Fake News, agências de verificação de notícias e metajornalismo, por Breno Mendes

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Ilustração: Andrea Baulé

Por Breno Mendes

Comentário ao video “A democracia que só a mídia vê”

Boa análise Nassif. Um fenômeno recente que você deveria analisar no jornalismo são as chamadas agências de verificação de notícias.

Elas surgem inicialmente para combater as “fake news”. Mas essa justificativa é obviamente falsa.

Primeiro, que a premissa do jornalismo é justamente a averiguação e verificação, sendo uma tautologia as tais agências. De maneira inconsciente querem dizer que o próprio “jornalismo de primeira ordem” está imantado de noticiosos falsos, explicitando sem querer uma auto deslegitimação.

Em outro sentido, agora com intenções perniciosas, é uma forma de desqualificar e deslegitimar as redes sociais e mídias alternativas, apontando para sua suposta falta de comprometimento com “a verdade dos fatos”.

No fundo, o jornalismo sempre tentou se legitimar a partir de uma mistificação e auto-indulgência apresentando-se como o topus discursivo da isenção e da profundidade, o lugar privilegiado da enunciação da “verdade”.

Obviamente isso é uma falácia e, pior, na prática ocorre justamente o contrário, ou seja, o jornalismo é essencialmente um aparato ideológico e não um fórum dialético.

Tais agências intencionam resgatar essa aura, tentando portar-se como um meta-jornalismo, juízes que dizem se a notícia seria ou não verdadeira, com o objetivo de resgatar o monopólio do discurso.

Um caso interessante recente que percebi é da tal Agência Lupa [Revista Piauí]: foram analisar se os documentos apresentados pelo Lula tinham ou não procedência, como se fossem peritos judiciais, desprezando  inúmeras condicionantes e informações complementares que ainda não estão sequer acessíveis, em uma abordagem de viés explícita e com intenções suspeitas…

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. O novo fascismo e a luta da Resistência contra ele.

    A suposta iniciativa de “motores de busca” capitaneados pelo Google em não mostrar links suspeitos de “fake news” é óbvia aliança entre a mídia tradicional, o oligopólio que comanda a internet e o governo estadunidense afim de implantar a agenda totalitária de um neoliberalismo em crise.

    Tal regime econômico, e sua conseqüência na nova organização do Estado responde aos seus problemas insolúveis (dentre os quais o pior, sem dúvida é a agudização da chamada “lei da concentração do capital”, que emperra a acumulação capitalista) com uma louca “corrida para a frente”, que encerra o breve período democrático com justiça social que o mundo desenvolvido experimentou depois de 1945. Além de acabar com a democracia não resolve a contradição econômica que não deixa mais a economia crescer.

    O silenciamento das vozes dissonantes também na “grande rede” faz parte de tal iniciativa totalitária.

    Os donos do capital agora têm identificação eletrônica, rastreamento de bens e pessoas, drones e bombas “espertas”. O fascismo do século XX foi “fichinha” perto da máquina totalitária que já está em funcionamento. Mas, como os “partizans” que lutaram contra o fascismo na Europa ocupada lutaremos nós, os libertadores de hoje.

    O ser humano é um amante teimoso da liberdade. Nós vamos resistir! E vamos vencer.

  2. Numa época em que chamam pós

    Numa época em que chamam pós verdade o que é simples mentira, é mais fácil botar as barbas de molho e ter os olhos bem abertos, a mente completamente desperta, do contrário, será o que vemos, ou talvez pior. Orwell imaginou que havia pintado o pior horror do Estado Totalitário, realmente não imaginaria e nem poderia imaginar o que viria pela frente. Hannah Aredent se aproximou muito mais o que seria o verdadeiro em Origens do Totalitarismo:

    “Platão, em sua luta contra os sofistas, descobriu que a “arte universal de encantar o espírito com
    argumentos” (Fedro, 261) nada tinha a ver com a verdade, mas só visava à conquista de opiniões, que são
    mutáveis por sua própria natureza e válidas somente “na hora do acordo e enquanto dure o acordo”
    (Teeteto, 172b). Descobriu também que a verdade ocupa uma posição muito instável no mundo, pois as
    opiniões — isto é, “o que pode pensar a multidão”, como escreveu — decorrem antes da persuasão do que
    da verdade (Fedro, 260). A diferença mais marcante entre os sofistas antigos e os modernos é simples: os
    antigos se satisfaziam com a vitória passageira do argumento às custas da verdade, enquanto os modernos
    querem uma vitória mais duradoura, mesmo que às custas da realidade. Em outras palavras, aqueles
    destruíam a dignidade do pensamento humano, enquanto estes destroem a dignidade da ação humana. O
    filósofo preocupava-se com os manipuladores da lógica, enquanto o historiador vê obstáculos nos
    modernos manipuladores dos fatos, que destroem a própria história e sua inteligibilidade, colocada em
    perigo sempre que os fatos deixam de ser considerados parte integrante do mundo passado e presente,
    para serem indevidamente usados a fim de demonstrar esta ou aquela opinião.”

