Os 90 anos de Bresser Pereira, por Luís Nassif

Mas a influência mais marcante foi do ISEB (Instituto Superior de Estudos Econômicos), que defendia um projeto de autonomia para o país, e foi fechado pela ditadura militar de 1964. O compromisso com o Brasil se tornou a bandeira que Bresser traz até hoje.

A celebração dos 90 anos de Luiz Carlos Bresser Pereira, pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, permitiu a confirmação de características fortes do homenageado: a enorme curiosidade intelectual, que o fez navegar por diversos temas além da vã economia; a generosidade ímpar; o temperamento cordato que jamais transformou adversários de idéias em inimigos, como costuma acontecer no meio acadêmico.

Foi uma sucessão de depoimentos consagradores, de discípulos, colegas, familiares, e até um depoimento fantástico do seu amigo mais antigo, Manuel Gonçalves Ferreira Filho, vice-governador de São Paulo na ditadura militar, ambos adversários radicais de ideias e amigos para toda a vida.

Na homenagem, foram mostrados trechos de críticas de cinema que fazia, aos 19 anos, no jornal O Tempo, de seu pai. Entre elas, uma crítica primorosa sobre John Ford, o maior dos cineastas americanos, e outra sobre o maior cineasta brasileiro da época, Alberto Cavalcanti, contrapondo seu estilo artesanal ao industrial de Hollywood.

Faltou um depoimento sobre um aspecto muito interessante na carreira de Bresser, seu grupo na Juventude Universitária Católica (JUC), que gerou um ativismo de centro-esquerda no seio de famílias tradicionais paulistas. Participavam do grupo Bresser, Fernão Bracher, Plínio de Arruda Sampaio, Jorge Cunha Lima e Lauro Bueno de Azevedo. Em pleno governo Goulart, muitos deles foram para Brasília acompanhar o Ministro da Educação Paulo de Tarso Santos – cujos seguidores tinham um cântico de guerra “Paulo, ó Paulo, vamos fazer revolução”.

Todos eles eram, de alguma forma, parentes, galhos da frondosa árvore das famílias quatrocentonas, o governador da ditadura, Paulo Egydio Martins, o líder da esquerda Plínio de Arruda Sampaio, o neto do Barão de PInhal, Fernão Bracher. E muitos permaneceram, até o fim, firmes no seu compromisso com um Brasil melhor, dos quais o maior representante foi o próprio Bresser.

Acompanhei Bresser desde meus primeiros passos como jornalista. Ele e Eduardo Suplicy eram os únicos articulistas na grande imprensa com visão crítica sobre a ditadura, Bresser se revelando o grande crítico do “milagre”.

Foi com Bresser que emplaquei minha primeira “Página Amarela” na Veja, em uma entrevista com ele e Carlos Estevam Martins sobre o papel da tecnocracia. Depois, encantou-se com o empreendedorismo público, os gestores públicos, prefeitos ou governadores, com gestões inovadoras.

Quando a inflação se tornou o maior tormento brasileiro, ao lado de Yoshiaki Nakano explorou a teoria da inflação inercial. Depois, aprofundou os estudos sobre os efeitos do câmbio na desindustrialização brasileira.

Mas a influência mais marcante foi do ISEB (Instituto Superior de Estudos Econômicos), que defendia um projeto de autonomia para o país, e foi fechado pela ditadura militar de 1964. O compromisso com o Brasil se tornou a bandeira que Bresser traz até hoje.

Tenho alguns episódios de convivência com Bresser, que mostram sua generosidade.

No final dos anos 80 tinha um programa na TV Gazeta e uma coluna na Folha. Fui demitido quando denunciei o então Consultor Geral da República Saulo Ramos. Quem passou pela velha mídia sabe que, quando a pessoa perde o espaço, somem os oportunistas que a bajulavam.

Algum tempo depois, Bresser tornou-se Ministro da Fazenda e marcou uma coletiva em sua casa, para a qual fui convidado. Cheguei atrasado. Ao lado dele, no entanto, havia uma cadeira vazia, me esperando.

Quando lancei o primeiro serviço de jornalismo digital, pelo Cirandão, da Embratel, o lançamento foi em um hotel para o qual foram convidados os proprietários da Dismac e da Gradiente (que fabricavam microcomputadores), os coronéis da SEI (Secretaria Especial de Informática) e o Ministro Bresser Pereira. Quando mostrei o serviço, através de um datashow alimentado por um notebook, Bresser ficou encantado com o notebook. E disse que tinha pedido para Fernando Milliet (presidente do Banco Central) trazer um, quando fosse para os Estados Unidos. Os coronéis da SEI viraram a cabeça de lado, como se não quisessem ouvir aquilo. Na época, era estritamente proibido trazer notebooks na bagagem.

Quando se tornou Ministro da Reforma Administrativa de Fernando Henrique Cardoso, seguiu a mesma metodologia de outros temas em que se interessou: aprofundou os estudos sobre modelos no exterior, criou figuras novas, como o gestor público e as Organizações Sociais e procurou descentralizar as políticas públicas, desfazendo a pesada herança de centralização do período militar.

Tenho sérias dúvidas sobre as OSs. Mas o problema principal foi a não constituição de uma agência de regulação e fiscalização.

