os adolescentes. Próxima da menopausa, ultrapassou há muito o limite estabelecido por Balzac para os desvarios do coração. Inferimos também que dona Hortência gerou pelo menos um filho ou uma filha, já que tem neta. Trata-se de senhora casada, divorciada ou viúva, a menos que tenha optado pela produção independente.

 

A QUESTÃO SOCIAL

            Ao batizar de dona Hortência sua personagem principal você a inseriu, naturalmente, em determinado contexto social. Não se trata de senhora rica, pois os ricos não registram suas crias com nome de flor. Preferem Maria Antônia, Josefina, Eudóxia, Antonieta ou Carolina, que têm cheiro de aristocracia. Nem é pobre, já que pobre adora nome rebuscado, famoso na mídia e estrangeirado, tipo Maxuellen e Jenniffer, de preferência com várias letras dobradas e de pronúncia complicada.

            Podemos deduzir que dona Hortência faz parte da imensa legião que integra a classe média, essa categoria social fluida e assustadiça, imprensada em cima pelos ricos e embaixo pelos miseráveis. Atolada na classe média, dona Hortência estará naturalmente bitolada pela caretice, pelo consumismo desenfreado e pelo medo, misturados com reacionarismo político frenético e desvairado, já que tais características moram na alma do indivíduo de classe média, que denominei outrora “INCLAME” (INdivíduo de CLAsse MÉdia).

            Voltemos, porém, ao nosso, isto é, a seu, romance. Tendo o nome que tem, dona Hortência terá nascido numa cidadezinha bacana do interior de São Paulo, de família católica praticante e, quase com certeza, se casou cedo, conclusão a que se pode chegar tanto pela idade como pela neta pós-adolescente que já tem namorado. Ora, sendo assim, como construir um romance tendo a dita senhora como personagem principal? O problema é seu, mas meu trabalho aqui é assessorá-lo de boa vontade.

 

A QUESTÃO LITERÁRIA

            Em termos estritamente romanescos, dona Hortência não é nome promissor, pois não dá para imaginá-la despertando ardores românticos num pretendente:

            “– Um beijo, dona Hortência! – implora em lágrimas o jovem Honório. – Um beijo, ou estouro os miolos aqui mesmo, melecando a sala inteira!”

            Ridículo, não é?

            Uma coisa é Capitu provocando, com seus sacanas olhos de ressaca, avassaladora e incontrolável paixão no pobre Escobar, ou o padre Amaro fungando como bode lúbrico no cangote da ardorosa Amélia. Outra é imaginar tal desvario provocado por uma senhora que atende pelo pundonoroso nome de dona Hortência (a importância do “dona” é indiscutível, remetendo a ancestrais espanhóis e portugueses).

            Naturalmente você, que mal começou o romance, se irritará com minhas análises, mas tudo que pretendo é ajudá-lo a construir o livro. Não estou aqui para botar farofa em seu ventilador literário.

            Literatura não é História nem Sociologia, muito menos Psicologia, embora use e abuse dessas ciências sociais. O que faz a boa literatura de ficção é construir tramas e personagens que se mostrem vibrantes e coloridos em sua diáfana carnação.

            Admitirei, contudo, caso você prefira, que dona Hortência, habitando confortável apartamento de classe média do Rio de Janeiro possa ser dada a pular muros, botar chifres no marido e frequentar motéis. Recatada ou atrevida, não importa. Caberá a você, autor esperto e talentoso, decidir a continuação, depois de transposto o Rubicão da primeira frase.

 

A QUESTÃO ESTÉTICA

            Todo bom romance deve, se possível, começar com uma frase de impacto. Você já está um tanto prejudicado pelo nome da personagem, mas não se preocupe. Digamos que seu romance continue assim:

            “– O namorado da minha neta – disse dona Hortência. – foi condenado a 50 anos em regime fechado por homicídio triplamente qualificado.”

            O sinal está aberto e cabe a você avançar. Naturalmente, dona Hortência não está falando para o próprio umbigo e o interlocutor se mostrará horrorizado:

            “– Que coisa terrível, dona Hortência – disse o jovem Honório arregalando os olhos. – O que fez ele para merecer pena tão elevada?”

            Pronto. De agora em diante você poderá cavalgar tranquilamente o belo alazão de sua criatividade até o ponto final, lá pela página 180.

            Eu disse página 180? Pois disse-o bem, já que é preciso estabelecer limites para seu romance. Hoje ninguém tem tempo e paciência para enfrentar um relato, por mais envolvente que seja, de 350 ou 500 páginas. Contenha-se, portanto, no limite das sugeridas 180, se tiver fôlego para tanto. Se não, 150 páginas estará de bom tamanho.

            Mas você pode preferir um romance moderno, que trabalhe com, digamos, a questão dos gêneros, tão discutidos atualmente. Nesse caso, poderá começar assim:

            “– O namorado da minha neta – disse dona Hortência – é casado com um rapaz dois anos mais novo do que ele.”

            Pronto. Mudamos radicalmente o foco. E, neste caso, o interlocutor não ficará nem um pouco horrorizado. Antenado, bem informado e atento à complexidade social, dirá:

            “– Que bonito, dona Hortência – disse o jovem Honório com um sorriso. – E sua neta, está gostando desse relacionamento a três?”

 

O VIÉS POLÍTICO

            Mas você pode almejar um best-seller que o torne rico da noite para o dia. Bem, não vamos exagerar. Você pode sonhar um livro que venda o máximo possível de exemplares no menor tempo de exposição nas livrarias e na internet.

            Por incrível que pareça, não é tão difícil assim, talvez seja até mais fácil do que criar um romance capaz de marcar época na literatura brasileira. Para obter sucesso relâmpago, eis uma alternativa promissora:

            “O namorado da minha neta – disse dona Hortência – sabe tudo sobre o helicóptero dos Perrella, aquele que foi flagrado com a cocaína do Aécio.

            – Coitadinho – condoeu-se o jovem Honório. – Deve estar sofrendo horrores na cadeia.

            – Pelo contrário – riu-se dona Hortência. – Com tanta informação sigilosa, prestou concurso e agora é agente da polícia federal.

            – Que ótimo, dona Hortência – alegrou-se o jovem Honório. – Que ótimo!

            – Mas, aqui entre nós – disse dona Hortência –, sabe o que descobri sobre ele?”

            É a sopa no mel. Se você não cair na tentação de abreviar a história com uma bala perdida ou uma queima de arquivo, tem tudo para chegar às 180 páginas e ao sucesso.

Sebastiao Nunes

6 Comentários

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  1. E podem tirar o outro da chuva!

    O problema, Sebastião, é que eles acreditaram que tinham um incrivel enredo e mesmo assim cairam do cavalo sexta-feira! 

  2. Estou perdido!

     

    Fiquei três meses procurando a tal primeira frase perfeita. Quando achei, era tão boa que rendeu um romance de 612 páginas! 

  3. o tema que faltava

    Eu comecei a ler com uma curiosidade literária, mas  desconfiei desde o início que havia alguma coisa a mais aí incrustrada. E deu no que deu! Um final primoroso e pleno de literatura, confirmando a técnica da surpresa! Enfim, estão caindo do cavalo!

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