The Guardian diz que impeachment é uma tragédia e um escândalo

Do The Guardian

A visão do The Guardian sobre o impeachment de Dilma Rousseff: uma tragédia e um escândalo

Editorial

Traduzido por Luiz de Queiroz, do Jornal GGN

Apoiadores da presidente Dilma Rousseff reunidos em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, no domingo. Fotografia: Beto Barata/AFP/Getty Images

Desde que Stefan Zweig escreveu, em 1941, chamando o Brasil de “a terra do futuro”, o país vem sendo repreendido por falhar em atender às expectativas que o seu tamanho, recursos e isolamento de guerras e problemas que afetam outras partes do mundo parecem criar. Houve momentos em que essa promessa pareceu estar à beira de se tornar realidade, mas tais esperanças foram novamente, repetidamente, desfeitas. O mais recente veio com a ascensão ao poder do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Lula e o seu Partido dos Trabalhadores (PT) trouxeram novas ideias, nova energia e um novo estilo para a política brasileira, desfigurada pela corrupção, pelo paternalismo e por uma persistente procrastinação diante dos problemas urgentes da nação.

O PT era um partido real, com uma base massificada por todo o país, uma ideologia coerente e, aparentemente, um forte senso moral – características que faltavam em outras agremiações partidárias. As políticas sociais de Lula trouxeram para e ele e para o PT uma imensa popularidade, garantiram a reeleição para um segundo mandato e ajudaram sua sucessora, Dilma Rousseff, a conquistar as vitórias de 2010 e 2014. Desde então, a história foi ficando mais sombria até que atingiu o seu ponto menos iluminado no domingo, quando a Casa menor do Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados, votou pelo seu impedimento. E ainda pode piorar, porque o impeachment, longe de ser a solução para a polarização política e social do Brasil, já agravou esse cenário.

A parede de metal erguida ao longo da Esplanada (uma área de parques no centro de Brasília) para prevenir manifestantes favoráveis e contrários à presidente de se engajarem em confrontos físicos durante a votação do impeachment é simbólica de quanto a polarização já foi longe demais. O historiador José Murilo de Carvalho disse recentemente que a radicalização e a intolerância no país chegaram a um ponto muito perigoso.

Como as coisas deram tão errado? A resposta pode ser encontrada nas mudanças da economia global, na personalidade da presidente, no abraço do PT a um sistema corrupto de financiamento partidário, no escândalo que explodiu quando esse sistema foi exposto e no relacionamento disfuncional entre os poderes Executivo e Legislativo do Brasil. A economia entrou em um declínio quando os preços das commodities, que são as principais exportações do país, caíram vertiginosamente. O crescimento diminuiu, depois parou, e enfim se reverteu; os empregos se tornaram mais escassos; os preços subiram e os programas sociais introduzidos por Lula se tornaram mais difíceis de financiar. O próprio PT, outrora o partido menos corrupto do país, escolheu resolver seus problemas financeiros mergulhando em um pote de dinheiro desviado da Petrobras, a empresa nacional de petróleo. A coalizão, os aliados e outros partidos se juntaram a eles.

Finalmente, a Constituição brasileira – que coloca no mesmo governo uma presidente eleita popularmente e membros de um Congresso eleitos em lista aberta, por representação proporcional – é uma receita para conflito na maioria das vezes. Como resultado, um líder teoricamente poderoso é confrontado por uma força de partidos que ele ou ela precisa cortejar com cargos, ministérios e compromissos políticos se quiser montar uma base no Congresso. A consequência, geralmente, é que o executivo chefe já perde metade do seu espaço de manobra antes mesmo de começar a tentar governar. Lula era um mestre em gerenciar essas contradições. A presidente Dilma, ineficiente e inconsistente, não tem a mesma habilidade.

Quando o Ministério Público e a Polícia Federal começaram a investigar o caso da Petrobras, e quando depois o juiz Sergio Moro assumiu, eles não previram os danos que essas revelações causariam? Provavelmente não. A intenção parece ter sido de purificar a política brasileira, tomando como precedente as investigações da Operação Mãos Limpas, na Itália, nos anos 90.

Mas o desfecho real é o oposto e é um paradoxo. A presidente não foi implicada no escândalo da Petrobras. As bases para o seu impeachment são de que ela manipulou dados financeiros antes das últimas eleições – o que não representa muito mais do que uma delinquência menor pelos padrões brasileiros. No entanto, quase todos os que estão envolvidos no seu impeachment são suspeitos de corrupção, incluindo Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados.

Agora, muitos temem que a campanha anticorrupção vá desaparecer, com exceção de um esforço final de concentrar fogo em Lula. Michel Temer, o vice-presidente, vai enfrentar os mesmos problemas da derrotada Dilma Rousseff, e suas chances de lidar com eles de forma eficiente precisam ser classificadas como baixas. Uma oposição desacreditada vai assumir o lugar de um PT desacreditado. É difícil vislumbrar mais do que um panorama sombrio para o Brasil.

Redação

16 Comentários

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  1. Não estão tão bem informados assim

    “Quando o Ministério Público e a Polícia Federal começaram a investigar o caso da Petrobras, e quando depois o juiz Sergio Moro assumiu, eles não previram os danos que essas revelações causariam? Provavelmente não.”

    Alguém precisa avisa-los da seletividade dos vazamentos e de todo o enredo que configura Moro & CIA estão envolvidos até o pescoço nisto. Vão ficar qualificados como inocentes e obstnados justiceiros? Porque a mulher de Cunha não está presa? E as declarações de Janot em momentos criticos? E o grampo ilegal em Dilma? Eles deixaram muitos rastros para ainda assim passarem por paladinos da justiça.

      1. Com todo o respeito as putas

        Com todo o respeito as putas que, estas sim, merecem respeito. Sem ofensa, não seria melhor classificá-los como o que realmente são: TRAIDORES DA PATRIA? 

    1. Eu tou sempre me perguntando

      Eu tou sempre me perguntando até onde estas ilegalidades cometidas nos procedimentos da Op Lava Jato não ocorreriam de forma premeditada, proposital, para no fim anular toda a operação… Não teriam como objetivo prender ninguém, apenas causar crise e instabilidade na política.

  2. Duas constatações após lermos

    Duas constatações após lermos esse editorial do jornal The Guardian:

    1ª) O conhecimento nada superficial que possuem acerca do nosso país; 

    2º) Um padrão de qualidade em termos de narrativa coerente, apego aos fatos e neutralidade política-ideológica. Exatamente o oposto da imprensa nativa. 

    Fazem, mesmo que em caráter bem resumido, uma exegese impecável da crise que nos assola. 

    Abaixo um vídeo que prova, cabalmente, o escopo conspiratório por trás desse processo de impeachment. Claro que o mesmo não se deu nos últimos dias, nem nas últimas semanas que antecederam o desenlace fatal no domingo. Outro deputado, o Heráclito Fortes, se gabava domingo pelos corredores da Câmara que há um ano havia reuniões em sua casa cuja pauta era como fazer o impeachment. 

    O maior pecado dos líderes e governos, ao contrário da lenda, foi sempre a ingenuidade. Durante esse últimos anos só fizeram cair como patinhos nos golpes, blefes e artimanhas de seus inimigos. 

    No que tange em especial ao relacionado com a Presidente da República, indaga-se, pela….sei lá, milésima vez: será que essa ou essas conspirações, abaixo dos narizes da presidente, passou/passaram desapercebidas pelo ABIN? 

    [video:www.youtube.com/watch?v=So0pRn-SM5I align:left]

     

     

    1. Pois é, JB…

      Existem vários meios de comunicação internacionais que demonstram um amplo e profundo conhecimento do Brasil. The Guardian, The New York Times, The Independent, Le Monde, entre outros, têm uma qualidade de análise de dar inveja quando comparado com a mídia tupiniquim. Alguns deles inclusive abriram portais em português, como El País, a BBC, o Deutsche Welle, etc. 

      Quem quiser informações menos enviesadas sobre o Brasil pode buscar nessas fontes, se depender da mídia nacional está perdido.

    2. Acho que só faltou o artigo

      Acho que só faltou o artigo falar sobre a participação da mídia nesse processo todo, incluindo o fato de que muitos dos deputados são tambem empresário de mídia.