  3. Que rei sou eu?

    Interessante provocação.

    Concordo sobre as intenções maldosas e parciais de certas publicações mas sobre os conceitos de sua análise, parece contraditório que você atribua ao jornalismo como função intrínseca, para criticar o caráter de meta-jornalismo das agências de fact-checking, as funções de averiguação e verificação para depois reduzi-lo a apenas mais uma forma de discurso em busca de legitimidade por persuasão acrítica, e destitui-lo de sua responsabilidade como portador de informação e notícia, o que lhe permite inclusive certas garantias legais como sigilo de fonte. O jornalismo, em que pesem as coerções que sofre e que exerce como reflexo das disputas de poder entre grupos sociais, tem um objeto mais ou menos determinado de atuação e responsabilidade correspondente. O que não significa neutralidade asséptica e que também coloca como discussão a (im)possibilidade do jornalismo de praticar a fria objetividade, caso ela exista. Também não significa que qualquer opinião pode substituir a factualidade de seu objeto: simplesmente há assuntos que são mais e outros menos sujeitos a objetividade analítica; ossos da liberdade ter que constantemente discernir entre notícia, informação, fato, opinião, verdade, mentira, ou manipulação de todos para atingir fins escusos.

    Sobre o advento das redes sociais e das “mídias alternativas” que você coloca como “vítimas” da prática de fact-checking, primeiro, que não são um bloco monolítico de perfeição e honestidade, reproduzindo muito dos vícios da mídia tradicional em nova roupagem – até porque o jornalismo independente também emprega o fact checking, como é o caso do Truco com a Agência Pública. (O último escândalo das redes sociais é a descoberta de propaganda massiva e patrocinada, antissemita, no Facebook, que não é um exemplo primoroso de liberdade de expressão – vídeo 1); segundo, que tanto a mídia tradicional quanto a alternativa praticam jornalismo com os mesmos instrumentos, a diferença sempre recairá sobre a forma e a finalidade como esses instrumentos serão utilizados (achei curioso que você falou de “jornalismo” sempre de maneira negativa e o colocou em oposição ao noticiário de “redes sociais e mídias alternativas” como pólos essencialmente opostos: se essas não fazem jornalismo, fazem o quê?).

    Inclusive porque o jornalismo não é e nem pode ser o dono da verdade que essas agências, em teoria, teriam um importante papel de análise objetiva do que pode ser submetido a esse tipo de avaliação: não seriam essas atividades de contraposiçao entre o que é apresentado como informação uma forma de “foro dialético”?

    O que me parece que embola o meio de campo, no assunto e na sua análise, é que se colocou tudo no mesmo balaio, fez-se uma média aritmética e dela saíram alguns conceitos generalizantes, alguns contraditórios:

    1 – sua assertiva sobre o jornalismo ser, como se fosse sua essência, um “aparato ideológico” e não um “foro dialético” não pode ser aplicada de maneira generalizada; qualquer forma de discurso – e o jornalismo é uma entre tantas formas de discurso, como o científico ou o religioso, por exemplo – é marcada por uma luta, também constituinte de sua legitimidade, entre os dois pólos que você aponta como contraditórios, inclusive a “mãe” da dialética, a filosofia. Se a ciência, que adota critérios rígidos de “verdade”, foi historicamente construída na tensão entre o(s) poder(es) e a(s) liberdade(s) de pensamento e expressão na busca das suas “verdades” e da sua legitimidade – e não são poucos os documentários e livros que demonstram que o poder do dinheiro venceu a batalha inúmeras vezes; a disputa sobre a narrativa da mudança climática é apenas o mais recente desses embates –, o jornalismo só estaria a salvo dessa disputa se fosse mais realista que o rei nu.

    2 – sua análise genérica sobre jornalismo, tomando a parte (podre, brasileira e massificada) pelo todo não considera, por exemplo, que se não fosse o trabalho de jornalistas que percorrem o mundo e os becos para informar com ética e responsabilidade, aí sim o que você chama de “aparato ideológico”* seria dominante e a opressão, inimaginável: a situação de calamidade das regiões em guerra, os genocídios, a crise ambiental, as desigualdades sociais, os movimentos sociais contramajoritários, os muitos lados de toda disputa, ou ainda o caso da quantidade de jornalistas mortos no exercício da sua profissão, como a alarmante situação do México, exatamente por fazerem jornalismo que se contrapõe a poderosos e criminosos interesses: isso pra você é resultado de serem parte do “aparato ideológico” ou tentativa de criarem um “foro dialético” que incomoda?

    3 – acho que o que você coloca como essência, ser uma “aparato ideológico” no sentido de ideologia hegemônica, é na verdade apenas um dos lados do caminho que se pode tomar, e para saber qual deles está em ação no contexto da informação, basta praticar a análise de discurso, que é uma ferramenta que torcedores de futebol conhecem bem, e que alimenta as muitas mesas redondas e quadradas por aí – não se pergunta a um corintiano se o gol do Palmeiras foi legítimo, e vice-versa, sem considerar que cada um puxa a sardinha para o seu lado, mas pode-se ouvir, além deles, “testemunhas” e até apelar para as câmeras de TV ou de celular de torcedores presentes: quem tem a palavra final? O que é certo e o que é errado? Qual a função do juiz e seus auxiliares? Pode-se substituí-los por tecnologia? No final, sempre haverá quem acredita no que lhe convém; o problema é na hora de tomar decisões sobre o fato e suas versões.

    Por fim, acho que foi feita uma avaliação maniqueísta dos instrumentos sem avaliar a maneira como são utilizados, por quem e com qual finalidade (as redes sociais e mídia alternativa são inquestionáveis e sumamente boas, enquanto as agências de fast checking são ruins e tendenciosas por si?). O que o faz pensar que as razões para a “mistificação e autoindulgência” atribuídas por você ao jornalismo não estariam agora sendo apropriadas pelas “redes sociais e mídia alternativa”? Nada nem ninguém poderá eximir o cidadão de fazer sua própria avaliação sobre a confiabilidade potencial daquilo que lhe é dito (do “meu amor” ao “vote em mim”), o que não invalida o papel fundamental do jornalismo ético e responsável em apresentar as informações com as quais se pode formar um juízo, em qualquer meio em que se apresente.

     

    [video:http://tvo.org/video/programs/the-agenda-with-steve-paikin/how-facebook-moderates-content%5D

     

    * imagino que você se refira ao discurso hegemônico porque em filosofia esse conceito seria ainda mais complicado para a análise que você fez; não li o Althusser mas o google aniversariante, sim.

     

    SP, 27/09/2017 – 22:58

    1. Auto checagem

       

      O link para o vídeo 1 não foi exibido no comentário anterior.

      [video:https://www.youtube.com/watch?v=FzqpQBwvXa8&t=310s%5D

      Erratas:

      “Por fim, acho que foi feita uma avaliação maniqueísta dos instrumentos sem avaliar a maneira como são utilizados, por quem e com qual finalidade (as redes sociais e mídia alternativa são inquestionáveis e sumamente boas, enquanto as agências de fast checking são ruins e tendenciosas por si?).”  

      1 – Leia-se a expressão sublinhada como “fact-checking, e com hífen porque é a forma mais utilizada; ainda que a forma sem hífen, fact checking, também pareça correta, adota-se a forma hifenizada para uniformidade ortográfica. 

      “Sobre o advento das redes sociais e das “mídias alternativas” que você coloca como “vítimas” da prática de fact-checking, primeiro, que não são um bloco monolítico de perfeição e honestidade, reproduzindo muito dos vícios da mídia tradicional em nova roupagem – até porque o jornalismo independente também emprega o fact checking, como é o caso do Truco com a Agência Pública.” 

      2 – No trecho anterior,  a parte sublinhada está mal redigida. Leia-se: ” – e é estranho retratar o instrumento de “checagem de fatos” como desenhado intencionalmente para, numa disputa entre mídias tradicional e alternativa, colocar esta última sob descrédito e reforçar o papel de guardiã da verdade oficial da primeira, até porque o jornalismo independente também emprega o fact-checking, como é o caso do Truco com a Agência Pública. Em verdade, o instrumento tem sido utilizado de formas variadas, incluída a que você menciona, distorcida, mas não somente nem como função intrínseca, e quando o é provavelmente porque, como outros instrumentos, absorvido como arma na disputa política e por controle da narrativa prevalecente, numa circularidade do tipo yin-yang (surgido para prevenir erros e manipulações, acaba por induzir outros), com a impressão digital do(s) interesse(s) de quem o emprega.”

       

      SP, 29/09/2017 – 13:43

       


       

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