Marco temporal “é imoral”, diz secretário do CIMI

Tema seguirá no centro das discussões, apesar de Gilmar Mendes em buscar conciliação sobre tema em que “não é possível conciliar nada”

Foto: Bruno Peres/Agência Brasil

Do Brasil de Fato

‘Não somente é inconstitucional, é imoral’, diz secretário do Conselho Indigenista Missionário sobre marco temporal

O secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Luis Ventura Fernández, participou nesta sexta-feira (4) do programa Conexão BdF , do Brasil de Fato, e comentou as expectativas para o início da 21ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília, na próxima segunda-feira (7).

Fernández destacou que o tema do marco temporal seguirá no centro das discussões, diante da insistência do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) em “forçar” uma conciliação sobre um tema em que “não é possível conciliar nada”.

“É um momento extremamente grave, de grave retrocesso, e esperamos que esse ATL seja um momento marco nesse sentido”, declarou Fernández. “O marco temporal constitui o maior apagamento da violência contra os povos indígenas acontecida antes da Constituição Federal de 88. É a maior certidão da impunidade para as atrocidades cometidas contra os povos indígenas e para a expulsão dos povos de seus territórios”, considerou. “Não somente é inconstitucional, é imoral.”

O secretário-executivo do Cimi se soma à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) na denúncia da “ilegitimidade” da Câmara de Conciliação, estabelecida pelo ministro do STF, e da qual os movimentos indígenas se retiraram em agosto de 2024.

“Há um manifesto de não consentimento por parte dos povos indígenas em relação a essa Câmara de Conciliação, mas desde o mês de agosto e até hoje, a Câmara de Conciliação continua com suas reuniões sem chegar a nenhum consenso, porque não é possível conciliar nada”, destacou o indigenista.

Fernández reafirmou a reivindicação do movimento indígena para que o “Supremo Tribunal Federal, de forma rápida, declare a inconstitucionalidade da Lei 14.701, conclua o julgamento dos embargos do julgamento do marco temporal, e que o poder Executivo retome com determinação a demarcação dos territórios indígenas”.

As atividades do ATL acontecem durante toda a semana e culminam no sábado, com o retorno das delegações a seus territórios. O tema deste ano, “Apib somos todos nós – Em defesa da Constituição e da vida”, homenageia o aniversário de 20 anos da articulação, organizadora da atividade. O maior encontro indígena do Brasil vai contar com atividades de debates, plenárias, atos públicos e culturais. A programação completa pode ser acessada na página da oficial Apib.

Cenário de violência e críticas ao governo

Durante a entrevista, o secretário-executivo do Cimi comentou a crescente situação de violência contra os povos indígenas nos últimos anos. Uma situação que, segundo o indigenista, se agravou a partir da decisão do ministro Gilmar Mendes de não suspender os efeitos da Lei 14.701, aprovada pelo Congresso.

“Estamos diante de um cenário de violência permanente, persistente, onde a atuação do Estado é pouco eficiente, porque de fato não consegue evitar, não consegue prevenir, não consegue conter, não consegue sequer apurar toda essa violência que se trata de uma violência estrutural”, destaca o ativista, que menciona casos amplamente noticiados no oeste do Paraná e no sul da Bahia contra populações indígenas.

Por outro lado, o indigenista fez críticas ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na medida em que “há uma insistência em grandes projetos de infraestrutura”, refletindo uma “mentalidade desenvolvimentista” que não prioriza o bem estar e a segurança dos povos tradicionais.

“Hoje o governo tem em pauta uma carteira de projetos, podemos falar da questão da Ferrogrão, que é para facilitar a questão do agronegócio que vem da região Centro-Oeste do país, podemos falar da questão da [exploração de petróleo na] Foz do Amazonas, podemos falar do apoio aos projetos da Vale, podemos falar do apoio explícito do governo atual ao projeto de mineração de potássio no baixo rio Madeira, que é território do povo Mura. Nós estamos aí diante uma série de medidas que vão absolutamente na contramão”, disse Fernandez.

Ainda sobre a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas, uma disputa que envolve a Petrobras e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), o secretário fez referência ao encontro, nesta sexta-feira (4), do presidente com o Cacique Raoni Metuktire. “Hoje mesmo o cacique Raoni, que recebeu o presidente Lula no seu território, pediu expressamente ao presidente Lula que abandonasse a ideia da exploração do petróleo na Foz do Amazonas”, afirmou.

Luis Ventura Fernández também criticou o modelo de transição energética que vem sendo pautado pelo governo federal, que considera “injusto”.

“O que está se pretendendo é substituir a dependência da exploração dos combustíveis fósseis por outras fontes energéticas que vão exigir o aumento da mineração nos territórios. E já estamos vendo isso em muitos territórios indígenas. Então, é uma medida extremamente ineficiente, ineficaz e que vai continuar alimentando os conflitos nos territórios”, avaliou.

1 Comentário

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  1. Fui dar uma olhada na Lei 14.701, mencionada na matéria ora comentada e olha a sacanagem:

    Art. 4º São terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros aquelas que, na data da promulgação da Constituição Federal, eram, simultaneamente: (Promulgação partes vetadas)

    I – habitadas por eles em caráter permanente;

    II – utilizadas para suas atividades produtivas;

    III – imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar;

    IV – necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

    § 1º A comprovação dos requisitos a que se refere o caput deste artigo será devidamente fundamentada e baseada em critérios objetivos.

    § 2º A ausência da comunidade indígena em 5 de outubro de 1988 na área pretendida descaracteriza o seu enquadramento no inciso I do caput deste artigo, salvo o caso de renitente esbulho devidamente comprovado.

    § 3º Para os fins desta Lei, considera-se renitente esbulho o efetivo conflito possessório, iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data de promulgação da Constituição Federal, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada.

    § 4º A cessação da posse indígena ocorrida anteriormente a 5 de outubro de 1988, independentemente da causa, inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada, salvo o disposto no § 3º deste artigo.

    Quer dizer que se os indígenas tiverem sido expulsos de suas terras antes de 5 de outubro de 1988 e não tinham força para enfrentar os esquiadores, então eles não podem mais recuperar essas terras? $acanagem

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