As mudanças climáticas atingiram a vida dos pescadores artesanais da Colônia Z-40, em Palmares do Sul, litoral do Rio Grande do Sul, de duas maneiras: primeiro pelo plástico em mar aberto, recolhido há décadas pelas redes, depois pelos ciclones extratropicais, um total de seis nos últimos dois meses.
“Essa quantidade de ciclones é inédita. É o resultado das mudanças climáticas. Nestes últimos dois meses, não conseguimos lançar as redes. Estamos sem sair pro mar”, explica o pescador Daniel da Veiga Oliveira, de 44 anos. Para ele, as duas situações, lixo plástico e ciclones, são complementares e compõem o mosaico da degradação ambiental do Planeta.
A praia em que Oliveira pesca é relativamente afastada do centro de Palmares do Sul, fica a 25 km de distância. O pescado é comercializado a partir da Colônia Z-40 e dessa maneira a comunidade sobrevive. A dinâmica econômica local, portanto, está totalmente alterada pela dissociação ambiental incomum.
De acordo com a Defesa Civil do Rio Grande do Sul, nesta segunda-feira (11), houve o registro de 47 pessoas mortas e mais de 15 mil desabrigadas. O estado declarou situação de calamidade pública acumulando efeitos de outros ciclones extratropicais recentes, que afetaram as regiões Sul e Sudeste.
A Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN), da Marinha do Brasil (MB), que opera o Serviço Meteorológico Marinho, tem emitido constantes alertas de tempestades e ventos de até 100 km/h. Além do mar agitado, os ciclones provocam ressacas com ondas de até 3 metros. Para os pescadores artesanais, são condições impossíveis diante das técnicas e barcos utilizados para a pesca.
Ocorre que entre 15 de dezembro e 15 de março do ano que vem, os pescadores não podem lançar as suas redes no mar. No período, a comunidade de pescadores artesanais busca viver do que apanhou no período se sinal verde, além dos recursos destinados a eles pelo governo.
O pescador decidiu agir
No começo dos anos 2000, percebendo a poluição piorar no mar e na praia, o pescador tomou a decisão de denunciar a partir das curiosidades desse material plástico indevidamente descartado não apenas no Brasil, mas em países do outro lado do mundo, como o Japão, que navegava pelas correntes marítimas.
“Passei a filmar e fotografar tudo, enquanto recolhia, e postava no antigo Orkut, que era a rede social da época. A repercussão foi muito boa”, conta. Oliveira desdobrou a iniciativa de mídia para a pedagogia e em sua peixaria construiu um museu para apoiar ações de conscientização ambiental junto às crianças.
Nas últimas duas décadas e meia, Oliveira recolheu material plástico de mais de 30 países, lixo espacial e até um pedaço de jato da Força Aérea Brasileira (FAB) – acervo exposto no museu. O material reunido visa ensinar como o mundo está interligado não apenas pelas correntes oceânicas, mas também pelo destino trágico caso a humanidade não reveja a sua postura.
“Eu vivo disso aqui, faço boletins sobre o mar todos os dias e jogo nas redes, tenho seguidores em todo o mundo. Só para você ter uma ideia: se o mundo parar de produzir plástico hoje, não fazer mais um sequer, eu ainda vou recolher plástico no mar pelos próximos 50 anos”, traduz a situação o pescador que hoje percorre escolas e leva para a Colônia a conscientização ambiental.
O conhecimento das marés e correntezas é tamanho que Oliveira sabe quando e onde passará o lixo. “Evitamos colocar a rede (nos locais previamente diagnosticados como problemáticos), então assim a preservamos mais, mas mesmo assim é impossível evitar o lixo e o plástico”, explica.
“Não é um plástico, estamos falando de muito lixo. O cara até se entristece quando vê. E ninguém ampara nós, nem o município, o estado, o governo federal. Os estragos que dá nas nossas redes, o prejuízo é nosso”, explica. O plástico e lixo que não vai para o museu, segue para as mãos de recicladores.
O custo varia entre R$ 4 mil e R$ 5 mil por rede. “Eu mesmo reformo as minhas redes, mas perco o dia de trabalho e preciso comprar linha, comprar todo o material. Para a atividade da nossa Colônia, é alto o prejuízo, daí”, analisa Oliveira.
Um nova batalha: PL 2524/2022
A proibição da pesca de arrasto foi uma batalha anterior travada por pescadores de todo o litoral do Rio Grande do Sul, novamente suspensa no Estado por meio de liminar obtida pela Procuradoria Geral do Estado na Justiça Federal, em abril de 2022. Após recurso da União, a decisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e esse tipo de pesca não pode ser feita a 12 milhas náuticas do litoral – 23 km.
“Era um impacto muito grande, atrapalhava nossa atividade, prejudicava o meio ambiente marítimo”, explica Oliveira. A pesca de arrasto é a industrial, feita por grandes embarcações motorizadas, que puxam a rede levando consigo espécies que habitam faixas submersas entre 40 e 200 metros. O Brasil já pode ter comprometido 80% dos recursos pesqueiros com esse tipo de pesca predatória.
A Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 347/22, que proíbe a pesca de arrasto em águas continentais (rios e lagos), no mar territorial (22 km do litoral) e na zona econômica exclusiva do País (até 370 km da costa).
Um outro Projeto de Lei de interesse dos pescadores artesanais, que corre no Senado, é o PL 2524/2022, a “Lei do Oceano Sem Plástico”, conforme as organizações sociais o chamam, que no entendimento da Oceana oferece soluções factíveis para o problema da poluição causada por plásticos.
De acordo com o relatório “Um Oceano Livre de Plástico”, da Oceana, somente o Brasil despeja todo ano ao menos 325 milhões de quilos de plástico no oceano Atlântico, mas com as correntes marítimas a poluição acaba afetando todos os demais oceanos do planeta.
“Estamos engajados para aprovar esse PL também, como estivemos contra a pesca de arrasto, porque precisamos defender os nossos oceanos, o mar, e é isso que eu quero transmitir para as crianças, esse amor pela natureza, esse cuidado com o mar”, diz Oliveira.
LEIA MAIS:
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
Tragédia climática não pode se tornar normal. É claro que, por falta de opões para aplicação de suas fortunas, os burgueses são favoráveis às tragédias ambientais e sociais, pois essas tragédias abrem oportunidades de investimentos para reconstrução altamente rentáveis, mas as vítimas dessas tragédias devem se unir e se organizar para reverter essas mudanças. E essa união e organização dos oprimidos e explorados é urgentíssima, pois, caso se atinja o ponto de irreversibilidade, está tudo perdido.