  3. Também me pergunto como eu
    Também me pergunto como eu posso ser enganado tão facilmente, como não vejo que estão retirando meus direitos de cidadão, os poucos que temos. Por que devemos respeitar as instituições que temos se elas conspiram contra nós? Porque, sinceramente, o judiciário e o legislativo estão nos lançando no atraso e na ignorância.
    Quando sairmos desse lamaçal nunca mais teremos o direito, em respeito às futuras gerações, de confiar no stf e no judiciário como um todo, o legislativo, na sua parte satânica, podia ter sido contido. O que conquistamos com a redemocratização foi tão pouco mas até isso esses maus brasileiros estão nos tirando. Que todos sejam amaldiçoados pra sempre e que no futuro, porque terá um futuro, os brasileiros sejam donos de suas instituições ou seja sejam cidadãos plenos impossível de serem golpeados. Perdão pelo desabafo, mas como se diz por aqui: está ardido.

  4. Nas eleições futuras ,quem

    Nas eleições futuras ,quem vai ter coragem, estômago, ou retardo mental, para dar o seu voto para aqueles que  deixaram claro que para eles, o povo , sua soberania, suas  escolhas, seus direitos  e sonhos não representam nada, são apenas detalhes que precisam ser devidamente MANIPULADOS, feito isso, podem ser atirados no lixo . O que vimos neste domingo de horror foi exatamente isso, como se sentiram as pessoas que tiveram seus familiares assassinados  pela ditadura militar quando esse DEJETO que atende por Bolsonaro aproveitando-se do momento e dos holofotes exaltou os feitos de ULSTRA  o maior torturador de inocentes que ficará registrado na história deste país?? Que tipo de brasileiro terá coragem de dar o seu voto para a CORJA  DEMOTUCANA,PMDB E SEUS  CÃES DE GUARDA?????

  5. Manifesto britânico encabeçado por Brian Eno

    Postei na semana passada, num solitário Multimídia, a notícia publicado no Guardian sobre um excelente manifesto contra o golpe no Brasil, encabeçado por um dos maiores produtores musicais do mundo e criador da música ambiente: Brian Eno. Também assinam políticos trabalhistas e verdes, e alguns acadêmicos. Além do link para o Guardian, segue o texto traduzido abaixo.

    Estamos extremamente preocupados com os esforços de setores da oposição de direita do Brasil para desestabilizar – e, finalmente, derrubar – o governo constitucional eleito, inclusive através da tentativa de aprovar o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Essa campanha envolveu manifestações para “mudar o regime” através da derrubada da presidente antes do fim de seu mandato. Elas incluíram convocações abertas para os militares levarem a cabo um golpe de Estado.

    Há também uma campanha destinada a desacreditar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem Dilma pretende nomear ministro em seu governo. O objetivo aqui parece ser não apenas derrubar Dilma, mas também barrar Lula legalmente como candidato presidencial potencial em 2018.

    Enquanto isso, os sindicatos e os movimentos sociais denunciaram exemplos de agressão física contra partidários do governo. Nós nos opomos a essa iniciativa golpista, ecoamos o apoio dado ao Brasil que está sendo dado pela União das Nações Sul-Americanas e defender a democracia brasileira.

    http://www.theguardian.com/world/2016/apr/11/attempts-to-oust-president-dilma-rousseff-are-undemocratic

     

     

  6. Aquarela manchada..

    Os Principais Jornais do Mundo Parecem Cantar:

    Brasil/
    Meu Brasil bananeiro/
    Meu deputado faceiro/
    Vou comprar-te nos meus cobres/

    Brasil/
    Golpe que dá/
    Votação que faz chorar/
    Ó Brasil do meu horror/
    Terra de tanto fedor!
    Brasil, bananeiro!

     

    1. Da série: Músicas do Impitim

      CAMISA AMARELA (e o pato amarelo)

      Encontrei um senador na paulista de camisa amarela
      cantando impeachment nela, oi, impeachment nela
      convidei-o a sair da marcha sem a nossa companhia
      exibiu-me um sorriso de ironia
      desapareceu no turbilhão da galeria
      no estava (muito) nada bom
      o senador na verdade estava bem mamado
      bem chumbado
      atravessado
      foi por a cambaleando
      se acabando
      num cordão
      com um pixuleco na mão
      mais tarde o encontrei em BH
      no meio da praça
      bebendo o quinto copo de cachaça.

  7. Lá fora eles também compartilham da nossa desesperança

    Os jornais internacionais revelam a verdade política do Brasil que a maioria dos nacionais se recusam…Muita sombra e descrença em um futuro de um povo que, sem alternativa, continuará a duvidar também da justiça…

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