Seu cuidado com as pessoas era tão grande que, nos anos 90, me telefonou recomendando uma psiquiatra, que também atendia a Abilio Diniz. Disse que minhas colunas na Folha mostravam que eu estava sob tensão – e estava mesmo, com o primeiro casamento no final.

Em retribuição, quando o gênio Yamandu Costa chegou em São Paulo, mal saído da adolescência, fiz um almoço sarau em casa, para o qual convidei Bresser. Tempos depois, ele me liga entusiasmado de Paris, dizendo que tinha acabado de sair de um show de Yamandu.

6 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Sempre que vejo menções ao ISEB me vem à mente todo o histórico de sonhos insucesso deles ao longo do história. E fecho com os versos, desabafo dos Aldir Blanc e João Bosco: “Glória a todas as lutas inglórias, que através da nossa história, não esquecemos jamais”.
    É. O Bresser se tornou raridade nesses tempos de malafaias.

    1. Curioso essa laudatório ao Bresser Pereira. Esquecem que o “Plano Bresser” (quando fora ministro do governo Sarney) foi um fiasco; o “plano” também lesivo aos trabalhadores e poupadores (não rentista).E mais, quando fora ministro do governo ultra neoliberal do Fernando Henrique Cardoso, não se deve esquecer o desarranjo que foi a pretensa “Reforma do Estado” onde propunha como diretrizes: um Estado “mais” liberal. Em síntese: Bresser foi um “pluralista” nos meios acadêmicos nefelibatas, como é a academia brasiliera; mas quando esteve a frente de instituições de Governo, agiu sempre como um “economista burguês”. Em tempo, nesses tempo confusos: ser economista burgês nao é ofensivo ou indigno, é tão somente agir e mover pela lógica dos interesses primordiais das classes burguesas.

      1. Sem dúvida que o Ministério da Administração e Reforma do Estado quando instituiu o PDV, em 1996, e ofertou o incentivo APOIO PARA A RETOMADA DA VIDA PROFISSIONAL estava ofertando uma fraude, uma trapaça. Basta ler o Ofício 147/2006 e o Memorando-Circular 19/2007 que se lerá alí descrito que “apesar do prejuízo causado não se justifica o retorno do servidor ao cargo anteriormente ocupado tendo em vista não haver na legislação que instituiu o programa previsão para o retorno”.
        A legislação que instituiu mentiu quando ofertou o incentivo que daria “condições iguais ou até melhores que as atuais”, ou seja, melhores do que as que o servidor tinha enquanto servidor.
        É essa legislação trapaça que a Administração quer estabilizar porque não há na legislação fraudada previsão para o retorno.
        Chuta-se, portanto, o ordenamento jurídico, a Constituição e o governo fraudador passa a dizer, unilateralmente, sem que o ex-servidor tenha direito ao contraditório e a ampla defesa, o que é válido e o que não é na relação instituida por meio do Programa ardil com os servidores.
        E temos que aplaudir isso e ao Collor não, sendo que esse exonerou os servidores na marra, mas não com informações falsas.
        Nesse caso, muito específico, vale uma nota de rodapé: Essa pessoa tão elogiavel passou a perna nos servidores que aderiram ao PDV.

  2. Um grande economista com certeza. Só que como homem político sempre atuou em defesa da ordem neoliberal que então passava a ter hegemonia. A sua reforma administrativa não buscava a uma suposta eficiência do Estado. Era o desmonte de uma Estado de bem estar social esboçado na CF/88. Seguindo a diretriz do Consenso de Washington, precarizou o funcionalismo público sem combater os privilégios de uma pequena casta. Abriu caminho para a mais ampla privatização do serviço público através das organizações sociais como bem lembra o Nassif. Enfim, se na academia presta um grande serviço ao país, não se pode dizer o mesmo na sua prática política.

  3. Como servidor federal do executivo à epoca, com este senhor Ministro do tal MARE Ministério de Administração e Reforma do Estado, comi o pão que o diabo amassou e torceu com o rabo. Congelamento de remuneração por 8 anos, ameaças, reformas etc sempre com o brado uníssono da mídia corporativa. Nunca esqueci um livreto sobre um PDV Programa de Demissão Voluntária com a frase ameaçadora, ” Você tem a Chance de escolher “, conheço gente que aderiu e quebrou a cara já que nada prometido foi concedido, como crédito para abrir negócio.
    Meu velho pai morreu sem receber perdas do tal Plano Bresser….enfim
    Psrabéns pelos 90 anos. Não é todo mundo wue chega a esta idade, lúcido e produzindo.

  4. Nassif, você precisa melhorar a seção/interação dos comentários, a partir das pessoas cadastradas, como era anteriormente.

    Porque este é o grande diferencial do GGN, o alto nível dos debates. A exemplo dos comentários desta coluna sobre o Bresser.

    Inclusive, transformando alguns comentários em post, como acontecia no Blog do Nassif. Aliás, eu tive o privilégio de receber uma crítica do grande André Araújo num comentário meu que virou post.

    Enfim, este espaço pode se tornar uma espécie de rede social construtiva, em contraposição (modesta, logicamente) as grandes redes das big techs tóxicas.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador